Exclusivo: Manoel de Barros comenta sobre seu viver literário

Elemara Duarte - Hoje em Dia
13/11/2014 às 16:02.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:00
 (Reprodução)

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Doçura. Por meio de um simples e-mail ditado à secretária, o poeta Manoel de Barros, que morreu nesta quinta-feira (13), em Campo Grande (MS), conseguiu transmitir esta que foi uma das características mais marcantes dele. Há três anos, o escritor das vozes e dos olhares da natureza concedeu entrevista ao Hoje em Dia sobre seu penúltimo livro "Escritos em Verbal de Ave" (Editora Leya). Nonagenário, Manoel selecionava as centenas de pedidos de entrevistas que recebia, sempre respondendo por e-mail que a secretária Elaine Sandra Paixão transcrevia.    Cerca de um mês de espera e chegam as respostas. Um pouco de descrença diante da caixa postal, afinal, na rotina jornalística é quase consenso: "Entrevista por e-mail nem sempre rende". E chega: "RE: PERGUNTAS AO POETA - JORNAL HOJE EM DIA, MINAS GERAIS". No corpo do e-mail: "Boa tarde, Elemara! Seguem as suas respostas. Qualquer dúvida, estamos à disposição. Elaine Sandra". Juntamente com um arquivo de texto anexado.    As respostas vieram em azul. Objetivas, mas profundas e cheias de afeto, mesmo diante de uma desconhecida repórter, como pode ser verificado no final do mesmo questionário: "Elemara querida: Muito obrigado pelas perguntas. Com amor, Manoel de Barros". Acompanhe a seguir a íntegra da entrevista em que que o escritor resume seu viver literário:   Hoje em Dia - Desde o seu primeiro livro "Poemas Concebidos Sem Pecado" (1937) até hoje, em "Escritos em Verbal de Ave", mais de 70 anos depois, quais foram as principais transformações no seu olhar e no seu fazer poéticos?   Manoel de Barros - Transformações de minha natureza não houve. Fui criado no mato com ave e as minhas palavras pegaram vícios de aves.   O personagem "Bernardo" (presente no livro que estava sendo lançado) marcou presença em “O Guardador de Águas”, no “Livro de Pré-coisas” e em “Menino do Mato”. Por que decidiu descrever justamente a morte deste personagem no novo livro?   Ele ouvia o dormir das palavras. Sempre me pareceu que vivia nas origens como as águas, como as pedras, como as rãs, como as árvores. Fui andando com Bernardo nos inícios. Borboletas conduziam as tardes. Os ocasos não estavam completos. Só assistimos a inauguração do arrebol. Ele armava desobjetos sem natureza, tipo o “ferro de engomar gelo”. Escrevi sobre a morte de Bernardo, porque ele não era personagem: era meu amigo, irmão de criação. E morreu mesmo há dois anos.   Quanto tempo levou e de onde tirou as inspirações para escrever "Escritos em Verbal de Ave"?   Arrumei esse título: "Escritos em verbal de ave" porque Bernardo, ele que inventara ser inocente de ave. Ele que gostava de escrever em verbal de ave para não dizer coisa séria. O ser sério não era de seu amor.   Em um de seus livros, o senhor afirma que "não tem altura o silêncio das pedras". Qual a importância do silêncio na vida do homem?   Acho que é no silêncio que as palavras se estruturam a favor da harmonia. A harmonia dos gorjeios vem do silêncio dos pássaros.   O senhor é um leitor de poesia ou um leitor da poesia da natureza?   Sou um leitor de poesia. Conheço pelo menos, os vinte maiores poetas do mundo. A natureza está em todos. Salvo não seja.   Se arrepende de ter sido um comunista?   Não fui comunista de carteira. Como jovem havia um mim um desejo de que o Sol saísse para todos. Mas quando entra o egoísmo do homem nosso ideal se quebra. Não tenho arrependimento.   O seu casamento com a Sra. Stella (hoje, com 93 anos), que é mineira, fez com que o senhor incorporasse algum costume típico de nosso estado à sua vida?   Acho que Stella me ajudou a vida inteira. Devo a ela este estatus (sic) de vagabundo. Ela favorecia meu viver. E faço o que gosto. Isso importa.   Como é a sua rotina no Mato Grosso do Sul, costuma sair de seu estado com muita frequência?   Costumava ir ao Rio de Janeiro, cidade que me encanta, e onde pude estudar os primeiros livros. Agora com 95 anos, não saio mais. Tenho medo de levar tombo.    Hoje, perto de completar um século de vida, o senhor já consegue identificar qual a maior lição que a vida lhe ensinou?   Desconfio que fazer o que a gente gosta é importante.

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