Lilia Schwarcz lança em BH livro em que esmiúça as raízes do autoritarismo no Brasil

Cinthya Oliveira
20/08/2019 às 21:27.
Atualizado em 05/09/2021 às 20:05
 (Editoria de Arte)

(Editoria de Arte)

Após se deparar com discursos bastante intolerantes na sociedade brasileira, muito marcantes nos embates políticos do ano passado, a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz aceitou o desafio da editora Companhia das Letras para escrever um livro sobre as raízes do autoritarismo brasileiro. De novembro de 2018 a abril deste ano, mergulhou em dados históricos e contemporâneos para investigar questões socioeconômicas, políticas e culturais determinantes para o atual cenário.

Das reflexões sobre a nossa história, marcada por preconceito, discriminação e corrupção, nasceu “Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, que a pesquisadora e professora da Universidade de São Paulo (USP) lança no Palácio das Artes, por meio do projeto Sempre um Papo. 
“Escrevê-lo foi como uma tentativa de dizer aos brasileiros que nós sempre fomos autoritários”, explica Lilia, que já havia abordado vários temas presentes nesta obra em textos publicados no jornal Nexo e no livro “Brasil: Uma Biografia”, desenvolvido junto com a professora da UFMG Heloisa Starling. 

Mas por que, ao tratar de autoritarismo, a autora mergulha em dados e fatos históricos que estão por trás de questões sociais, como racismo, LGBTfobia, violência e misoginia? “Naturalizar a desigualdade, evadir-se do passado, é característico de governos autoritários que, não raro, lançam mão de narrativas edulcoradas como forma de promoção do Estado e de manutenção do poder”, escreveu a pesquisadora na introdução da obra.

“Mostro no livro que a sociedade constrói marcadores sociais de diferença, que são construções culturais sobre diferenças naturais, ou seja, você transforma o que é uma diferença fisiológica em algo muito maior, em geral com muito preconceito e discriminação. Questões de raça, gênero, classe, sexo, região e geração são marcadores sociais muito fortes”, explica Lilia. 

“A agenda de ataques dos governos autoritários é contra as minorias. Agentes sociais que conquistaram espaço nos últimos 30 anos vêm sendo covardemente atacados”, contextualiza. 

O principal entrave para que a população possa compreender o ambiente autoritário em que está inserida é a negação, segundo a autora. No Brasil, há uma dificuldade em reconhecer que exista racismo, intolerância social e patriarcalismo. O mito de que o brasileiro é um ser cordial permanece.

“Democradura”

Segundo Lilia, a eleição não é garantia de exercício da democracia em uma nação. Tanto que, para tratar dos governos eleitos democraticamente que abraçam discursos autoritários – como Estados Unidos, Rússia, Filipinas, Itália, Israel e Venezuela –, ela utiliza o termo “democraduras”. “A democracia é feita no dia a dia, no jogo com as diferenças, da produção a partir do consenso com as diferenças. Esses governos não trabalham o diálogo com as diferenças”. 

Para Lilia Scharcz, o Brasil é um país de paradoxos. Da mesma maneira que realiza a maior parada de orgulho LGBT do mundo (reunindo mais de 3 milhões de pessoas em São Paulo), o país é tremendamente agressivo em relação a gays, lésbicas e transgêneros. Essa violência é tão silenciosa que não há qualquer órgão governamental que a mensure.

Também é gritante, diz Lilia, a violência sofrida pela população negra – segundo a Anistia Internacional, um jovem negro no Brasil tem, em média, 2,5 vezes mais chance de morrer do que um jovem branco. Na Região Nordeste, essa taxa sobe para cinco vezes. 

“Após a Lei Áurea, houve uma emancipação que teve data para começar mas não para terminar, porque temos no Brasil um racismo estrutural, institucional e bastante arraigado em nossa cultura”, afirma a autora, que fez questão de reforçar no livro as conquistas que o movimento negro vem alcançando desde os anos 1970, como as políticas públicas afirmativas.Daniel Bianchini/Divulgação / N/A

Lilia Schwarcz é professora do Departamento de Antropologia da USP

 Acessível

O objetivo da escritora foi atingir um público mais amplo e não somente os acadêmicos. A intenção é oferecer suporte a quem queira compreender o presente e todas as nuances que envolveram o processo eleitoral do ano passado, quando o país se viu plenamente dividido – culminando na eleição de Jair Bolsonaro (PSL) com mais de 57 milhões de votos. 

Para que pudesse atender a um público amplo e leigo, Lilia lança mão de uma linguagem fluida, intercalando dados históricos com levantamentos estatísticos contemporâneos. “(Apostar em uma linguagem acessível) é uma estratégia política e afetiva, para mostrar que a história não é uma disciplina que afasta. Na verdade, é uma disciplina que agrega, inclui, valoriza e lida com nossa memória, tão castigada em momentos de fake news e negacionismo”, explica.

Serviço: Sempre um Papo com Lilia Schwarcz na Sala Juvenal Dias do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1537), nesta quarta-feira (21), às 19h30. Entrada gratuita. 

 Confira alguns trechos de "Sobre o Autoritarismo Brasileiro:

“O autoritarismo representa o antônimo da democracia. Com o incentivo da Constituição de 1988, e 30 anos de exercício democrático, solidificamos nossos poderes, nossas instituições se tornaram mais robustas, e animamos a convivência social com a diversidade. Ainda assim, temos mostrado sinais de mau funcionamento das instituições e até mesmo da Constituição... De toda maneira, e enquanto não se inventarem fórmulas melhores, aprender com a diferença continua sendo uma regra de ouro da cidadania e faz parte do fortalecimento das bases democráticas da sociedade brasileira”

“Sobretudo para os setores vulneráveis da sociedade, a regra democrática permanece muitas vezes suspensa no país, e nosso presente, ainda muito marcado pelo passado escravocrata, autoritário e controlado pelos mandonismos locais”

“A concentração de riqueza, a manutenção dos velhos caciques regionais, bem como o surgimento dos ‘novos coronéis’e o fortalecimento de políticos corporativos mostram como é ainda corriqueiro no Brasil lutar, primeiro, e antes de mais nada, pelo benefício privado. Essa é uma forma autoritária e personalista de lidar com o Estado, como se ele não passasse de uma generosa família, cujo guia é um grande pai, que detém o controle da lei, é bondoso com seus aliados, mas severo com seus oponentes, os quais são entendidos como inimigos”

  

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