Multipotencialidade: para quem gosta e tem afinidade com áreas diversas

Thais Oliveira
taoliveira@hojeemda.com.br
28/10/2016 às 20:21.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:26
 (LUCAS PRATES)

(LUCAS PRATES)

Lucas Veríssimo, de 28 anos, iniciou os estudos em Engenharia Mecânica em 2008. Semanas após começar o curso decidiu parar. Na mesma época, resolveu aprender a dançar. Além de entrar numa escola especializada, prestou vestibular para Educação Física de olho no curso de Engenharia de Produção. Desistiu de tudo logo depois. Não por falta de interesse, garante. O “problema”, diz o rapaz, é outro: ser apaixonado por coisas demais – e bem distintas – para permanecer numa só.

Lucas pode ser considerado um multipotencial. Resumidamente, o termo, ainda pouco conhecido no Brasil, define quem tem interesse e se destaca em mais de uma atividade ou área, especialmente, no ramo profissional.

“É o mesmo que ter multitalentos, ou seja, potencial para mais de uma carreira, o que pode ser uma bênção ou uma maldição”, observa Lucas, rechaçando a ideia de falta de foco. 

A neuropsicóloga Laiss Bertola acredita que casos como o dele são exceções à regra. 

“É possível que os multipotenciais tenham uma facilidade a um nível mais global, tenham uma capacidade intelectual mais ampla e, por isso, consigam circular mais no cenário profissional, pois se sentem mais à vontade assim. A maioria das pessoas não têm essa facilidade”, diz.

Leonardo da Vinci, Thomas Jefferson, Aristóteles, Julia Child, Maya Angelou, René Descartes e Isaac Newton podem ter sido multipotenciais

Por não se sentir encaixado num mundo onde, geralmente, o “certo” é ter um caminho profissional bem definido, Lucas Veríssimo confessa já ter levado essa condição multi como uma “maldição”. Hoje, não tem motivos para enxergar o cenário de forma negativa. Ele é atualmente cantor, bailarino, professor de dança, palestrante e DJ – sendo criador dos movimentos Lab Dance e do Black Brothers Dj e outras iniciativas culturais em Belo Horizonte, onde vive.

"Me considero um ‘hacker’ da felicidade porque vou aprendendo várias coisas não tão comuns. Os resultados que tenho me levam a querer ser exatamente o que sou”, celebra.

Livro
A experiência diversificada e o fato de, por meio dela, ter se encontrado não apenas profissionalmente levou Lucas a enveredar por outro caminho, o das letras, que já resultou no livro “A Simbiose da Multitarefa: a Falta de Foco Pode Ser Seu Maior Ativo”. Download gratuito em lucasverissimo.art.br. 

A obra narra parte da trajetória do autor, além de apresentar exercícios e dicas para o leitor desenvolver-se e encontrar o próprio caminho. “O livro tenta estabelecer uma visão de como a todo momento se está aprendendo coisas que, geralmente, as pessoas não aproveitam, mas poderiam usar”, sintetiza.

Para poucos
“Consigo tocar vários projetos ao mesmo tempo e muito bem. Isso porque, quando estou envolvido com aquela atividade, estou focada nela, gerando muita produtividade”, reforça Lucas. 

A neuropsicóloga Laiss Bertola ressalta que essa capacidade intelectual não tem, necessariamente, ligação com pessoas consideradas superdotadas. “Os superdotados são acima da média, mas, nem sempre, se comportam como multipotenciais. Da mesma forma, há pessoas brilhantes que não são superdotadas, mas que conseguiram se destacar”.DIVULGAÇÃO / N/A

RENATA LAPETINA – Além de coach, ela é escritora e criadora de conteúdo

Estabelecer metas é importante para obter equilíbrio

Aprender rapidamente, saber combinar conhecimentos, facilidade de adaptação, autodesenvolvimento. Essas são apenas algumas qualidades de uma pessoa multipotencial. Mas nem tudo são flores. Como alerta a neuropsicó-loga Laiss Bertola, a multipontecialidade pode acarretar danos também. 
“Se esse comportamento vem provocando desconfortos emocionais ou sociais tem sempre a possibilidade de fazer uma leitura melhor da situação. É preciso entender o papel da profissão e até que ponto ela está equilibrada com outras áreas da vida”. 

Era exatamente assim que a paulista Renata Lapetina, de 29 anos, se sentia. “Me sentia perdida e que não estava direcionando bem os meus esforços. Pensava que não estava em um caminho de sucesso porque não focava numa coisa só”, diz.

Até que Renata resolveu fazer uma escolha “aceitável” socialmente: ir para a faculdade. Acabou optando por Relações Internacionais. “É um curso bem generalista, com matérias bem diversas, como antropologia, sociologia, política, história, economia”. 

Ao se formar, porém, um problema surgiu: escolher a área específica de atuação. “Acabei indo trabalhar em um banco, mas não gostava”.

O alívio veio quando a jovem assistiu a um TED Talk – ciclo de palestras curtas com especialistas diversas áreas disponível em vídeo na web – com Emilie Wapnick. “Ela falava sobre o termo multipotencialidade, explicava que algumas pessoas não têm uma única vocação e gostam de várias coisas e incentivava quem se encaixava nesse perfil a não focar numa só área”, conta Renata.

Depois de trabalhar com comércio exterior, consultoria intercultural e mercado financeiro, Renata descobriu o coach de carreira. “Ajudo outros multipotenciais a olharem para dentro deles mesmos, a pensarem no que gostam e, assim, se conhecerem e criarem metas”, esclarece ela, também criadora do site multipotenciais.com.br.

Para a coach, é possível trabalhar com alguns projetos paralelamente e deixar os outros para depois. 

 ‘É uma resposta a um novo mundo’, defende consultora

Uma das referências hoje no Brasil sobre o assunto é a mineira Rafaela Cappai, de 38 anos, que há nove se descobriu multipotencial. Um dos trabalhos dela é ajudar outros na mesma situação, por meio de cursos, consultorias e do portal Espaço Nave. Rafaela explica que um dos perfis da multipotencialidade é o “serial”. 

“São aqueles que escolhem uma área e ficam nela por algum tempo. Depois, escolhem outra coisa e assim por diante, mas aprendem muito sobre cada assunto”.

Ela própria se identifica mais com aqueles que encontram uma marca para a carreira. “Algumas profissões, como professor e bibliotecário, são multipotenciais por natureza, porque têm características que permitem trabalhar com diversas coisas interessantes ao mesmo tempo”, exemplifica, a consultora, uma jornalista amante do campo das artes que já atuou como atriz, dançarina e produtora cultural.
 André Luppi/Divulgação / N/ARAFAELA CAPPAI - "Como você aprende várias coisas, tem repertório mais amplo e pode fazer conexões nunca feitas antes"


Apesar de ser pouco debatida no Brasil, Rafaela acredita que a multipotencialidade sempre existiu na história da humanidade. 

“Os pensadores do passado... tinham aqueles que estudavam várias coisas como física e matemática, não eram especialistas numa só coisa. A busca por especialização no trabalho veio por causa da Revolução Industrial”, explica.

“Essa valorização da multipotencialiade é uma resposta a um novo mundo que estamos construindo. O multipotencial tem visão do todo, é mais criativo, e a faculdade não é o único caminho”, defende.

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