Em entrevista, Frei Betto fala sobre felicidade e fundamentalismo religioso na política

César Augusto Alves
cpaulo@hojeemdia.com.br
19/04/2016 às 19:48.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:01
 (Ricardo Bastos)

(Ricardo Bastos)

Polêmico, o personagem desta entrevista sempre tem suas falas reverberadas por onde passa. "Não sou padre nem filiado ao PT", adverte. Amigo de Fidel Castro e persona grata do Papa, porém, são, claramente, credenciais que podemos lhe conferir. Apesar de aparecer pouco fora do convento onde reside, Frei Betto se mantém ativamente na política, na religião, e como grande contribuinte do pensamento humano.

Em conversa sobre o lançamento da obra "Felicidade foi-se embora?" - escrita também por Mario Sergio Cortella e Leonardo Boff, a convite da Editora Vozes - Frei Betto romantiza os caminhos para se atingir a felicidade, passando pela fé, por ideologias sociais, e, mais uma vez, polemiza quando o assunto é política.

"As pessoas que querem tirar a presidente Dilma são pessoas que não têm nenhuma credibilidade moral, estão sendo denunciadas por graves crimes, e, portanto, deveriam por a mão na consciência. Considero essa iniciativa da oposição um golpe branco.", disse, ao ressaltar, porém, que não apoia o governo petista. "Isso não quer dizer que aplaudo o atual governo da Presidente Dilma. Eu considero ele um mau governo, um desgoverno. Mas reconheço a legitimidade da sua eleição".

O autor e colunista do Hoje em Dia vem hoje a Belo Horizonte para participar de um debatecom os outros colaboradores do livro "Felicidade foi-se embora?" no "Sempre um Papo", às 19h30. 

Como surgiu a ideia do livro "Felicidade foi-se embora?" entre vocês três?

A ideia foi da editora Vozes. Ela teve a ideia do livro, do título, e nos propôs cada um escrever um texto sobre o tema Felicidade. Não houve nenhum encontro. Cada um ficou livre quanto ao tema, maneira de discorrer sobre o tema, o tamanho. Primeiro encontro que tivemos foi no lançamento do livro em São Paulo.

A felicidade é algo a ser atingido?

Na verdade, é o que todo mundo busca. Esse é um princípio de São Tomás de Aquino, de que tudo que o ser humano faz, até quando pratica o mal, ele busca a própria felicidade. Ninguém faz nada em busca da sua infelicidade. Mesmo alguém como Jesus, dá a vida pelos outros, ele busca a própria felicidade. A felicidade é um estado de espírito. É preciso distinguir a felicidade de prazer e de alegria. A alegria é algo momentâneo. Alegria do time que ganhou, de ter recebido o diploma. É algo episódico.

Essa busca constante, incessante, é devida a um estado de ausência de alegria e de prazer, então?

Na verdade, a busca da felicidade é uma busca inconsciente de Deus. Da nossa suprema plenitude, que seria o encontro com Deus. Na minha fé eu acredito que experimentaremos ao passar do limiar dessa vida. Chamo de "ao transvivenciar", não gosto da palavra morte. Cunhei este verbo. A busca da felicidade é uma saudade de futuro. Em outras palavras, uma saudade do Deus que haveremos de encontrar.

Uma saudade da nossa origem – de onde viemos e para onde vamos?

Exatamente. Da plenitude e do amor. Deus é amor. Essa é a definição que está no Evangelho, no Novo Testamento. Portanto é a saudade da nossa origem, que é esse amor, que está refletido na figura de Deus.

Além de ser um objetivo (e a felicidade ser esse amor de Deus), a fé também é um caminho? Deus é um caminho?

Diria que a fé ajuda na felicidade na medida em que ela traz tranquilidade diante de algumas circunstâncias da vida. Mas conheço pessoas sem fé que são muito felizes, e pessoas com muita fé, com muita religiosidade, e que são sumamente infelizes, porque só é feliz quem faz os outros felizes.

