Indicado ao Oscar, 'O Homem que Vendeu a sua Pele' critica mercado da arte

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
08/10/2021 às 16:10.
Atualizado em 05/12/2021 às 06:01
 (PANDORA/DIVULGAÇÃO)

(PANDORA/DIVULGAÇÃO)

Há duas questões centrais no filme tunisiano “O Homem que Vendeu a Sua Pele”: a situação dos refugiados, um contingente cada vez maior de pessoas que são obrigadas a deixar os seus países para viverem como párias numa sociedade xenófoba; e a visão da arte como fruto de um sistema elitista em que o poder social e econômico fala mais alto.

Quando essas discussões atuais se cruzam no longa-metragem de Kaouther Ben-Hania, que acaba de estrear nos cinemas de Belo Horizonte, o resultado é uma obra bastante crítica – cínica, muitas vezes – sobre o quanto podemos valer, dependendo de nossa origem, status e, fundamentalmente, do grau de sacrifício próprio.

É assim que Sam Ali, um refugiado sírio que vive no Líbano, sai de uma posição de inferioridade para ganhar os holofotes. Para isso, aceita se transformar em mercadoria, ao permitir que suas costas sirvam de tela. O que a vida lhe tirou, sem poder usufruir de uma nacionalidade, como objeto de arte ele passa a circular livremente.

Sam faz isso por amor. Ele precisa chegar à Bélgica para rever a namorada, que se casou com um homem de melhor colocação após Sam ser preso ao gritar por “revolução” dentro de um ônibus. Não importava se o sentido da frase era o desejo de fugir às convenções que impediam os dois de se casarem. A palavra o sentenciou.

E é uma palavra, curiosamente, que o liberta: “visa” (visto, em português), estampada em suas costas. A princípio, o fato de ser um objeto de arte humano, desafiando as normas, parece tão ousado quanto enfrentar a ditadura síria. Mas logo se vê como uma simples mercadoria, exposta em museus e sujeita às regras do setor.

O título estabelece imediatamente uma relação com o termo “vender a alma”. Em determinado momento, o criador belga se vê como um Mefistófeles, o diabo que pactua com Fausto – um médico que aceita ir para  o inferno em troca de grande conhecimento – na popular lenda alemã, adaptada para o teatro por Goethe.

A diretora recorre (até com certo exagero) a imagens refletidas e duplicadas, para acentuar o mundo dividido de Sam, que se vê tão privado de liberdade quanto no tempo em que era um refugiado, prendendo-se às leis do capitalismo, num  progressivo processo de desumanização. Não faltam críticas ao universo falso e ganancioso da arte.

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