(Marcelo Prates - 25/04/2012)
"O amor ainda se apura e, embora mudo, faz do silêncio a fórmula de alarde". Solta assim, a frase – garimpada do poema "Soneto de Amor" – é também um recorte dos dias do poeta Affonso Ávila, falecido na manhã de quarta-feira (26), em casa.
"É uma das expressões mais significativas da poesia brasileira, que soube encontrar na herança barroca de Minas a essência de uma obra original e inovadora, marcada por uma contundente consciência crítica dos fenômenos históricos", comenta o prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo.
E se Affonso soube traduzir, por meio da releitura do barroco, as características basilares da mineiridade, coube a ele ainda carregar o mérito de ser um dos grandes expoentes da literatura mineira contemporânea.
"Destacou-se como escritor, poeta, pesquisador nos estudos sobre o barroco e foi um dos responsáveis pela fundação do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG)", lembrou, ontem, a secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais, Eliane Parreiras.
Não por menos, em 2011, o conjunto da sua obra – que passa pelos anos de 1953 até abril último, quando lançou "Égloga da Maçã" – foi reconhecido com o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura em 2011. "Ele continuará sendo fonte de inspiração para muitas gerações", afiança a secretária, ao Hoje em Dia.
Como garante também o artista plástico Paulo Schimidt que, em 2008, organizou a exposição "Constructopoético – affonso80anosávila", uma homenagem ao poeta. À época, Ávila contou que desde pequeno era de escrever e rasgar – "só quando chegava a me agradar que guardava". Sobre a homenagem, completou: "Me sinto surpreso e, ao mesmo tempo, comovido. Isso mostra que há reconhecimento do meu trabalho".
Responsável pelo grato reconhecimento, Schimidt falou ontem sobre Ávila, comovido. "O que posso dizer é que esse homem é um dos principais poetas do Brasil. Um artista com quem pude trabalhar lado a lado e, desse convívio, guardo uma experiência única".
Sensibilidade
Pai de cinco filhos e casado com a poetisa Laís Corrêa de Araújo (1929-2006), Affonso recolheu-se em pranto e pessimismo quando a esposa faleceu. Da tristeza nasce o livro "Poeta Poente".
Em abril último, quando abriu sua casa para receber a reportagem e falar sobre o recente trabalho ("Égloga da Maçã"), Ávila confessou que estava cansado de ser triste e chegou a fazer planos.
O filho Carlos Ávila, também poeta e editor do caderno Cultura do Hoje em Dia, destaca o privilégio de ser filho do escritor. "Ele aflorava sensibilidade humana... Coube a ele e a minha mãe me proporcionarem acesso às diversas manifestações culturais. Eu e meus irmãos crescemos numa casa cheia de livros".
O poeta também era um gigante no ensaio
Poeta entre os maiores de sua geração, Affonso Ávila também exerceu com o mesmo afinco e sucesso as atividades de pesquisador e ensaísta. Seu foco era o barroco mineiro e seu objetivo, apresentar a originalidade desta que é a primeira manifestação artística genuinamente brasileira.
Em meio às pesquisas, acabou por "tropeçar", na década de 1960, em dois textos setecentistas que deram origem ao mais importante estudo teórico sobre o barroco mineiro já escrito. Trata-se do livro "Resíduos Seiscentistas em Minas". Nele, Ávila defende que a arte das igrejas barrocas, opressiva e teatral, era uma projeção da mentalidade, da sociedade e do modo de vida dos setecentos em Minas Gerais.
No livro, ele disseca, pela primeira vez na história da arte brasileira, a ideologia do barroco e o sentido dramático da religiosidade mineira à época do fausto do ouro.
Curiosidades
Os textos, conforme o próprio autor, não eram desconhecidos, mas tratados apenas como curiosidades históricas. São eles o "Triunfo Eucarístico" e o "Áureo Trono Episcopal", de 1734 e 1749, respectivamente, que narram duas grandes festas públicas acontecidas nas ruas de Vila Rica e Mariana. A primeira, pela inauguração da matriz do Pilar, e a segunda, pela chegada do primeiro bispo a Mariana.
A pompa dos desfiles públicos, sua divisão com diferentes papéis entre as associações religiosas, laborais e classes sociais, a duração das festividades e o luxuoso exibicionismo dos ricos e da igreja, descritos em seus pormenores nos dois textos, serviram para Ávila compor um riquíssimo painel sociológico e psicológico do homem setecentista.
E, deste painel, o autor compreende a riqueza e a incoerência das igrejas mineiras como uma projeção da sociedade que as criou, com sua visão dramática da vida e necessidade do ambiente teatral para realizá-la.
Ávila foi generoso com os "não iniciados"
Ávila foi um ensaísta profícuo. Além do fundamental "Resíduos Seiscentistas", produziu vasta obra de análise da arte barroca, na qual também se destaca o profundo – e pouco amigável – "O Lúdico e as Projeções do Mundo Barroco", quase que como extensão da teoria iniciada no "Resíduos".
Mas Ávila, acima de sua importância teórica, era autor de grande generosidade: assinou outros dois livros fundamentais para os que dão os primeiros passos na teoria da arte mineira, hoje encontrados apenas em sebos: "Iniciação ao Barroco Mineiro" e o pequeno (mas maravilhoso) texto introdutório do "Barroco Mineiro: Glossário de Arquitetura e Ornamentação".
Outra faceta do autor foi a de agitador cultural, tanto na poesia quanto na promoção de eventos e publicações de vanguarda, como no estudo crítico da arte, principalmente por meio da Revista Barroco, iniciada em 1969. Já em seu primeiro número, a iniciativa apresentou-se como fórum de ideias e debates aos principais historiadores da arte, contemporâneos de Ávila, unindo brasileiros e estrangeiros, sem qualquer resquício de provincianismo.
Secretariada por Hélio Gravatá, a revista tinha, entre seus colaboradores, assíduos nomes como o do diretor do Louvre, Germain Bazin, e grandes historiadores da arte brasileira, como Benedito Nunes, Court Lange e Carlos Del Negro.