O caminho inverso da poesia de ‘Estranherismo’

Autor vem à capital hoje para lançamento e sessão de autógrafos na Livraria Leitura do pátio Savassi

César Augusto Alves
cpaulo@hojeemdia.com.br
01/04/2016 às 18:34.
Atualizado em 16/11/2021 às 02:44
 (Divulgação)

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“Existe algo mais inspirador do que a vida?” Talvez seja na busca por respostas que surgem as palavras de Zack Magiezi. A pergunta foi ele que se fez em determinado momento. A resposta? O livro Estranherismo, pela editora Bertrand Brasil, que nasce entre um cruzamento da vida virtual com o mercado literário. Das redes sociais direto para as livrarias de todo o país.

Para muitos, suas páginas no Facebook e no Instagram podem até parecer apenas mais uma dentre tantas que replicam frases bonitas. Comete um erro quem não dá uma chance. Magiezi trata do cotidiano com a mesma simplicidade com que conduz vida e carreira – que ele, aliás, nega. 

Se diz apenas um mero transmissor de sentimentos, que traz à superfície tudo aquilo que lhe bole. Em uma simplicidade quase exagerada, não admite títulos: seja o de poeta, escritor ou literato. 

Sem pretensão

Com cerca de 500 mil fãs nas redes sociais, Zack, que começou despretensiosamente, toca cada um de seus leitores – mas garante: não é autoajuda, é identificação com a humanidade de seus escritos. As mulheres principalmente, devido às “Notas sobre elas” (que ganham atenção especial também no livro). 

Se é um novo Chico Buarque neste entendimento da chamada “alma feminina”? Longe disso. Apenas um aprendiz. O que faz é uma fotografia na forma de palavras, mergulhando na vastidão de sentimentos de todo ser humano. 

Literatura efêmera

Ao ser lançado no mercado literário, Zack Magiezi faz o caminho inverso dos companheiros de fama na internet. Acontece que, até então, era mais comum vermos autores já consagrados se espalhando em frases e citações. O paulistano fez diferente. Investiu em um espaço para organizar seus textos, que datilografava em casa (ganhou a máquina de um amigo de BH e não parou mais), e agradou. 

Ainda que não fosse seu desejo, ou um sonho, transportou-se para o papel. De certo modo, suas palavras ganharam um caráter menos efêmero, o que o autor tem consciência. “É algo que vai ser degustado no momento (na internet). E a oportunidade de estar no papel prolonga a vida do texto”, afirma. 

O fato de materializar-se, para Magiezi, é a chance que seu texto tem de ganhar novos sentidos. “É uma relação além do texto, é o objeto livro. Estou muito feliz com o que aconteceu comigo”.

Entrevista

Confira na íntegra a entrevista exclusiva que o autor concedeu ao Hoje em Dia, de São Paulo.

Seus poemas têm muitas frases de efeito no nosso cotidiano. Saudade, amores, alguns imperativos, como “é pra frente é que se ama”. Muitos leitores falam que você diz que o que eles precisam ouvir. E existe algum objetivo com seu texto, no sentido de ajudar as pessoas?

Meus textos são constituídos de pequenos textos, não sei em qual gênero eles se encaixam. Geralmente preferem dizer que é poesia, mas eu não defino isso. Quanto a ajudar as pessoas, apesar de ter a função indireta, não é o que eu penso na hora que escrevo. É mais uma catarse do que eu sinto e vejo. Não tem sentido de auto-ajuda, apesar de poder surtir esse efeito nas pessoas. Eu acho legal, não vejo problema. O pessoal se encontra nas palavras, como se fosse uma companhia em algo que eles estejam passando, em alguma circunstância da vida dos leitores, o texto os abraça, e eles encontram ali uma força para continuar. Mas não escrevo pensando nisso. Escrevo pensando no que preciso falar, no que está dentro de mim.

Qual é sua inspiração?

Minha inspiração é tudo! Conversas, cotidiano, o que eu vejo, o que eu sinto, o que eu toco, as pessoas que eu converso, seus sentimentos, e as fragilidades que a gente esconde. É um tema que eu gosto muito.

O sentimento é latente em suas palavras. Como você se vê diante de suas próprias palavras? Sua obra te afeta em que medida?

Na verdade, é uma voz sobre as coisas que eu sinto e que me atormentam. Eu escrevo para me aliviar disso, para colocar pra fora essas coisas tão intensas que eu carrego dentro de mim, e que não consigo expressar de uma forma melhor. Não consigo falar muito. Escrever é o que mais me alivia, é o que me deixa menos nublado. Eu consigo ver as coisas mais limpas depois que eu escrevo algo e ponho pra fora. É uma catarse no sentido de poder se esvaziar um pouco e jogar as palavras pra fora e elas fariam seu próprio caminho pelo mundo. São as minhas impressões sobre a vida, o amor, a saudade, o tempo, a velhice. Tudo isso são as coisas que eu penso diariamente. 

Você tem um contato intenso com a obra; você datilografa, e depois as publica na forma de imagens. Como é isso? Por que datilografar?

O uso da máquina foi porque eu comecei a escrever na internet, e eu não sou um cara que entende muito de design. Então não consegui criar uma figura que me representaria. Eu morei em Belo Horizonte muito tempo, e um amigo me deu uma máquina de escrever. Sempre gosto de objetos que têm alguma história. E comecei a datilografar os textos nela e a fotografar para publicar. Isso me abraçou de uma forma muito legal. Em contrapartida, me deu a solidão da escrita. Quando você escreve na máquina, você é obrigado a estar sozinho. É diferente do computador. Na máquina não existe mais nada. Isso contribui para minha intensidade e para minha concentração. 

