Laurentino Gomes: "Quero escrever um livro sobre a Inconfidência Mineira"

Elemara Duarte - Hoje em Dia
01/10/2013 às 06:58.
Atualizado em 20/11/2021 às 12:55

O jornalista e escritor Laurentino Gomes chega ao último livro da saga brasileira, que alavancou as vendas de mais de 1,5 milhão de livros. "1889: Como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da monarquia e a Proclamação da República no Brasil" (Editora Globo) será lançado nesta terça (1º), às 19h30, na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1537, Centro, BH). Entrada gratuita.

Depois do livro "1808", sobre a fuga da corte portuguesa para o Brasil, e do "1822", com a independência da terra tupiniquim, o escritor paranaense aposta, agora, com "1889", quando fala da Proclamação da República. A seguir, acompanhe a entrevista com o autor, ao Hoje em Dia:
 
Hoje em Dia - De 1808 a 1889, você abrange quase um século da história do Brasil. O que este período trouxe de positivo, de lamentável e de decisivo para o tipo de país que temos hoje?

Laurentino Gomes - O Brasil carrega ainda hoje uma herança muito forte desse período. É o que eu chamo de uma perspectiva monárquica do poder. Ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1808, o príncipe regente D. João encontrou uma colônia portuguesa dominada pelo analfabetismo, pela escravidão, pela pobreza e pela grande concentração de riquezas.

Havia poucas escolas, nenhuma universidade - contra 22 já existentes na América espanhola - e a circulação de livros e jornais era censurada ou controlada pelas autoridades. As regiões eram isoladas e rivais entre si. A partir dessa data, o Estado brasileiro foi construído de cima para baixo, ao longo de todo o século 19. Coube ao rei D. João VI, aos imperadores Pedro I e Pedro II manter a integridade territorial, suavizar os conflitos e organizar tudo, sem que a imensa maioria da população participasse do processo de decisões.

A monarquia conseguiu dar um jeito na arrumação da casa?

Mas há também aspectos positivos nessa história. Nesses últimos dois séculos, o Brasil enfrentou desafios que, em determinados momentos, pareciam insuperáveis. A própria existência do país esteve ameaçada várias vezes. Na época da Independência e do Primeiro Reinado, as chances de divisão território em guerras civis e separatistas eram enormes. Esses desafios foram todos superados, às vezes, ao custo de muito sangue e sacrifício. O fato de termos chegado até aqui como um país grande, integrado, de dimensões continentais, relativamente tolerante no aspecto político, racial e religioso, nos fornece sinais de esperança em relação aos problemas do presente.

Você nomeia a peleja do Brasil para evitar o fim da subjugação dos negros com termos como "viciado em escravidão". Mesmo com todo sofrimento imposto por tal sistema, você sabe quando esses descendentes de africanos passaram a ter o sentimento de pertencimento a um país, no caso como "brasileiros"?
Acredito que esse seja um dos grandes passivos históricos mal resolvidos até hoje. O Brasil aboliu formalmente a escravidão em 1888, mas abandonou os ex-escravos à própria sorte. Eu diria que, apesar do barulho da campanha abolicionista, que precedeu a assinatura da Lei Áurea, ninguém nunca se preocupou de fato com a sorte dos escravos no Brasil.

...Nem os abolicionistas?

Nem mesmo os próprios abolicionistas. Eles estavam mais preocupados em eliminar o que chamavam de "a mancha da escravidão" no Brasil, do que em incorporar os escravos à sociedade brasileira na condição de cidadãos de pleno direito, depois de libertos. Assinada a Lei Áurea, a maioria dos intelectuais abolicionistas deu o assunto por encerrado, enquanto os ex-escravos eram esquecidos à margem da sociedade. Basta ver as estatísticas atuais nas quais os ganhos e as oportunidades dos negros ou descendentes de negros ainda são muito inferiores aos dos brancos.

O que vale na nossa cultura é a lei das "vantagens", costume que até hoje sentimos no nosso dia-a-dia. Por que a história do Brasil é tão pobre de valores humanos e progressistas?

