Medicina e criação artística se adequam em rotinas de quem vive das duas áreas

Bernardo Almeida
10/10/2019 às 12:52.
Atualizado em 05/09/2021 às 22:09
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Dedicar-se à carreira médica não é entrave para explorar talentos artísticos, apesar das dificuldades de agenda. A cantora e médica da família Júlia Rocha já precisou faltar a um show, onde se apresentaria como convidada junto a uma amiga, em função de um plantão na Unidade de Pronto Atendimento onde trabalha. Um evento raro, destaca a artista, que tem mãe música e pai cirurgião e sabe bem como conciliar os dons de cuidar e encantar.

“Foi muito natural. Quando me vi, estava na Faculdade de Medicina e me sustentava cantando”, lembra Júlia, que começou tocando com o irmão e a mãe em festas de casamento. Mas até consolidar a carreira de shows com músicas autorais e lançar o álbum “Cheiro de Flor” (disponível no final da matéria), em 2017, a sambista enfrentou obstáculos. Em função da carga de estudos na faculdade, chegou a largar a música durante um período do curso. “A falta de referência de alguém que conciliasse medicina e música quase me fez desanimar, me fez pensar que não era possível, que era loucura, que não iria fazer bem nenhuma das duas coisas e, portanto, teria que escolher uma das duas”, conta.

Hoje ela tem uma jornada de pouco mais de 24 horas por semana, metade do tempo que costumava dedicar antigamente à profissão em que se formou. “Trabalhar muito me desumanizava, e para ser médico a gente tem que ser humano”, afirma, ao ver reflexos no outro âmbito profissional. “Se eu trabalhasse 60 horas por semana, com certeza não daria conta, até porque voz é corpo. Quando o corpo está cansado, a voz também fica, então acaba que a medicina me tira um pouco da música, a música um pouco da medicina e atingem um equilíbrio”.

Entre Shakespeare e Hipócrates 

A ausência de referência também se fez presente para o neurocirurgião e dramaturgo Jair Raso, que aborda o tema em uma palestra já ministrada há alguns anos.  “Justamente pela falta de um modelo, estimulo as pessoas a elaborarem o itinerário da forma como for possível, sem uma fórmula pronta”, diz o autor de mais de 30 peças e curador do Teatro Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), que será inaugurado em dezembro na capital.Med&Cena / Divulgação

O encontro entre Noel Rosa (Luis Rocha) e Chico Buarque (Daniel Maia) é imaginado no texto do neurocirurgião Jair Raso em "Chico Rosa"

O contato com o palco veio um ano antes de cursar medicina, na década de 70, e sofreu uma pausa nos quatro anos de residência. Hoje, Jair Raso complementa os conhecimentos. “É como se os dois hemisférios do cérebro fossem duas pessoas com personalidades diferentes, mas é importante estimular que trabalhem em conjunto. A neurologia abrange uma formação voltada para o pensamento racional, mas nosso cérebro também é preparado para a criatividade, para a arte”, explica o autor de peças onde a doença é tema recorrente, mas com bom humor. “Não consigo desligar a medicina ou o teatro como se fosse uma chave”, brinca.

Compositor cardiovascular

O pesquisador Robson Santos administra as duas carreiras e também é adepto do entendimento de auxílio mútuo. “Não existe uma competição entre as duas coisas, uma adiciona à outra”, conta o compositor carioca, radicado em Belo Horizonte. “Aumentei a atividade de estudo sem sacrifício para a atividade de pesquisa. Você chega a um nível de maturidade em que você produz mais com menos tempo, sem prejuízo nenhum para minha carreira científica”, diz Robson, às vésperas de lançar o oitavo álbum, com um show na próxima quarta-feira, na sala Juvenal Dias, do Palácio das Artes.Samuel Mendes / Divulgação

"Teimosia" é oitavo álbum de Robson Santos

A faixa “Feminicídio” (disponível no final da matéria) será divulgada nesta quinta-feira (10), Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher. A letra retrata o ponto de vista de uma vítima. Para tal, Robson convidou a cantora Paula Santoro para dar voz ao pedido de socorro com uma linguagem poética semifigurada.

“A situação atual nos obriga a isso, a essa responsabilidade de sensibilizar”, conta, diante do quadro de 156 mulheres vítimas assassinadas em Minas (13% dos 1.206 casos no país) em 2018. “Machismo e insegurança são componentes importantes nisso. O sentimento de possessão é o coração do problema, a raiz do ciúme descontrolado que se expressa como violência”, analisa Robson.

 Confira o álbum "Cheiro de Flor", de Júlia Rocha

 Serviço

Roda de Samba com Júlia Rocha

Domingo (20), às 15h

Cantinho da Ilza Cultural (av. Paes de Abreu, 15 – Ermelinda)

Entrada a partir de R$ 10

 Música 'Feminicídio", composta por Robson Santos e interpretada por Paula Santoro

 Serviço

Show “Teimosia” Robson Santos

Quarta-feira (16), às 20h

Sala Juvenal Dias (av. Afonso Pena, 1.537 – Centro)

Ingressos: R$ 30

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