Quem tem uma vida altruísta e solidária é mais feliz do que quem não tem

Nesse caminho de busca pela felicidade, há algo que a gente perde para conquistá-la? Qual o preço da felicidade?

O maior problema é não saber o caminho certo da felicidade. Nós vivemos no mundo capitalista que tenta incutir a ideia de que a felicidade resulta da soma de prazeres. E nada mais equivocado. Ou seja, a felicidade supõe colocar o desejo para dentro do coração, e não como aspiração de consumo, fortuna, status, poder. Depende em que direção a gente coloca a busca da felicidade. Quem coloca para fora, quebra a cara. Quem coloca para dentro, acaba encontrando-a.

A felicidade, então, é um conceito romântico...

É sim, de certa forma. Mas é uma experiência existencial real. De plenitude, de espírito. As pessoas, por exemplo, que meditam, em geral são mais felizes do que a média. A felicidade é uma busca interior. Depende muito do sentido que se imprime à vida.

Quem tem uma vida altruísta e solidária é mais feliz do que quem não tem.

Nós, do Ocidente, buscamos mais coisas fora de nós do que dentro. O senhor acha temos uma maior dificuldade para lidar com a infelicidade?

Nós temos muito mais dificuldade do que em certas regiões do Oriente, onde as pessoas são mais espiritualizadas. Muitas vezes a gente tende a colocar essa busca em produtos, em bens materiais. Status, posse de algumas coisas.  Aprendemos isso. Todo o clima ideológico que vivemos no sistema capitalista procura incutir a ideia de que são mais felizes as pessoas que têm fama, poder e riqueza.

Muitas religiões deixaram de ser canais de espiritualidade. Daí o fato de você ver cristãos homofóbicos, fundamentalistas

Nós nos vemos, de certo modo, muito vazios, e temos dificuldade de preencher este vazio. É mais simples enxergá-lo com tristeza, falando que a "felicidade foi-se embora", do que enxergar um caminho a ser percorrido. Essa dificuldade se dá por quê?

Essa dificuldade se dá, sobretudo, pela sociedade em que nós vivemos. Centrada na competitividade, individualismo. Para encontrar a felicidade, é preciso ir no caminho inverso. Da solidariedade, da partilha. Essa é a questão.

Se pensarmos que Deus é um dos caminhos, e hoje enxergamos Deus através da religião, e que vemos as religiões cada vez mais utilizando o poder político como controle social, as pessoas podem se afastar de Deus, e consequentemente da busca?

Veja bem, não quero dizer que só é feliz quem crê em Deus, não. Conheço muita gente que é mais feliz do quem crê. O que falo é que a busca da felicidade é uma busca inconsciente de Deus. Vale para quem crê e para quem não crê.

Muitas religiões deixaram de ser canais de espiritualidade. A espiritualidade é essencial para a felicidade, mas muitas religiões deixaram de ser fontes de espiritualidade. São muito moralistas. É muito mais um certo fanatismo religioso, do que propriamente uma experiência de viver os valores ensinados por Jesus. Daí o fato de você ver cristãos homofóbicos e fundamentalistas.

Como você analisa a homofobia dentro da igreja?

Sou absolutamente contra. Felizmente, com o Papa Francisco, isso está sendo superado. Pelo menos na Igreja Católica, outras não. O Papa Francisco já disse claramente que não aceita homofobia. Não pode haver nenhum tipo de segregação ou preconceito.  Agora, existem outros segmentos cristãos que são sumamente homofóbicos. 

As pessoas que querem tirar a presidente Dilma são pessoas que não têm nenhuma credibilidade moral

E essa relação política x igreja, com as bancadas representativas, dos votos influenciados e dos parlamentares que justificam suas ações com a religião?

