Longa aborda esclerose com a qual é possível lidar

Thais Oliveira - Hoje em Dia
15/04/2015 às 09:53.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:39
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Depois de se tornar mais conhecida com a repercussão mundial do Ice Bucket Challenge – o desafio do balde de gelo –, e com o lançamento do filme “A Teoria de Tudo” (2014), de James Marsh, a esclerose lateral amiotrófica (ELA) volta à ordem do dia, no Brasil, com o filme “Um Momento Pode Mudar Tudo”. No longa-metragem, em cartaz na cidade, Hilary Swank é Kate, pianista com este diagnóstico, que vê seu casamento – com Evan (Josh Duhamel) – ser ameaçado. Na história, ela contrata Bec (Emmy Rossum) como cuidadora. A ELA, aqui, é pano de fundo para narrar a história dessas duas mulheres que, ao longo da trama, constroem um laço firme e improvável de amizade.

Doença grave, amizade inesperada, lições de vida. Com essas credenciais, fica difícil não comparar o filme de George C. Wolfe a “Intocáveis” (2011), de Éric Toledano e Olivier Nakache. No entanto,os diretores deram tons distintos às suas respectivas obras. “Um Momento Pode Mudar Tudo” é mais dramático, capaz de levar o espectador às lágrimas em vários momento, dando pouca brecha a sorrisos. Já o longa estrelado por François Cluzet e Omar Sy, apesar de ser comovente, tem um lado cômico. Os protagonistas também são bem diferentes. A Kate de Hilary é travadona e, nem mesmo a transgressão de Bec, consegue influenciar esse seu jeito. Enquanto que o Philippe de Cluzet se deixa levar pela loucura e leveza de seu novo amigo. No entorno da personagem principal da história de Wolfe, há marido, família e amigos. Todos revelam uma certa dificuldade em lidar com a nova condição de Kate. A pianista, por sua vez, se cansa de ser vista sempre como uma paciente. Comportamentos que não são incomuns na vida real.

O produtor e agitador cultural Luiz Fernando Caldas, o Fernando Monstrinho – falecido em 2014, dez anos após ter sido diagnosticado com ELA –, por exemplo, só deixava de lado o bom humor quando era tratado como criança. “Todos da família sofreram muito. Mas meu tio resolveu, após um período de resistência, recomeçar a vida”, diz a relações públicas Isadora Silveira, 22 anos, sobrinha de Monstrinho.

Outra semelhança da vida do produtor com o filme é o vínculo criado com uma de suas cuidadoras. “A Maria trabalhou com ele por mais de 20 anos. Na verdade, era empregada e passou a cuidadora. Foi a primeira a saber da doença. Os dois tinham uma relação de confiança”, conta a jovem.

Isadora Silveira chama a atenção para um ponto não tão discutido no filme “Um Momento...”: o tratamento. “Uma só pessoa não é o suficiente para cuidar de um paciente de ELA. É preciso uma equipe multidisciplinar”.

‘Cada caso é único, os estudos ainda têm muito a avançar’

Assim como Monstrinho, o artista plástico Marcelo Xavier, 65, tem o astral lá no alto – e a arte como uma de suas motivações. “Diagnóstico confirmado, tive que escolher: recomeçar ou me afundar naquilo que era e não podia ser mais”, diz. Basta olhar para ele para saber qual foi a decisão. “Sou um jovem de 18 anos”, brinca, ao informar a data em que descobriu a doença. No caso de Xavier, a ELA é hereditária (tipo oito) e atingiu avô, mãe e dois irmãos. Por isso, quando os primeiros sintomas vieram, suspeitou que havia sido “sorteado na loteria”. “Tenho um irmão médico que fez uma árvore genealógica nossa de mais de 400 anos. Parece que todos, no Brasil, que têm a ELA hereditária, ainda que com grau bem distante, são da minha família”.

Segundo o mineiro, a ELA hereditária é menos devastadora que a esporádica. “Mas cada caso é único e os estudos têm muito a avançar. O Stephen Hawking (biografado em “A Teoria de Tudo”), por exemplo, tem mais de 70 anos, não tinha histórico e vive até hoje”, pondera.

“Hoje, essa minha condição quase não me afeta”, assegura Marcelo Xavier MARCELO XAVIER – “Todo mundo tem limitações. A física, para mim, é a menor de todas”, diz ele, que convive bem com a ELA. Foto: Frederico Haikal/Arquivo Hoje em Dia (21/1/2015)   Nada de tristeza e lamentações. Marcelo Xavier afirma não pensar muito na doença. “Todo mundo tem limitações. A física, para mim, é a menor de todas, ainda mais porque a ELA não te traz dor física. Então, hoje, essa minha condição quase não me afeta. Costumo dizer que estou tendo duas vidas numa só. Se não fosse a ELA, provavelmente, a minha vida de antes não traria muitas novidades e não mudasse tanto a minha visão de mundo”, afirma. Natural de Ipanema, Vale do Rio Doce, o artista já ilustrou livros, criou e realizou inúmeros projetos gráficos, trabalhou em publicidade e, desde 1986, desenvolve ilustração tridimensional, com criação de personagens e objetos de cena moldados em massa plástica, montados em pequenos cenários e fotografados. Em junho, lança o livro “A Estranha”. O novo projeto de Xavier vai contar, de forma literária, a sua vivência de cadeirante. “E como foi a entrada da ELA em minha vida”, adiantou ele, à reportagem do Hoje em Dia.     Monstrinho lançou três edições de ‘hoje eu desafio o mundo...’   Isadora Silveira, a sobrinha de “Monstrinho”, explica que a doença paralisa os movimentos, contudo, o cérebro continua funcionando normalmente, sendo esse o motivo para que o produtor não perdesse a capacidade de produzir. “Meu tio gostava de dizer que preferia ter uma mente sã do que um corpo são e que era o mesmo homem em um corpo de outro”, frisa. Com a ajuda dela, o produtor cultural, mesmo acamado, promovia eventos e shows em Belo Horizonte e lançou três edições do livro “Hoje Eu Desafio o Mundo Sem Sair da Minha Casa”. “Como já não falava mais, ele foi me ditando cada letra do livro através de piscadas”, diz. De acordo com a relações públicas, a publicação é muito mais um passeio divertido pela vida profissional do autor do que um relato sobre a doença.     Desafio do balde de gelo arrebanhou uma série de celebridades no mundo   A campanha Ice Bucket Challenge (“desafio do balde de gelo”, na tradução para o português) ocorreu no período de 29 de julho a 27 de agosto de 2014. De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Amiotrófica (AbrELA), a ação arrecadou US$ 100 milhões para a Associação de Esclerose Lateral Amiotrófica (ALSA, na sigla inglês) dos Estados Unidos. No Brasil, as doações foram mais tímidas: cerca de R$ 320 mil. Mesmo assim, o valor teria sido o equivalente a um ano em doações. Além de arrecadar fundos, a ação teve por objetivo divulgar mais a doença, ainda pouco conhecida pela população de um modo geral. Na época, celebridades do mundo inteiro contribuíram para difundir a campanha ao aceitarem o desafio. Em uma busca pela internet, é possível encontrar vários vídeos de famosos jogando, sobre si, um balde de gelo com água. Quem optasse por não entrar na brincadeira teria que doar dinheiro para uma das associações ou ONGs envolvidas com a causa. Em muitos casos, a pessoa cumpria o desafio e fazia a doação.

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