Muito além do tux-tux: coletivos reinventam a cena eletrônica de BH

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
20/10/2017 às 15:41.
Atualizado em 02/11/2021 às 23:19
 (Coletivo Mofo/Divulgação)

(Coletivo Mofo/Divulgação)

Coletivo Mofo/Divulgação 

Masterplano – Última edição da festa contou com os cubos plásticos iluminados da instalação alemã Kubik

 “Obrigado, senhor, por esse momento! Obrigado Deus do techno!”, dizia baixinho um jovem “montado”, de olhos cerrados contra os primeiros raios de sol da manhã, enquanto os beats martelavam deliciosamente as caixas de som. De frente à mesa de DJs, olhando para o alto, palmas das mãos unidas, ele agradecia epifanicamente a mais uma edição da Masterplano. Na ocasião, a festa que marcou o encontro do coletivo de mineiro com a instalação alemã Kubik, em setembro passado. 

Já eram mais de 9h da manhã quando este repórter deixou a festa, assim como boa parte do público. Uma imagem cada vez mais habitual para quem tem acompanhado o recente reflorescimento da cena eletrônica de Belo Horizonte. De 2015 para cá, coletivos como Masterplano, 1010 e Mientras Dura vêm ressignificando o “rolê” com festas que, para além da música, apostam no “faça-você-mesmo”, na diversidade, na liberdade de escolha e na ocupação artística da cidade. 

Surgidas na mesma época, as festas guardam conceitos estéticos e sonoros distintos. Enquanto Masterplano e 1010 apostam mais em vertentes como o techno e o house, Mientras Dura segue a linha étnica do global bass, com estéticas burlescas e ciganas. “Apesar das diferenças, está tudo muito interligado. A gente sabe que está construindo uma coisa junto”, afirma João Vitor Costa, o Omoloko. Aos 22 anos, ele já foi da Masterplano, atualmente é um dos produtores da 1010 e DJ residente da Mientras Dura. 

Yonanda Santos, da Mientras Dura, concorda. “O que temos em comum é que todo mundo decidiu fazer a festa que queria ir e que não existia na cidade. E os três coletivos construíram isso despretensiosamente, de um jeito orgânico”, diz. “Com isso, criou-se um senso de comunidade. As pessoas que vão a essas festas não as veem só como entretenimento. Elas cuidam uma das outras, participam da construção. São  espaços, antes de tudo, de respeito, afeto e desconstrução das normatividades”, completa Breno de Oliveira, também da Mientras Dura.

Atravessamentos

“Ajuda o ‘migo’ a sair da badtrip”, dizia um dos cartazes pregados nas paredes de um estacionamento no centro de BH, onde aconteceu a última edição da 1010. Na construção social das festas, o diálogo aberto sobre a redução de danos e o combate ao machismo e à homofobia e à transfobia são elementares. “Essas questoes são reflexos da nossa vida cotidiana. A festa é feita por mulheres e LGBTs. Também somos público, também estamos lá”, diz Izabela Carolline, um das produtoras da 1010.Lucas Pietro/Divulgação 

1010 – “Amo ser clubber”, diverte-se a produtora Izabela Carolline, uma das integrantes do coletivo

As experiências mostram que a via aberta, de fato, produz resultados. “A gente conseguiu se cercar da violência, a partir de incidentes que rolaram nas nossas festas. Fizemos chamamentos e construímos debates sobre redução de danos e sobre como fazer festas seguras para mulheres. Deles, saíram várias estratégias”, conta Sosti Reis, o Supololo (Masterplano), citando ações como a contratação majoritária de seguranças mulheres e a criação de grupos de WhatsApp para casos de machismo ou preconceito.

“As pessoas também são responsáveis pela energia que trazem para a festa. A gente tem que se entender antes de ir para um ‘rolê' e prestar a atenção em que está a nossa volta. Tanto na colega que pode ter passado por uma situação de machismo quanto no morador de rua, ali exposto a outras violências”, completa Vitor Lagoeiro, também membro da Masterplano.

Ocupação

A ressignificação do espaço público é um traço característico das festas, que costumam acontecer na rua ou em ambientes inusitados, como galpões e estacionamentos. “Pensar a festa como ferramenta para descobrir a cidade com outros olhos pode ser transformador. Você está convidado para ficar num lugar q ue não foi desenhado para te receber, então começa a ter outras perspectivas desses lugares, a descobrir toda uma potência criativa da cidade”, defende Lagoeiro. 

Para todos os três coletivos, um dos grandes desafios de explorar locações está no diálogo com o poder público. “O alvará é um pepino. Se por um lado a cena é invisível na hora do dialogar com a prefeitura, na hora de barrar e punir é como uma estátua em neon. Há, também, um esgotamento de lugares e uma resistência grande dos donos por conta de um estigma com a música eletrônica”, afirma Lagoeiro. Para Yonanda Santos, a cena continuará crescendo e o poder público deve se atentar para colaborar com a construção. “Temos esperança que o novo secretário municipal de cultura (Juca Ferreira) ajude a desburocratizar esses processos. Quando temos apoio, estrutura e alvará as festas são melhores para todos”. Dayane Gomes/Divulgação

Mientras Dura – Última edição da festa levou centenas de mascarados ao Centoequatro, no dia 7 de outubro

Renovação e deslocamento

Nos últimos tempos, os coletivos têm se deslocado, também, para os clubes fechados, num diálogo com produtores e espaços que movimentaram ativamente a cena eletrônica nos anos 2000, como Deputamadre e DDuck. “É muito difícil montar a estrutura do zero todas as vezes. Mesmo uma festa pequena custa dinheiro. Daí a importância de entrar nos clubes. É legal pensar que já existem espaços com estrutura para receber as festas e DJs, principalmente nos intervalos entre as festas grandes”, defende Vitor Lagoeiro, que também faz a festa Depturpa com o parceiro de Masterplano João Nogueira.

“Acho ‘bafo’ que hoje existam vários ‘rolês’”, defende Sosti Reis, que realiza sua Noite Supololo desde antes da Masterplano. “Vemos várias pequenas faíscas acontecendo. Novos coletivos, como o Super Baby; eventos inéditos, como o Rolê de Live; festas em clubes e outros lugares, como Perdidas na Floresta, Mandarina e a Sintética, que é feita só por mulheres”, afirma. Para Omoloko, que também produz a festa Curral, a cidade vive um momento ímpar. “Estamos retomando uma cultura de DJs que havia se perdido. Hoje, BH é a melhor pista do Brasil”.

Serviço – Próximas festas: Deturpa #04, com Paco Talocchi. Próxima sexta-feira (27), às 23h, no Deputamadre (av. do Contorno, 2.028, Floresta). Ingressos: R$ 10; Fluidos, com Cassius Augusto (RJ). Dia 4 de novembro, no Luthier Bar (rua Tabaiares, 20, Floresta); CurraL #1, com Manfredas (Lituânia) e Thomas Von Party (Canadá). Dia 10 de novembro, às 23h, local a definir. Ingressos: R$ 25; Sintetica #03, com Alys (Berlim). Dia 17 de novembro, às 23h, local a definir. Ingressos: R$ 10 (promocional).​


 

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