Isabel Wilker: 'Maud é o papel mais desafiador que já encarei'

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
01/05/2015 às 08:23.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:51
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Não soam meramente diplomáticas, as palavras de Isabel Wilker sobre a capital mineira, da qual se despede na próxima segunda, dia 4, quando a peça teatral “A Hora Amarela” encerra sua temporada belo-horizontina, iniciada no comecinho de abril– as últimas sessões acontecem nessa sexta-feira (1) a segunda, às 20h. Ao contrário, o sorriso se escancara e os belos e marcantes olhos castanhos da atriz reviram ao falar dos pontos que conheceu. E não foram poucos. “Foi a minha primeira temporada fora do eixo Rio-São Paulo, e deu para conhecer bem a cidade... Fui ao Mercado Central, ao Cine Belas Artes, a Santa Tereza... À Praça da Liberdade, claro. Vi a exposição de Kandinsky, comprei livros... E deu até para ir a Inhotim”, repassa a bela, filha de ninguém menos que José Wilker e Mônica Torres.

Na montagem, Isabel dá vida a Maud, uma jovem viciada em drogas, que chega ao abrigo onde está escondida Ellen, a personagem que conduz a narrativa, e que ganha a interpretação de Deborah Evelyn. Na última segunda-feira, a reportagem do Hoje em Dia se encontrou com a moça, que também responde pela tradução do texto “Through the Yellow Hour”, do dramaturgo norte-americano Adam Rapp. Confira, a seguir, alguns trechos da entrevista, concedida no Café com Letras do CCBB BH.

Vai ficar com saudades da capital mineira?

Claro, e vou ficar com uma super vontade de voltar! Deu para ver tudo, simplesmente amei o Mercado Central. Levava (para São Paulo, onde vive, com o marido, Diogo Almeida) pimenta, queijo... E comprei quilos de chocolate na Degryse, fui ao restaurante Baiúca, comi picanha até... Estive na Livraria Quixote, que adorei, comprei vários livros – sou viciada! Também no (Cine) Belas Artes, corri na Praça da Liberdade... Sem falar em Inhotim, que não conhecia. O próprio Centro Cultural Banco do Brasil, adorei ver a exposição de Kandinsky, a qual não tive a oportunidade de visitar no Rio. Gostei de tudo, até do cartaz do espetáculo (“A Hora Amarela”), no qual minha foto ficou numa escala gigante, maior do que sou (risos). Um luxo! Agora, quanto à peça, foi muito bom. O espaço (teatro) era menorzinho, então, o público fica mais perto, consegue ver bem. Todos foram muito receptivos. No início, a gente ficou com medo de o texto ser muito ‘duro’, mas no debate que fizemos com o público depois de uma apresentação, por exemplo, ficaram umas 15, 20 pessoas, e as colocações foram super bacanas.

Foi a primeira vez que você assina a tradução de uma montagem teatral?

Já havia brincado aqui e ali de traduzir, mas, quando minha mãe comprou os direitos da peça, me pediu para traduzir para uma leitura, não oficial. Acontece que o texto é coloquial, não há, por exemplo, brincadeiras de linguagem. Fiz a tradução e o Contardo Calligaris (psicanalista e articulista da “Folha de S. Paulo”, atualmente casado com a mãe de Isabel, a já citada Mônica Torres) leu para revisar, fizemos algumas mudanças, adaptações. O original localiza a trama em Manhattan, e há algumas indicações muito específicas, de ruas, hospitais, estações de metrô, inclusive próximas ao teatro no qual a montagem foi encenada. A Monique Gardenberg (diretora da empreitada) teve a perspicácia de eliminar essas indicações.

E você foi cooptada pela história da mesma maneira que sua mãe, quando ela assistiu à montagem em Nova York?

Não (risos)... Fiz uma leitura diferente, me pareceu assustador, pela dureza... Mas a Maud é o papel que representa meu maior desafio até agora – ainda que não possa dizer que tenho uma carreira muito longa (ri, tímida). Na peça, temos a Ellen que está presa em um bunker, e são as pessoas que chegam ali que fornecem a ela as informações de fora. A Maud é uma delas, mas o texto não diz de onde ela vem. Mostra que ela vai sobrevivendo de pequenos escambos. E o público não sabe se ela, assim como os outros personagens, está mentindo. Para além disso, há questões que valem para todos, como a de como a gente reage a situações limites, de privação, de risco... E tem uma outra camada que está no fato de essa menina se viciar em drogas. Falo de drogas sintéticas, como a morfina, a codeína. Ela traz toda uma ansiedade física, fisiológica, pela droga, uma fissura, uma agitação. Como atriz, o que mais me instigou foi esse lugar de quem será que sou quando tudo começa a cair ao redor. Quem é você, o que você é capaz de fazer para se proteger... Afinal, a moral das pessoas é elástica.

