Modernos sim, mas nem tanto

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia - Hoje em Dia
04/05/2014 às 13:14.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:25
 (Catálogo oficicial/Arquivo)

(Catálogo oficicial/Arquivo)

Era 6 de maio de 1944 quando a Folha de Minas, um dos jornais de maior circulação no Estado naqueles anos, noticiou: “por motivo de força maior, a caravana de escritores e expositores paulistas não poderá estar presente à inauguração da Semana de Arte Moderna em Belo Horizonte, pois foi obrigada a adiar a viagem, devendo somente comparecer os intelectuais cariocas que chegarão , no trem noturno mineiro”.   A partir dali, o que viria adiante seriam semanas de polêmicas e protestos que, ainda que timidamente, indicavam como a percepção da arte moderna revestia-se de preconceitos.    Se a Semana de 1922 era apontada como o início do Modernismo no país, o ano de 1944 representava o ápice do movimento. “A Semaninha foi um marco na história do processo de modernização cultural brasileira e de afirmação do modernismo nas artes”, destaca Lisbeth Rebollo, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte.    “Um evento onde compareceram, em caravana, poetas, escritores e críticos de arte e os artistas das gerações emergidas na cena histórica dos anos 1920 e 1930, em São Paulo e no Rio. Para a época, foi uma situação rara a de poder ter uma reunião de tantas personalidades juntas”, explica Lisbeth que também é professora titular da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a USP.   Segundo ela, embora existissem desde a segunda metade dos anos 1930, diversos salões de arte (como o Salões de Maio, Salões da Família Artística Paulista e os Salões do Sindicato dos Artistas Plásticos), foi a Semaninha de Belo Horizonte que fez um verdadeiro “compendio” das novas gerações – uma experiência marcante para todos.    “Ter na sua organização, a participação de Guignard, figura presente na cena contemporânea da época, tanto no Rio como em São Paulo, junto com o escritor José Guimarães Menegale, foi fundamental e decisiva para arregimentar os modernistas”, afirma.   Obras rejeitadas   “A reação do público, sabemos, foi de escândalo: a arte moderna que ali se mostrava causou rejeição e chegou a haver agressão às telas. Palavras de entusiasmo, em favor da renovação estética e modernização, foram as de Juscelino que via no acontecimento um fato relevante para a vida artística mineira, capaz de criar raízes para pensar uma nova realidade cultural”, aponta a professora.   O entusiasmo das palavras e gestos de JK reverberou entre os artistas e intelectuais convidados.    No início do ano, Portinari escrevera à Carlos Drummond (veja a carta) contando sobre o convite e participação na mostra. “Há tempos, de Minas, pediram quadros para uma exposição – achei que o ‘Retrato de Negro’ (dado de presente a Drummond) seria boa contribuição. Não é coisa moderna, mas é bom companheiro para o outro quadro que mandei, o ‘Cabeça de Galo’”.   Mal poderia ele supor (ou talvez sim) que exatamente essas obras seriam os grandes alvos do público conservador. Afinal, “Galo” (que ganhou o apelido de “Olag”) rompia por completo o elo de verossimilhança entre o título da obra e a sua representação. Como prêmio apareceu retalhada com gilete ao lado de outras sete telas modernistas, como “Mendigos”, de Tomás Santa Rosa e “Cacho de bananas”, da pintora alemã Martha Loutsch.    Quem também acompanhou Portinari na “crucificação” foi Guignard ao levar para a Semaninha a obra “Retrato de Juscelino Kubitschek” considerado pelo jornalista Jair Silva como incompleta.    “A dificuldade para o julgamento aparece logo à entrada do recinto, onde se encontram três quadros principais: o famoso ‘Galo’ de Cândido Portinari; ‘Preto’, o negro civilizado do mesmo artista e o retrato incompleto do Dr. Juscelino Kubitschek, a ser concluído oportunamente pelo Sr. Aberto da Veiga Guignard”, registrou. Anos mais tarde a mesma tela foi considerada um dos seus melhores trabalhos.

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