Montagem de “O Tempo e os Conways”, de J.B. Priestley, chega a BH

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
02/04/2014 às 06:50.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:53
 (Guga Melgar/Divulgação)

(Guga Melgar/Divulgação)

Nem que ela quisesse disfarçar. O entusiasmo é perceptível na pontuação das palavras, na entonação. A atriz e diretora mineira Vera Fajardo compartilha, em alto e bom tom, a expectativa de que a montagem de “O Tempo e os Conways”, texto do dramaturgo britânico J.B. Priestley que chega a Belo Horizonte neste final de semana, com apresentações de sexta a domingo, tenha uma vida longa. Muito longa. “É um trabalho de tanto amor, de tanta dedicação... Foram cinco meses de ensaio e já sete meses em cartaz... Tudo isso tem que guardar no relicário. Vai ficar em um relicário. E todos têm vontade de continuar”, avisa.

Por “todos”, ela se refere ao elenco de nove jovens – Camila Moreira, Igor Vogas, Rapha Kin, Julia Fajardo, Marcéu Pierrotti, Luisa Bruno, Janaina Moura, Pedro Henrique Müller e Thais Müller – que, junto à atriz convidada Stella Maria Rodrigues (Sra. Conway), revisitam a peça apresentada pela primeira vez no Duchess Theatre de Londres, em 1937.

Para os que não conhecem o texto, a sinopse: “O Tempo e os Conways” fala de um grupo de jovens cujas esperanças de felicidade na vida serão completamente frustradas – ou pelos seus próprios erros ou pela interferência de outros. No epicentro, a pergunta: a felicidade é realmente possível? E podemos, nós mesmos, mudar o curso de nossas vidas?

Dá para deduzir, portanto, que o fato de ter estreado há mais de 70 anos não tornou o texto “datado”. “Acho que é a natureza do texto”, aventa Vera, quando indagada sobre o porquê de a trama continuar tocando o público.

“O texto trata especialmente dos conflitos humanos, dos desejos, sonhos e frustrações. Isso é comum a qualquer espectador, a qualquer ser humano, em qualquer país – aliás, isso até une os povos, os sentimentos humanos... Como cada um de nós lida com a passagem do tempo, isso é comum a cada espectador”, analisa ela, que é casada com o ator José Mayer – que, por seu turno, responde por um dos produtores da montagem que, na capital mineira, ocupará o palco da Funarte.

Vera enfatiza que, em sua opinião, a cena mais contundente do espetáculo acontece no final do segundo ato. “A que a gente chama de ‘cena do tempo’, onde o dramaturgo expõe sua teoria do tempo – ele dedicou quatro textos a essas teorias, cada um com sua peculiaridade. Esse é muito filosófico, muito bonito. A personagem fica angustiada de ver em que eles (jovens) se transformaram, indaga ‘onde estão aqueles conways?’, e o irmão responde ‘Aqui, agora. Somos a soma do que fomos, do que somos e do que seremos’. Isso toca o espectador! É muito bonita a dramaturgia”.

"Um achado teatral insuperável"

Vera Fajardo destaca, ainda, o que nomina de um “achado teatral insuperável” do dramaturgo, que acontece no terceiro ato, quando a ação volta para 1919, após uma festa, quando o elenco jovem está a projetar o futuro, “com toda a alegria”. “Mas o público já viu, no segundo ato, no que eles (personagens) se transformaram”.

Leitores mais argutos devem ter percebido, no rol dos atores revelado no início da matéria (capa deste caderno), o sobrenome Fajardo. Sim, Júlia é a filha única do casal Vera Fajardo e José Mayer. “Já há algum tempo queria dirigir minha filha, e (essa montagem) foi uma coincidência muito feliz, porque o texto era ideal para fazer com esses jovens, Priestley pede que sejam (interpretados por atores de) até 27 anos – menos a mãe, claro, que é vivida por Stella, que é uma atriz maravilhosa. Então, foi uma coincidência feliz poder fazer esse texto, muito oportuno”.