Você fez alguma pesquisa especial para compor a personagem?

Pesquisei para ser mais realista, conversei com o Contardo (Calligaris) e assisti a alguns filmes. No caso, a personagem faz uso das chamadas drogas hospitalares. Eu mesma já tomei, para uma situação específica, por recomendação médica, a morfina, ou antidepressivos. Tem algumas reações que são mais relacionadas, como o riso frouxo, o olhar mais embaçado, a bobeira, o alívio ao se injetar... Mas não achei necessário fazer um laboratório no sentido de ir, conversar com pessoas viciadas...

 

 

A peça, agora, vai para Brasília, onde fica em cartaz por mais um mês, no Centro Cultural Banco do Brasil de lá, confere? Paralelamente ao teatro, como está a sua agenda?

Depois da peça, começo a rodar a terceira temporada da série “O Negócio”, na HBO (Latin America, com direção de Michel Tikhomiroff). Na primeira, fiz uma participação, como uma personagem que, na segunda, cresce mais, é uma espécie de antagonista. Ela apronta bastante, é interessante fazer uma vilã. A Lívia é muito cara de pau, irritante...

A última novela que você fez foi “Geração Brasil”, confere? Gosta do formato?

Adoro novela, mas, acredite, acho mais difícil que teatro. Claro, tem a coisa de o teatro ser ao vivo, você não pode errar. Mas digo tecnicamente. Acho uma doideira, na TV tem a coisa do melhor take... Fico um pouco com taquicardia (risos). No teatro... não é dizer que nem ligo, mas já me sinto mais segura na linguagem...

Você também já atuou como apresentadora...

Sim, tanto no Multishow quanto no GNT. O interessante é que o programa do GNT (“Perfumes da Vida”) era totalmente roteirizado, enquanto que o do Multishow (“Bastidores”), completamente improvisado. Mas foi muito bacana, com ele viajei para a Jordânia, fui à Califórnia...

Já fez cinema?

Quatro curtas, mas, claro, tenho vontade de fazer mais... Porém, não depende só de mim. Obviamente, hoje, há outros caminhos, pessoas que produzem o próprio trabalho, como a Leandra Leal.

E sua ligação com a moda? Seu rosto se tornou conhecido em muitos editoriais...

Hoje, faço mais trabalhos de moda como atriz. Comecei a modelar com 17, 18 anos, fiquei uns dois anos, até começar a cursar Letras. Fui me envolvendo, consegui juntar um dinheiro, daí também vendi meu carro e fui morar em Londres, com 20 para 21 anos. Fiquei sete meses, fiz três cursos – inclusive, meu primeiro curta foi feito lá. Hoje, faço mais editoriais, mas nem sou mais agenciada.

Não dá para não falar de seu pai (José Wilker faleceu em abril do ano passado, aos 67 anos), que é um ícone tanto da TV, quanto do cinema e do teatro. Verdade que está envolvida em um trabalho relativo à memória dele?

Na verdade, o que aconteceu foi uma mostra (“José Wilker: 50 Anos de Cinema”, com uma retrospectiva de 34 filmes do ator e o lançamento de um livro-catálogo, na Caixa Cultural Rio de Janeiro), com a curadoria de Marcelo Laffitte (cineasta e amigo de Wilker). Foi difícil escolher os filmes – ele fez, ao longo da vida, mais de 70, alguns dos quais a gente nem sabia. No caso do livro, em vez de um texto careta, ele convidou amigos de várias fases da vida do meu pai, desde sua infância, em Juazeiro, no Ceará, até os mais recentes, como Marçal de Aquino. Gente como Betty Faria, Aracy Balabanian, Daniel Filho, Mariza Leão, Luiz Carlos Barreto, Aderbal Freire-Filho e Miguel Falabella. São textos afetivos, muito emocionantes. No mais, há vários projetos, inclusive de reedições, como do livro de crônicas que ele escreveu para o JB (“Jornal do Brasil”), que está esgotado. Muitas sobre cinema, embora ele nunca tenha se considerado um crítico de cinema.

*“A Hora Amarela” tem as últimas sessões a partir nessa sexta-feira (1) e até segunda, às 20h, no Teatro I, do CCBB BH, Praça da Liberdade

“O que o texto evoca é, hoje, muito mais impactante por uma loucura do mundo. As execuções do Estado Islâmico, todos esses outros momentos de guerra fizeram com que a mensagem ficasse oportuna”, Isabel Wilker.
 

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