Minas chama a atenção no cenário nacional com nova e boa geração de jovens poetas

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
25/10/2020 às 08:27.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:52
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Na voz de Zeca Baleiro, a música “Você Só Pensa em Grana” destaca em uma de suas estrofes que “poeta bom é poeta morto”. Se levarmos em conta que o Dia Nacional da Poesia, celebrado em 31 de outubro, ganhou esta data em razão do escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade, a frase faz algum sentido.

Curiosamente, esse mesmo Drummond, com um poema publicado em 1977, despertou em Camila Dió a paixão pelo gênero literário aos 11 anos, comprovando que a poesia não é coisa de “velho”, arregimentando novos e bons poetas. Hoje aos 30 anos, ela é apontada como uma das promessas mineiras neste campo.

“Comecei a escrever na escola, após uma professora pedir para ler o poema ‘A Palavra Mágica’. Passei a escrever sobre tudo o que acontecia à minha volta. O dever do poeta é captar esta vibração e levar para a palavra. Pode até ser sobre política”, registra Camila, que reside em Contagem, na Região Metropolitana de BH.

Em abril, a poetisa lançou o seu primeiro livro, cujo título expressa bem os interesses dela na poesia: “Não Escrevo Poemas de Amor” (editora Penalux). “Sou a pessoa mais romântica que conheço. Só que eu acho que o amor não cabe em palavras”, explica, ao ir de encontro a um dos maiores chavões da poesia.

Apesar de usar as redes sociais para divulgar o seu trabalho, ela fez questão de reunir os poemas numa publicação física. “Como leitora, eu gosto do livro físico. Tê-lo na mão é outra coisa”, assinala. Ela já prepara um segundo livro, desta vez com textos em forma de haicais (poesias curtas de origem japonesa).

Quem assina a “orelha” de “Não Escrevo Poemas de Amor” é Ana Elisa Ribeiro,  que recentemente teve o seu livro “Dicionário de Imprecisões” anunciado entre os finalistas do Prêmio Jabuti. “Minas sempre teve gente boa. A questão agora é que há maior visibilidade, com as redes sociais”, assinala.

Ela sublinha que outro fator a favorecer novas safras de poetas é a aposta de editoras pequenas neste segmento. “A maioria absoluta dos novos saem por estas editoras artesanais ou independentes, como gostam de chamar. É uma inversão engraçada: quem tem menos dinheiro é que aposta mais”.

Terapia
Helena Ferreira lançou o seu primeiro livro – “Um Poema para Helena” (Crivo Editorial) aos 18 anos. Ela já convivia com a poesia desde os nove anos, após ler um texto de Mário Quintana na escola. Durante muito tempo, teve no Facebook a sua principal “editora”, chegando a ser seguida por um milhão de pessoas.

"Li Mário Quintana e fiquei apaixonada. Decidi que era aquilo que queria fazer da minha vida. Desde então, não consigo fazer outra coisa a não ser ler e escrever”, afirma Helena, que, aos 24, não tem dúvidas de como a poesia transformou o seu dia a dia, tirando-a de várias “enrascadas”, como mesmo diz.

Ela lembra que teve problemas de depressão e ansiedade, com a escreve se tornando a melhor terapia. “A arte salva as pessoas, principalmente os jovens. Ela me livrou de muita coisa ruim. No lugar de estar na balada, eu estava no meu quarto, lendo e produzindo. Não que seja ruim (estar na balada), mas é preciso equilíbrio”.

Hoje com 25 mil seguidores no Instagram, Helena Ferreira desistiu de sua página no Facebook após ela ter sido várias vezes denunciada por haters e retirada do ar. “Não havia conteúdo impróprio. O que ocorria é que buscava abrir os olhos das pessoas que estavam e ainda estão erradas na nossa sociedade”.

Relacionamento abusivo, depressão e suicídio viraram temas de muitos de seus textos. “Eu pegava isso e tentava pegar a raiz disso e passar para uma forma mais leve. A poesia tem essa leveza, em que as pessoas conseguem ler um assunto mais pesado de maneira tranquila”, detalha a autora.

Para ela, é importante o escritor falar sobre tudo, para alcançar uma maior diversidade de leitores. Em seu segundo livro de poesias, “Para Ela”, publicado em 2017, Helena escreveu textos voltados para o universo feminino, “buscando desconstruir o machismo que as mulheres crescem com ele”.

Ela irá lançar, no próximo mês, uma nova edição de “Um Poema para Helena”, em que ela retirou alguns textos e acrescentou outros. “Eles têm mais a ver com o meu momento atual. Passei por uma grande transição agora, principalmente com a pandemia, e passei a focar nas coisas que realmente importam”.  

A necessidade de lançar um livro físico, segundo Helena, é uma forma de aproximar mais o leitor. “Quando você compra um livro, você dá mais valor. Não são simples palavras. Elas foram escritas com alma. Dividir isso com outras pessoas é muito sério, pelo menos para mim, como autora”, analisa.REPRODUÇÃO / N/A

Capa do livro de Helena Ferreira que ganhará nova edição no próximo mês

Belo Horizonte tem editoras especializadas no lançamento de livros de poetas jovens

A Crivo é uma referência em Minas Gerais no lançamento de jovens poetas. Desde quando abriu as portas, em 2012, a editora tem investido continuadamente em novos nomes, enfatizando um lado social ao mirar também em autores de diferentes lugares e extratos de Belo Horizonte.

“Quando começamos, a gente não imaginava tudo isso que foi construído ao longo dos anos. Lançamos uma antologia de poesia e prosa e, desde então, passamos a lançar muita poesia espontaneamente”, destaca Lucas Maroca, um dos três sócios da Crivo Editorial.

Logo ele percebeu que a poesia era uma vocação da editora, já tendo lançado entre 30 e 40 títulos de jovens autores da cidade. “A poesia não deixa de ser um desafio, embora a gente acredite muito nela”, registra Maroca.

A editora desenvolve um projeto chamado “Poesia Incrível”, que seleciona originais e faz lançamentos com distribuição gratuitas dos exemplares. As duas primeiras edições tiveram o patrocínio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura. Agora, o projeto foi aprovado no Fundo Municipal de Cultura.

“É uma coisa para a cidade de Belo Horizonte. A gente recebe 80 originais. Pode parecer pouco, mas como são apenas de poesia, de jovens autores que nunca publicaram e que vivem na cidade, é um número considerável”, avalia Maroca.

Força editorial
Segundo  o editor, BH está vivendo um momento muito propício, com um grande número de pessoas publicando seus trabalhos principalmente em editoras independentes. “Você tem a Moinhos, a Impressões de Minas, a Relicário.... uma força editorial muito emergente”.

Sobre o retorno financeiro das publicações, ele salienta que é uma questão complexa, que depende muito do tipo de autor. “Alguns deles têm público muito fidelizado, uma rede que recebe o livro quase como uma obra sagrada. E há outros que têm um público mais nichado”.

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