Livro de belo-horizontino trata da transformação estética da TV americana

Cinthya Oliveira
cioliveira@hojeemdia.com.br
18/11/2016 às 19:43.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:43

Foi-se o tempo em que a TV norte-americana era recheada de seriados em cenários fixos, divididos entre comédias de riso fácil e investigações policiais. Desde a virada do século, a TV (especialmente por assinatura) passou a ser um ambiente diverso em relação a temáticas, linguagens e público-alvo. 

Toda essa riqueza motivou o jornalista belo-horizontino Rodrigo Seabra a escrever o livro “Renascença: A Série de TV no Século XXI” (Autêntica, 336 páginas, R$ 49), em que trata, com uma linguagem informal e acessível, os movimentos que fizeram da produção televisiva americana tão admirada nos últimos anos.

“Esse termo ‘Renascença’ é utilizado em inglês por muitos críticos para descrever o renascimento da televisão a partir da virada dos anos 2000, quando acontece uma cisão mais clara e delineada com a TV de antigamente e a televisão começa a trazer mais francamente conteúdos culturais de primeira grandeza, com tratamento cinematográfico e desenvolvimento literário”, explica. 

Excelência de conteúdo
O rumo que o cinema teve nos últimos anos contribuiu para que houvesse uma mudança na postura dos canais de TV. No momento em que o cinema combatia a crise investindo fortemente em produtos comerciais (de super-heróis especialmente), a HBO e os canais de assinatura passaram a trabalhar uma dramaturgia mais elaborada – afinal, em tempos de pirataria e locadora virtual, exibir filmes deixa de ser um diferencial. 

“Esses canais a cabo se sustentam por assinaturas e por uns poucos contratos com anunciantes extremamente bem escolhidos, ou seja, a única coisa que atrairia audiência para esses serviços seria uma excelência de conteúdo. Esse investimento em ideias novas, adultas e de alta qualidade foi muito bem acolhido pelo público, especialmente por aqueles que já começavam a perceber que estava difícil arranjar bons filmes para adultos com regularidade”, explica Seabra.

A HBO, por exemplo, passou a ser a grande investidora de grandes produções. Após “Roma” (2005 a 2007), a empresa descobriu um de seus maiores filões: “Game of Thrones” (iniciada em 2011). Ficou provado que fazia toda a diferença realizar superproduções para a TV. 

 Criação de vilões protagonistas é marca da Renascença

 Divulgação “Breaking Bad” – Série sobre um professor de química que se torna traficante é a mais premiada da história dos EUA


A intenção de Rodrigo Seabra é informar o leitor sobre as várias características que envolvem a rica produção audiovisual para TV. Inicia o livro com questões mais conceituais – classificação das séries, como se dá a construção dos roteiros – e mostra como funcionam as decisões do mercado em relação a continuidade ou cancelamento de produções. 

A ideia era falar de uma temática que atrai tantos interessados como se estivesse conversando com amigos – mas sem textos engraçadinhos, ele reforça. “Tinha me transformado em certa referência de seriados para amigos e família, na posição de fã muito dedicado e sério, antes que eu abraçasse esse campo profissionalmente”.

Sem maniqueísmo
Na obra, Seabra deixa claro que o investimento dos canais não foi apenas em caras produções com gente famosa – embora tenha havido. Passou-se a desenvolver séries com personagens mais complexos, com histórias que intrigam pela construção psicológica. 

Uma novidade deste século foi o grande número de produções focadas em “vilões”, como “Breaking Bad”, “Dexter”, “The Blacklist”, “Weeds” e “House of Cards”. Através deles, as histórias deixaram de ser maniqueístas e o público passou a enxergar humanidade em quem, normalmente, veria como mau: o assassino, o traficante, o mafioso, o político sem escrúpulos. 

