Muitas recordações e emoções no documentário de Scola sobre Fellini

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
31/10/2013 às 09:09.
Atualizado em 20/11/2021 às 13:48
 (Cristina de Paolo Antonio)

(Cristina de Paolo Antonio)

SÃO PAULO – Certamente Federico Fellini teria um comentário genial e satírico ao observar, 20 anos após a sua morte, numa situação que poderia muito bem ser a trama de um de seus delirantes filmes, a emoção provocada pelo documentário "Que Estranho Chamar-se Federico – Scola conta Fellini".

O longa-metragem do amigo Ettore Scola será exibido nesta quinta-feira (31) pela primeira vez no Brasil, no encerramento da 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, exatamente no dia em que serão lembradas as duas décadas sem o cineasta italiano, um dos raros nomes do cinema a virar verbete de dicionário.

Felliniano quer dizer algo entre o sonho e o hiperbólico, entre o gracejo e o espanto, expressões que somente Fellini conseguiu reunir em 50 anos de carreira, em filmes tão divertidos quanto tocantes. Entre eles, obras-primas como "La Dolce Vida" (1960), "Oito e Meio" (1963) e "Amarcord" (1973).

Esta última produção, ganhadora do Oscar de melhor filme estrangeiro e que está completando 40 anos, reproduz as memórias de infância de Fellini, mostrando que muitos dos personagens criados por ele são distorções oníricas e cheias de vida de seus primeiros anos em Rimini, sua cidade natal.

O documentário de Scola é fiel a esta visão de mundo de Fellini, misturando imagens de arquivos, impressões e encenações do início da amizade dos dois realizadores, em 1947. Fellini era jornalista e cartunista na época, dando seus primeiros passos no cinema como roteirista. Scola era um garoto de 16 anos que seguiria trajetória semelhante.

"O filme é um baú de recordações, bem arranjado e montado. A homenagem vai além do conteúdo e se inscreve na forma, com uma estrutura assimétrica e não-linear", sintetiza o crítico de cinema Luiz Zanin Oricchio, presidente da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine).

Oricchio estava no Festival de Veneza, onde o filme foi lançado, em setembro, e compartilhou da grande emoção que tomou conta da sessão para a imprensa, em que "até as desconfortáveis poltronas da sala Daserna choravam ao final". Lágrimas que só não foram vistas no rosto de Scola.

Diretor italiano era "um homem da alegria"

Aos 82 anos, o diretor, que está sendo aguardado para acompanhar a sessão brasileira (apesar de sua aversão por longas viagens), alegou que Fellini era um homem da alegria e que não se lamentava uma vida tão completa como a que o amigo desfrutou. "Lamenta-se quem viveu em vão ou não conseguiu realizar seus sonhos", assinalou.

Fellini provavelmente não seria tão rabugento com a homenagem. Talvez sacaria uma de suas frases marcantes, especialmente aquela em que afirma: "Não existe fim, não existe início. Apenas a infinita paixão da vida". É justamente essa paixão que nos faz dizer que o cinema morreu um pouquinho quando ele se foi há 20 anos.

Testes com atores estão no filme

"Um dos pontos altos do filme são as situações auto-referentes de humor, como a de Fellini fazendo testes com atores italianos como Sordi, Tognazzi e Gassman para seu "Casanova", mas já sabendo que este caberia a Mastroianni, a quem não exigiu um teste. O diretor recria hábitos de Fellini, como andar de carro por Roma, tomado de insônia, para conhecer e fazer amizade com figuras que viriam a ser representadas nos seus filmes. E tem as gafes. No intervalo da cena mais famosa de "La Dolce Vita", com Anita Ekberg se banhando na Fontana di Trevi, alguém traz até Fellini o militar que deu autorização para a filmagem no local. Ao estender a mão ao convidado, o diretor ouve deste: "estou muito honrado em apertar a mão do famoso Roberto Rossellini" - Orlando Margarido, repórter da "Carta Capital"

Um Oscar especial no final da vida

Federico Fellini morreu em 31 de outubro de 1993 de ataque cardíaco, aos 73 anos, um dia depois de comemorar as cinco décadas de casamento com a atriz Giulietta Masina, protagonista de vários de seus filmes e que faleceria seis meses depois, de câncer no pulmão. No mesmo ano de sua morte, Fellini recebeu um Oscar especial pela sua carreira.

Principais filmes de Fellini

1953 "Os Boas Vidas"
1957 "Noites de Cabíria"
1960 "A Doce Vida"
1963 "Oito e Meio"
1965 "Julieta dos Espíritos"
1969 "Satyricon"
1972 "Roma de Fellini"
1973 "Amarcord"
1976 "Casanova"
1983 "E la Nave Va"
1986 "Ginger e Fred"
1990 "A Voz da Lua"

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