Jornalista paulista conta sobre aventura de entrevistar Carlos Drummond de Andrade

Elemara Duarte - Hoje em Dia
17/10/2015 às 08:11.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:05
 (Daniel Lima/Divulgação)

(Daniel Lima/Divulgação)

A jornalista Nanete Neves descreve a recepção “à mineira” que teve no apartamento de Carlos Drummond de Andrade, no Rio de Janeiro, em um outubro como este, mas de 1977: biscoitinho de nata, café, suco de caju. Também, como não se lembrar de data tão importante? Afinal, foi naquele dia que o grande poeta quebrou – em parte – a cisma que tinha com jornalistas e concedeu a primeira entrevista dele.

Hoje, o antes, o durante e o depois da até então inédita experiência são contados no livro “O Poeta e a Foca” (Editora Pasavento), lançado nacionalmente no final de setembro, e que a jornalista autografa em BH, no início de novembro.

Drummond já era quem era quando aceitou o encontro. Nanete, com seus 24 anos, era mais uma “foca” (iniciante no jornalismo) e trabalhava no “Shopping-City News”, um jornal relativamente pequeno, se comparado a outros jornalões e revistas de grande circulação no país. A jovem repórter conseguia, então, não somente a mais importante entrevista da carreira, mas, também, um feito histórico-literário.

A condição dela, sem muita pompa, parece não ter preocupado Drummond. Por que você acha que ele confiou em você, Nanete? “Até hoje, não sei”, avalia. “Não sei se foi pelo teor do bilhete ou das perguntas. Pois eu não ia falar de literatura. Não ia me meter a isso. E soube que ele detestava discutir literatura e, acima de tudo, a própria obra”, lembra.

Depois, Nanete manteve uma amizade à distância, mas delicada, com o autor, por meio de correspondências que ele enviava, em datas como Dia das Mães e Natal. Estas relíquias, ela guarda emolduradas em casa.

“Às vezes, penso que esta confiança pode ter vindo até mesmo do sorriso que dei para ele, quando fui entregar o bilhete para a empregada. Eu o vi lá no fundo do corredor e sorri. Ou pode ser que talvez ele estivesse de bom humor...”, aventa. Vá saber!
 
Apuração é assim
 
Nanete tinha uma pauta, um “gancho” – outro termo de redação, que significa o motivo para falar sobre o assunto – no caso, os 75 anos de idade de Drummond – e um desafio. Com isso, a solução foi “apurar”. Então, ela procurou amigos do poeta itabirano. Apurou dali, daqui... e encontrou o endereço da “fonte” que estava radicada no Rio de Janeiro. No apartamento de Drummond, deixou um bilhete com algumas perguntas com a funcionária do escritor e depois telefonou. E ele topou!

Na época, a jornalista não levou gravador, mas guardou a conversa “na cabeça”: “Perguntei a ele se poderia publicar o que conversarmos. Ele perguntou se era importante para mim. Eu disse que sim. Então, ele autorizou”. Apenas um trecho com quatro perguntas auxiliares, Drummond respondeu em uma folha datilografada.

O jornal publicou a matéria no domingo, dia 30 de outubro. O aniversário era no dia 31. “Na terça-feira, a revista IstoÉ me procurou para uma pequena entrevista e o título foi ‘Furo de reportagem’. De repórter, virei notícia”, recorda.
 

PRIMEIRA PÁGINA - A chamada da matéria histórica no jornal “Shopping-City News”, de São Paulo. Crédito: Acervo Nanete Neves

 

‘Eu nunca desisti de uma pauta’
 
Uma das perguntas que Nanete Neves fez por escrito para Drummond foi “O que a vida lhe ensinou até agora?” A mesma pergunta foi feita pela reportagem, agora para a própria Nanete, 38 anos depois.

“A vida me ensinou a não superestimar as coisas que acontecem com a gente. Porque tudo passa e o que importa são os sentimentos, as amizades que vamos conquistando”, diz.

O livro, escrito tanto tempo depois da aula de jornalismo na qual foi coadjuvante, diz ela, é para inspirar as novas gerações. Nanete hoje está fora das redações e se dedica a atividades no mercado literário. “Traz uma coisa melancólica, mas boa, para aquelas pessoas que já trabalharam na imprensa, mas também um vigor e uma vontade para quem está entrando na carreira”.

São os princípios jornalísticos da boa apuração, uma certa audácia e, principalmente, do sempre necessário respeito pelo entrevistado – seja diante de um dos mais importantes escritores do país, seja diante de um anônimo.

“Se você faz com garra, tudo vale a pena. E eu nunca desisti de uma pauta. Sempre voltava com alguma coisa da rua. Um professor um dia me disse: ‘Você é daquelas repórteres chatinhas, que insistem’”, justifica. (Cá entre nós, dependendo da situação a expressão “repórter chatinha” é elogio).

Um dos escritos de Drummond e a foto do poeta na publicação foram autorizados pelos herdeiros do poeta. Mesmo após a quebrada de gelo midiática de 1977, Drummond concedeu raras entrevistas.

Nanete Neves virá a BH, no dia 6 de novembro, às 20h, na Fnac Belo Horizonte (BH Shopping, nível MA, loja 61, rodovia BR-356, 3049, Belvedere). Na capital, ela lança “O Poeta e a Foca” e participa de bate-papo sobre Drummond ao lado do professor pós-doutor em Literatura, pela PUC-Rio e UFMG, Leandro Garcia. Entrada Franca.

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