“Esses protagonistas cheios de falhas e que não andam sempre na linha, chamados de anti-heróis, são uma característica definidora do que viria a ser a Renascença. Não é por acaso que aquela que é considerada a grande série definidora do começo desse fenômeno é ‘A Família Soprano’, com seu imortal protagonista Tony Soprano: um personagem principal carismático, ao mesmo tempo bastante humano e confuso, e um mafioso cruel”, conta o autor, que admite não assistir à produção nacional.

A partir do dia 21, o AXN abre sua temporada de estreias no horário nobre. Uma das principais é “Criminal Minds”, que volta sem Thomas Gibson

Serviços de streaming mudaram o hábito dos espectadores
O que também contribui para a transformação estética da produção de seriados é o serviço de streaming. Assim como aconteceu com os canais de TV por assinatura, essas plataformas também precisaram investir em produções de qualidade para atrair assinantes. A Netflix, por exemplo, tem vários exemplos de sucesso, como “Narcos”, “Stranger Things”, “Ever After High”, “Orange Is The New Black” e “House of Cards”.
 Divulgação “Stranger Things” – Série exibida no Netflix se tornou febre mundial este ano

“Serviços de streaming se prestam demais a aumentar a audiência das séries por sua própria natureza. Se o episódio não está no ar apenas em um determinado horário, e o espectador pode escolher qual a melhor ocasião para assistir, só podemos enxergar nisso uma possibilidade de audiência muito maior, não apenas para produtos originais de cada serviço como para as séries de canais convencionais que esses serviços compram e veiculam”, conta Seabra. 

Segundo ele, há casos de seriados que só se tornaram febres mundiais depois que passaram a ser assistidos pela internet. “Breaking Bad’, do canal a cabo AMC, só se tornou um sucesso estrondoso depois de alguns anos no ar porque a Netflix adquiriu as primeiras temporadas e possibilitou a todo mundo acompanhar a história de Walter White, brilhantemente contada”.

Maratona
No capítulo “Revolução dentro da revolução”, Seabra mostra que o serviço de streaming foi responsável também por uma mudança de consumo. Se não é mais preciso esperar uma semana para assistir à continuidade de uma história, muitas pessoas são pegas pelo forte desejo de dedicar horas a uma mesma série. Nasce o fenômeno binge watching (assistir compulsivamente), a “maratona”. 

Segundo o autor, uma pesquisa feita pela revista eletrônica Pajiba mostra que as séries têm o dobro da popularidade em relação aos filmes entre os produtos mais populares da Netflix. “O espectador mais ávido pode, assim, assistir a temporadas ou mesmo à série completa em seu próprio ritmo, alimentando suas devoções sem reservas”.

Clássico da comunicação, livro de Raymond Williams é lançado no Brasil
As editoras PUC Minas e Boitempo lançaram recentemente a primeira edição brasileira do livro “Televisão: Tecnologia e Forma Cultural”, de Raymond Williams (1921-1988) acadêmico, crítico e novelista galês. A obra foi lançada originalmente em 1974, no Reino Unido, e, embora seja antiga, continua a ser estudada em cursos de Comunicação por ser um clássico no estudo do tema. A obra se tornou famosa porque o autor faz uma detalhada diferenciação entre a TV pública britânica e a TV comercial norte-americana. A obra tem 192 páginas e tem preço sugerido de R$ 52. 

Netflix investe, pela primeira vez, em uma produção 100% brasileira
Na próxima sexta-feira (25), entra no ar na Netflix a série “3%”, a primeira produção brasileira bancada pelo serviço de streaming, dirigida por César Charlone (diretor de fotografia de “Cidade de Deus”). Inspirada em uma websérie escrita por Pedro Aguilera em 2009, a trama distópica se passa em uma terra inóspita, abalada por uma tragédia não explicada, onde os habitantes têm uma única chance na vida de escapar para um lugar melhor. Um grupo revolucionário vai tentar mudar as regras totalitárias. No elenco, estão João Miguel e Bianca Comparato. 

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