'Muro de arrimo' ganha versão atualizada

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
19/06/2015 às 06:34.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:32
 (Fernanda Pauluci)

(Fernanda Pauluci)

Pode ter certeza. Quando Fioravante Almeida afirma que a passagem da peça “Muro de Arrimo” por Belo Horizonte, neste final de semana, será mais do que especial, não se trata de palavras de efeito proferidas apenas para fazer bonito frente ao público mineiro. Tanto o ator – que está “sozinho” em cena (o uso das aspas será explicado depois) – quanto o diretor, Alexandre Borges, aguardavam com ansiedade a oportunidade de se apresentar aqui.

É que o texto original de 1974, de Carlos Queiroz Telles, foi atualizado (pelo próprio Borges) – em vez do jogo Brasil X Holanda, ocorrido na Copa da Alemanha daquele ano, a ação se desloca para 2014, mais precisamente para o fatídico jogo Brasil X Alemanha, que teve como palco o Estádio do Mineirão, na capital mineira. Daí, portanto, o papel de destaque que a cidade assume para a produção.


Otto e Cléber Machado

Tendo sido inspiração para montagens aclamadas pela crítica (e premiadas com distinções como o Molière), o texto localiza a ação no alto de um arranha-céu, no centro de São Paulo. É lá que o pedreiro Lucas acompanha a semifinal pelo rádio de pilha. A ansiedade também está relacionada ao fato de ter apostado metade de seu salário na vitória da seleção canarinho.

Agora sim, a explicação para as aspas do início do texto, na palavra monólogo: a narração de Cléber Machado e a trilha sonora de Otto entram quase como personagens na trama.


Sentimento coletivo

Pelo telefone, o simpaticíssimo Fioravante lembra que a vontade de trabalhar junto a Alexandre Borges vinha de longa data. Ao se lembrarem da dramaturgia de Telles, não houve espaço para titubeios. “Quarenta anos depois (do mote do texto original), a situação era muito similar, tirando um ou outro ‘detalhe’, como o número de gols”, brinca ele, acrescentando que Lucas encarna um sentimento coletivo que é a paixão pelo futebol. “Comum a cruzeirenses, atleticanos, corinthianos...”.

Mas não só. Ele também representa a esperança do cidadão no crescimento no país e a necessidade de estar em primeiro lugar no mundo – ao menos nesta modalidade esportiva.

Curiosamente, "Muro de Arrimo" começou a sair do papel durante a Copa das Confederações. "Até a Copa do Mundo, foi o tempo para captar o projeto. E foi quando a Copa efetivamente começou que demos início aos ensaios", lembra Fioravante. Ou seja, tanto ele quanto Alexandre Borges não sabiam se o Brasil ia ganhar ou perder... "Evidentemente, estávamos cegamente torcendo para o Brasil ganhar", esclarece o ator.  A peça original falava do jogo transcorrido em Frankfurt. Na montagem atual, em BH. A estreia foi em agosto do ano passado. Desde então, o intérprete só tem colhido elogios... E prêmios. "Estar sozinho em cena aumenta a responsabilidade. No elenco, você conta com a energia do outro, no monólogo, não pode deixar a energia cair... Tanto que, por geralmente iniciar as apresentações às sextas-feiras, a partir de quarta já nem saio mais de casa à noite. Porque sei que, se eu sair, vou me estender pela noite e aquilo vai influenciar meu corpo... Portanto, é uma entrega bem maior. E uma responsabilidade bem maior, por isso, acho, daí vieram os prêmios. Não tem meio termo, já fiz a peça gripadíssimo, entrei em delirio, suava... Tomei remédio, mas me deu a responsabilidade grande do fazer teatral. Comecei a entender a Bibi Ferreira, para a minha trajetória artistica, me adiantou mil anos-luz. Claro, quero voltar a contracenar, mas essa experiência está sendo muito importante".   Sobre Alexandre Borges, Fioravante é só elogios: "A preocupação do Alexandre foi imprimir ritmo. Porque um monólogo ou é muito bom ou muito chato. Nossa preocupação era de fazer uma coisa que não fosse chata. Eatrilha do Otto, a presença do telão e a narração do Cléber Machado imprimiram ritmo, tiram a situação monolitica da peça. Alexandre me ensinou muito como atuar, descobri coisas maravihosas com ele, uma pessoa muito generosa. O papel dele, aqui, era me fazer birlhar, e fez tudo para entregar um produto bom, se dedicou, me deu um suporte grande. Fora que é um grande ator. Ou seja, estou sozinho (no palco), mas muito bem dirigido, em um trabalho feito com grande amor".   Aos 36 anos, Fioravante tem uma história que, por si só, já seria calço para uma bela dramaturgia. Acredite, com poucos dias, o paulistano chegou a ser colocado em uma caixa de sapatos, para ser atirado ao Rio Tietê. O anjo da guarda que impediu, involuntariamente, um desfecho trágico respondia pelo nome de Olívia, senhora que o adotou. O nome, aliás, foi dado à filha do ator, como homenagem àquela que o salvou (tinha raquitismo) e o criou nos seus primeiros sete anos de vida.    No teatro, ele começou a dar as pistas do talento em 1998, atuando como sonoplasta. Bem, antes, cumpre dizer, já havia feito rádio. Hoje, aos quase 20 anos de carreira, sua biografia ostenta marcos importantes, como o trabalho no Oficina - participou de "Sertões", eleita melhor monagem da década passada, que contou com um elenco de 50 atores adultos e 30 crianças. Foi para Alemanha e chegou a ser capa, lá, de uma publicação dedicada às artes cênicas. "No Oficina, fiquei dez anos. E sou produtor também, aliás, essa é a terceira produção da minha trajetória e, com certeza, a mais competente de todas. Conseguir trazer o Otto, Cléber Machado... Veja, é difícil produzir teatro no Brasil, portanto, considero esse um momento muito especial da minhga carreira, lindo...". No cõmputo geral, o simpático Fioravante é uma pessoa grata à vida. "A vida tem sido generosa comigo", brinda.  

Serviço “Muro de Arrimo” – Teatro Bradesco (Rua da Bahia, 2.244). Nesta sexta-feira e sábado (20), 20h. R$ 90 e R$ 45 (meia). Leia mais no portal Hoje em Dia (hojeemdia.com.br)

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