Entre o desejo e a realidade, nenhum abismo. “Está sendo maravilhoso”, diz, sobre a experiência de dirigir a filha. “Vou até repetir o que já disse em outras ocasiões, mas que é oportuno. A Júlia, trato ela como uma colega de trabalho. A mãe fica restrita aos bastidores, é só depois do ensaio. Claro, depois, a gente faz confidências, mas, no ensaio, é uma colega, a gente se refere como colega. As dúvidas que ela tem... Realmente agimos de profissional para profissional”.

Vera assegura que não se trata de uma tarefa hercúlea. “É mais fácil, a Júlia está a serviço de um personagem. Durante os ensaios, a atriz fica em função dele. É o seguinte, a mãe fica atrás da função de diretora e ela atrás da de atriz”.

Disciplinada é o adjetivo encontrado por Vera para definir a atriz e “rebenta”. “Ela cresceu em um ambiente de dedicação e de pouquíssima glamurização, é uma coisa que a gente (ela e José Mayer) faz questão de manter. A profissão não é fácil, sei muito bem isso, sou uma atriz só de teatro. Mas é muito bom ver filho realizar um sonho”.

Júlia interpreta Kay, cujo aniversário é comemorado, em 1919, com festa no primeiro ato. Passadas duas décadas, é mais uma vez no aniversário de Kay que a ação se desenrola. O terceiro ato, como já dito, volta a 1919.

‘O público é que mantém a chama acesa’

Vera Fajardo nasceu em Ubá, mas apenas por uma circunstância. “Minha mãe queria fazer o parto lá, perto da minha avó...ogo na sequência já vim para Belo Horizonte, onde fui criada”. À capital mineira, ela costuma vir ao menos duas vezes ao ano. “Sabe que nem sei se isso é muito? É?”, pergunta, à repórter. Ante a resposta “não”, ri e diz que é sua irmã que vai mais ao Rio de Janeiro do que vice-versa. “Agora estou aqui, conferindo esse calorzinho da cidade, que é bem diferente do calor do Rio”, brinca.

Sobre o insight de montar Priestley, ela diz que tudo partiu de uma sugestão do amigo Ary Fontoura. “Ele sempre me dizia para fazer com a Julinha, quando pensei em montar uma peça com os meninos, me deu um estalo, lembrei, os ‘Conways’, claro”.

Com os “meninos”, ou melhor, os demais atores, ela já vinha trabalhando anteriormente – na remontagem de “A Prova de Fogo” (1968), de Consuelo de Castro – e não queria desfazer o elo estabelecido a partir de um curso de interpretação no qual ela foi uma das mestras. Detalhe: “Prova de Fogo” passou pelo edital “Marcas da Memória”, tendo sido patrocinada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça,

São 15 pessoas viajando, a Belo Horizonte, 16, por causa do cenógrafo, que fez a adaptação para o palco italiano – já que, no Sesc Casa da Gávea (no Rio de Janeiro, onde o espetáculo estreou, e do qual Vera é sócia, junto a Paulo Betti, Rafael Ponzi e Cristina Pereira), o elenco circulava pelas dependências da casa. Mesmo com as dificuldades de deslocamento decorrentes de um número considerável de pessoas mais cenário, Vera Fajardo retorna ao desejo de continuar. “Ficar até aqui é muito pouco – não pode ser assim! A gente tem que seguir o exemplo dos mambembes”, diz, para logo depois “consertar”. “Mas hoje não dá mais, antes a gente fazia teatro com cinco mil reais, hoje esse valor não paga nem anúncio. É muito difícil, mas muito prazeroso. Portanto, não me queixo, é uma realização. A peça foi muito bem recebida no Rio de Janeiro, com um comparecimento marcante de público – e isso é o grande barato do teatro. Ô meu Deus, eles (espectadores) é que mantêm acesa a chama. Fico muito grata”, finaliza a simpática dublê de atriz e diretora.

“O Tempo e os Conways” – Direção: Vera Fajardo. Funarte MG

(rua Januária, 68, Floresta – Fone: 3213-3084). Data: 4, 5 e 6 – sexta e sábado, às 20h, e no domingo às 19h. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$10 (meia-entrada). Gênero: drama. Duração: 110 minutos. Classificação: 14 anos
 

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