Ao longo de sua história como nação independente, o Brasil falhou na tarefa de realizar coisas importantes, como prover educação para todos, incorporar os ex-escravos na sociedade produzida, reduzir a pobreza e formar cidadãos capazes de conduzir os seus próprios destinos em um ambiente de democracia. Infelizmente, o Brasil é ainda um país messiânico, de salvadores da pátria. As pessoas participam pouco da atividade política, não vão a reuniões de condomínios ou de pais nas escolas, desprezam os partidos políticos, não ligam a mínima para os sindicatos e associações de bairro, ou seja, são totalmente ausentes das decisões que afetam a sua vida, mas cobram muito do Estado. É o que se viu nas manifestações de rua recentemente.

De onde vem tanta alienação?

Acho que essa é uma herança ainda da época da monarquia, em que um rei ou um imperador – supostamente mais instruído, culto, sábio e bem intencionado do que a média da população – teria a missão de cuidar do bem-estar geral e prover as necessidades de todos. A nossa república tem mantido ao longo dos anos essa prática monárquica. As pessoas esperam que um líder forte resolva tudo sem que elas precisem participar das decisões e dividir as responsabilidades. Esse foi o papel desempenhado por Getúlio Vargas, o pai dos pobres, e também pelos generais do regime militar de 1964. E continua ainda hoje, com Fernando Henrique Cardoso, o homem que domou a inflação, ou Lula, um novo "pai dos pobres". Nosso desafio atual é educar as pessoas para que se tornem cidadãs de pleno direito, capazes de romper essa herança histórica.
 
Capa do novo livro de Laurentino Gomes (Divulgação)

Qual é o tema do próximo livro?

Gostaria de escrever um livro sobre a Guerra do Paraguai, outro sobre a Inconfidência Mineira, talvez mais um sobre as grandes rebeliões do período da Regência, entre a Abdicação de Dom Pedro I, em 1831, e a maioridade de D. Pedro II. Essa é uma década fascinante, que muitas ideias e projetos de Brasil foram testados, às vezes a custa de muito sangue e sofrimento. De certeza, por enquanto, só sei que "1889" será o último livro com data e números na capa. É o encerramento de uma trilogia e de um ciclo. Os próximos livros terão títulos diferentes.

Há projetos para que os livros virem filmes?

Desde que publiquei 1808, seis anos atrás, já recebi diversas consultas a respeito da possibilidade de transformar livros em filmes e séries de televisão. Gostaria muito que isso acontecesse, mas não tenho pressa. O importante é encontrar um roteirista e um diretor capazes de adaptar essas obras sem banalizar o seu conteúdo, como, infelizmente, já aconteceu no passado com outras produções cinematográficas brasileiras.

O que motiva o interesse os "gringos" na história do Brasil?

A edição em inglês do livro "1808" chegou às livrarias dos Estados Unidos na primeira semana de setembro, ou seja, uma semana depois do lançamento de "1889" no Brasil. A tradução de um livro de História do Brasil para leitores americanos é um desafio complicado. O texto precisa ficar mais didático e acessível do que no original porque, lá fora, infelizmente, as pessoas conhecem muito pouco a respeito de nós. Morei um ano nos Estados Unidos e os americanos sempre se surpreendiam quando eu contava que o Brasil já tinha sido uma monarquia e que nós tivemos um rei (D. João VI) e dois imperadores (Pedro I e Pedro II). Poucos conseguiam entender também a razão pela qual nós falamos português, enquanto todos os vizinhos falam espanhol.

O que você faz para que seus livros tenham tamanho sucesso, mesmo falando de histórias relativamente conhecidas dos brasileiros?

Minha contribuição ao estudo da História do Brasil é de linguagem. Na pesquisa dos meus livros, eu uso a técnica da reportagem. Procuro observar os acontecimentos e personagens sob a ótima do jornalismo, sem me preocupar com nuances teóricas que, no ambiente acadêmico, são muito importantes. Isso me dá uma liberdade de observação e de narrativa muito grande. Isso explica, por exemplo, os subtítulos dos dois livros. Esse recurso bem humorado é usado com o propósito de provocar o interesse do leitor, como se faz, por exemplo, num título de capa de revista ou numa manchete de jornal. No texto, eu combino análises mais profundas dos acontecimentos e personagens com detalhes pitorescos, surpreendentes e bem-humorados. Tudo isso ajuda a atrair e reter a atenção do leitor. E ninguém precisa sofrer para estudar História.

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