Escrevo pensando no que preciso falar, no que está dentro de mim.

O público feminino se diz compreendido por suas palavras, seus aforismos. Como você enxerga essa relação com esse público? Você tenta compreender a “alma feminina”, nas “notas sobre ela”?

As notas são bem especiais, porque é uma tentativa de fotografar algo que é da natureza feminina. Muita gente faz isso, como Chico, dentro outros. É uma tentativa simplória de captar uma fração do que é a mulher, do que é o feminino e sua vastidão. A mulher é um enigma que se renova diariamente. Eu tento retratar, através das notas, retratar a natureza feminina. Porque é um assunto inesgotável e que se renova a cada manhã. Quanto à identificação, eu acredito que muita gente se identifica, tem até algumas paródias. Muitas mulheres se identificam com as notas, principalmente com aquelas que não são voltadas para a perfeição, hoje tem um culto muito grande pela perfeição em diferentes aspectos, e é bem libertador ver as mulheres discutindo.

Seus leitores se levam muito pelo sentimento. Você acha que temos uma geração ou uma sociedade carente?

Quanto à carência, não sei. Tem esse outro lado, mas as notas que escrevo são bem humanas e acredito que não há muita carência envolvida, porque elas falam até de defeitos, e as pessoas não gostam de ter seus defeitos expostos. Não vai muito pelo lado da carência, mas talvez um sentimento de ser entendido. Mais isso que carência. Carência é pejorativo. É mais pelo lado de ser entendido. 

Trazer seu trabalho da internet para o papel, lançando livro pelo país, foi uma decisão estratégica para atingir o público já existente, ou uma necessidade artística? Tem algo além que o livro explora?

O livro foi um sonho que me procurou, não foi um sonho que eu tive. Eu comecei bem despretensiosamente. Comecei a publicar a página com o intuito de guardar todos meus textos em um lugar só, porque sou bem desorganizado. As coisas foram se alastrando, e muita gente me dava a ideia de lançar um livro. Logo depois veio a Bertrand (Editora), que comprou a ideia. Mas não teve planejamento, nem ideia. Até falei que não sabia se isso ia dar certo, porque as vezes a pessoa está na internet, mas não vai querer o livro, comprar. Mas eles falaram que ia dar certo, então topei. O livro ficou lindo. Eu sou um grande consumidor de livro, leio bastante. Frequento livrarias, sei que tem um pessoal que gosta do papel, e percebi uma grande quantidade de leitores animados com a possibilidade do livro, e rolou. Não teve nenhum planejamento.

Agora, falando do seu processo de carreira: como foi o início de tudo? Como a ideia surgiu?

Não sei nem se é uma carreira, foi meio que um acidente. Comecei sem pretensão nenhuma, só para me organizar. Foi até egoísta. Eu queria me aliviar, poder ter voz, e me organizar. Não foi minha intenção (ganhar esse alcance todo).

Eu trato de humanidades. O fato de estar em um livro agora é fruto disso, das pessoas gostarem.

Hoje muitos autores que são citados e famosos na internet e que vêm dos livros, da literatura, digamos, clássica. Você fez o caminho inverso: se fez na internet, e chega às livrarias. Você se considera estreante na literatura, ou já era um escritor, ainda que apenas nas redes sociais, com seus poemas e seu enorme alcance?

Eu tenho muita relação com Literatura, desde menino leio bastante coisa, e cursei um tempo de Letras na UFMG, mas tranquei porque tive que mudar de cidade. Mas eu sou fã de muitos escritores, principalmente estes que são sempre citados na internet. Eu tenho dificuldade de me enquadrar nessa relação, porque não me considero um literato no sentido real da palavra. Sou um cara que escreve algumas coisas e elas estão aí. Não tenho essa estirpe, não me considero um título que muita gente que amo e admiro usa, e não me acho digno. Eu sou um cara que fala de algumas coisas e tem gente que gosta dessas coisas, é só isso. Não sei se tem viés literário na academia, dentro de critérios acadêmicos. Prefiro falar do assunto de forma humana. Eu trato de humanidades. O fato de estar em um livro agora é fruto disso, das pessoas gostarem. 

Como você enxerga essa relação de uma literatura, digamos, efêmera (digo efêmera porque, no terreno das redes sociais, muita coisa é passageira), com a literatura publicada, que se materializa em livro?

Eu sei que é de caráter efêmero. As coisas somem dentro das timelines das pessoas. É muito do momento do encontro. É muito engraçado, agora parei para pensar. É algo do momento e que vai ser degustado no momento. E a oportunidade de estar no papel prolonga a vida do texto. Ele vai ser encontrado em outro corpo, digamos assim. Vai alcançar diferentes pessoas e ser sentido em diferentes épocas. Ler o mesmo livro em tempos diferentes da vida traz sentidos diferentes. Um livro sempre muda. O papel é um meio de prolongar a vida. Não diria prolongar, porque não sou um grandioso da literatura. Mas o mesmo livro pode fazer diferentes sentidos na vida de uma pessoa em tempos diferentes. E também tem a questão do objeto livro, o afeto pelo objeto. Eu faço questão de comprar o livro, pegá-lo. É uma relação além do texto, e isso é muito legal. Eu estou muito feliz com isso que aconteceu comigo. 

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