Livro de jornalista mineiro aborda a relação entre Hugo Chávez e o narcotráfico

Cinthya Oliveira
23/01/2019 às 16:42.
Atualizado em 05/09/2021 às 16:11
 (Valter Campanato/ABr/Divulgação)

(Valter Campanato/ABr/Divulgação)

Em 2011, o jornalista mineiro Leonardo Coutinho escreveu uma reportagem de capa para a revista "Veja" tratando da presença de extremistas islâmicos no Brasil. O que ele não imaginava na época é que essa investigação levaria a informações sobre uma estrutura muito mais complexa que interliga o narcotráfico sul-americano, o terrorismo e governos soberanos, em especial a Venezuela.

A partir de centenas de documentos e entrevistas com fontes de dez países, o jornalista investigou a relação entre o governo venezuelano com práticas criminosas e o resultado pode ser conferido no livro “Hugo Chávez – O Espectro: Como o presidente venezuelano alimentou o narcotráfico, financiou o terrorismo e promoveu a desordem global” (Editora Vestígio), que será lançado no próximo sábado, às 11h, na Livraria da Rua.

O interesse pela Venezuela já estava presente na vida de Coutinho desde 2001, quando foi repórter da sucursal Amazônia da revista "Veja". Mas somente após 2011, passou a se debruçar intensamente sobre a temática, especialmente depois que fontes de diversos países, como Brasil, Estados Unidos e Argentina, lhe passaram diversas informações que mostravam como o governo chavista financiava ou colaborava com o narcotráfico e o terrorismo presente em diversos países islâmicos.

“No início, me perguntava: como pode um Estado assumir uma postura criminosa? Para mim, parecia incompatível, mas conforme a investigação foi se sedimentando, entre 2011 e 2015, tudo ficou mais claro”, afirma o escritor.

Logo no início do livro, Coutinho lembra do conteúdo de uma das reportagens mais importantes de sua carreira, publicada em 2015. Trata-se do encontro entre Chávez e o então presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em 2007. Na reunião, o presidente venezuelano teria recebido um pedido para que intermediasse uma negociação entre o governo dos aiatolás e a Argentina, para ter acesso à tecnologia nuclear do país então governado pela família Kirchner. 

O jornalista escreve ainda sobre como as Forças Armadas venezuelanas estariam colaborando para o narcotráfico não só da Venezuela, mas também de países vizinhos (junto as Farc da Colômbia, inclusive). Outra abordagem é sobre uma “máquina” de identidades falsas existente na Venezuela, permitindo que terroristas de países parceiros pudessem circular livremente pelo mundo.

Segundo o autor, o livro é resultado da maturação sobre dados, entrevistas e documentos coletados desde 2001. “Criei um arquivo ao longo dos anos e muitas vezes as histórias tinham semelhanças ou conexões. Meus arquivos serviram como peças de um quebra-cabeças, mostrando como a Venezuela se envolveu com o PT, financiou países vizinhos e se destruiu como país”.

Um país em crise

Chávez morreu em 2013 e seu projeto bolivariano entrou em colapso. Mesmo assim, o chavismo sobrevive com Nicolas Maduro, que permanece no poder graças a uma eleição em 2018 acusada de ser fraudulenta por muitos países.

Mas como o governo de um país em uma extrema crise social e econômica pode se sustentar no poder? Segundo Coutinho, o Estado venezuelano utiliza duas ferramentas poderosas de controle social: a entrega de bolsas assistenciais e a intensa repressão política.

Antes de se compreender a complexa situação do país em 2019, é importante relembrar o que se passou nos últimos 20 anos. “Chávez foi eleito legitimamente em 1999, mas antes disso tentou dar um golpe em 1992 e se tornou uma forte liderança. O país vivia uma crise econômica e institucional e elas elites locais não eram capaz de dar resposta à crise”, lembra Coutinho, acrescentando que boa parte da população via em Chávez um messias.

Incomodada com o governo linha dura de Chávez, a elite econômica tentou aplicar um golpe em 2002 e saiu perdendo. Com apoio popular e dinheiro do petróleo (na época, com preço em alta), o então presidente desmontou a elite industrial, estatizando e desapropriando empresas. Tudo o que os venezuelanos precisavam consumir naquele momento era comprado de países parceiros. “Ele desmontou a oposição ligada a uma elite industrial e, depois, isso viria a se tornar um escorpião. Hoje a Venezuela vive um desabastecimento porque não tem mais o dinheiro para comprar e não produz mais nada”, explica.

Questionado sobre o que poderia acontecer à Venezuela em um breve futuro, Coutinho afirma que é impossível prevê-lo ou sequer indicar qual seria a solução para o país que vivencia a maior crise humanitária das Américas. “Fala-se em intervenção militar ou golpe, mas nada disso é capaz de trazer uma solução. Acredito que a crise não é ocasionada por fatores básicos, como um problema na economia, mas foi construída ao longo do tempo”.

O importante seria, neste momento, evitar que haja uma guerra civil, que poderia agravar a migração para países vizinhos como Brasil e Colômbia. “Se houver um colapso, com a invasão de outro país, por exemplo, o país pode caminhar para um conflito civil. Há muitos seguidores chavistas e muitas armas no país. Se isso acontecer, poderá afetar seriamente os países vizinhos. A solução exige mais cérebro do que armas, mais inteligência do que qualquer discurso agressivo”, explica.

Nesta quarta-feira (23), o líder da oposição e presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, se autodeclarar presidente interino da Venezuela. 
"A nomeação de Guaidó é um ato político importante, mas ao mesmo tempo arriscado, porque efetivamente ele é um presidente sem poder algum. O que está acontecendo ali é marcação de uma posicao", diz Coutinho.

Para o escritor, os conceitos de legimitimidade na Venezuela são muito fluidos e é preciso ter um olhar com preocupação para o atual cenário. "Um país com dois presidentes, com duas leituras diferentes sobre a mesma constituição, pode ser combustível para conflitos".

Serviço: Lançamento do livro “Hugo Chávez – O Espectro” na Livraria da Rua (rua Antônio de Albuquerque, 913, Funcionários), sábado, às 11hArquivo pessoal / N/A

Leonardo Coutinho trabalhou para Veja por 17 anos e hoje mora nos Estados Unidos

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