A modernidade estabeleceu a distinção entre religião e a esfera da política. Evidente que na nossa vida pessoal, as duas esferas se confundem. Mas não podemos nem mais confissionalizar a política, e nem mais querer laicizar a religião. As duas esferas precisam saber dialogar, e, ao mesmo tempo, elas complementam nossa vida. Fico muito preocupado quando alguém na política, em vez de se definir como defensor dos direitos humanos, de projetos para a população, se define através da sua confissão religiosa. Temo que isso seja chocar o ovo da serpente, ou seja, um prenuncio de um futuro fundamentalista na política.

Fico muito assustado quando vejo, como ontem, um deputado exaltar a “nação evangélica”. Não pode ter nação evangélica, nem nação católica, nem judaica, ou mulçumana. Existe a nação que congrega pessoas de diferentes credos, e muitas sem credos.

Na sessão do Impeachment, um voto que muito assustou foi o de Jair Bolsonaro, que exaltou um torturador da ditadura. Você como personagem importante desta história, e também do Partido dos Trabalhadores, como enxerga esse momento político? Qual seu sentimento?

O meu sentimento é de tristeza. As pessoas que querem tirar a presidente Dilma são pessoas que não têm nenhuma credibilidade moral. Estão sendo denunciadas por graves crimes, e, portanto, elas deveriam por a mão na consciência. Considero essa iniciativa da oposição um golpe branco.

Isso não quer dizer que aplaudo o atual governo da Presidente Dilma. Considero ele um mau governo, um desgoverno. Mas reconheço a legitimidade da sua eleição. E entre a voz das urnas, e a voz das ruas, fico com a voz das urnas.

Com a crise instaurada, política e econômica, é possível que uma onda conservadora tome conta do pensamento das pessoas? As pessoas estão desamparadas e vão se amparar em quem se propõe a “destruir” tudo isso. Você acha que corremos o risco do Governo cair e de assumir um governo de extrema Direita?

Acho que o Brasil corre o risco de passar de Estado de Direito, para o Estado de Direita. Vamos ver como as coisas evoluem nos próximos meses, porque pode ser que o governo Temer assuma e não consiga melhorar a situação de candidatura do PT em 2018.

Agora, você falou “figura importante do PT”, mas nunca fui filiado a nenhum partido. É bom explicar. Estou aclarando, porque saem duas coisas que não sou, e muita gente pensa que eu sou: Padre e filiado ao PT.

A felicidade depende muito do sentido que a gente imprime sobre a própria existência.

Qual o domínio que a política tem sobre a felicidade de seus cidadãos?

Eu diria que 80% da felicidade de toda pessoa depende da política do seu país. Ninguém pode ser feliz passando fome, desempregado, marginalizado, excluído. O fator político influi muito na nossa felicidade. Não há gesto de caridade mais importante do que uma boa política. Por caridade pessoal, posso dar uma comida a um mendigo agora na hora do almoço, e a noite ele vai sentir fome. Mas, através da política, posso acabar com a miséria e com a pobreza.

O Papa Pio XI, repetido por Paulo VI, disse que “A política é a melhor forma de caridade”. E é verdade. A influência é geral. Se a política é boa, a nação é feliz, e se a política é ruim, a nação é infeliz, como acontece hoje.

E é possível ser feliz na crise?

Claro que é possível. Depende do sentido que você imprime à vida. Mesmo na prisão eu me senti feliz. O Mandela se sentiu feliz. O Che Guevara lutando na Bolívia se sentiu feliz. O Luther King enfrentando toda aquela repressão racista dos Estados Unidos se sentia feliz. Ou seja, a felicidade depende muito do sentido que a gente imprime sobre a própria existência.

“Sempre Um Papo” com Frei Betto, Leonardo Boff e Mario Sergio Cortella. Hoje, às 19h30, no Cine Theatro Brasil (Praça Sete, Centro). Os ingressos serão distribuídos na bilheteria a partir das 17h30, mediante a doação de um livro literário, novo ou usado.

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