Na contramão do ritmo frenético das grandes cidades, café de Thereza Portes emociona

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
09/11/2014 às 10:54.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:57
 (Luiz Costa)

(Luiz Costa)

Se você é um dos passageiros das muitas linhas de ônibus que circulam pela rua Padre Belchior, no centro de Belo Horizonte, não estranhe se, em breve, uma moça surpreendê-lo com a oferta de uma xícara de café coado na hora, à maneira antiga, com mancebo e coador. Em troca, a professora e artista plástica Thereza Portes – a pessoa por trás da iniciativa – não espera mais do que um simples (e autêntico) sorriso. Na sede da ONG Undió, a entusiasmada Thereza detalha a sua próxima ação, apontando para o movimentado ponto de ônibus em frente. “Não falarei nada com os donos das empresas. Só pedirei ao motorista para entrar com a minha bandeja”, revela ela, que inconscientemente se candidata a uma espécie de “vizinha que todo mundo gostaria de ter”.   Na verdade, não há quem não conheça essa moça de 48 anos naquele espaço que ela própria define como “a menor rua da região central, com apenas dois quarteirões”, onde o córrego do Leitão, hoje canalizado, dividia a Padre Belchior ao meio. “Para passar para o outro lado tinha que ir até a Augusto de Lima para pegar uma pontezinha”, lembra Thereza. Ela “nasceu” numa das duas casas que servem atualmente como palco das atividades da Undió, que, além de trabalhar com jovens em situação de risco, busca resguardar memórias de um tempo em que os visitantes batiam palmas diante do murinho baixo e eram servidos com um cafezinho novo feito pela avó Marta. Desde outubro de 2010, Thereza promove periodicamente cafés coletivos na rua. Já foi vista com estranheza pelos passantes e donos de estabelecimentos próximos, curiosos em saber o que estava por trás de tanta generosidade. Depois de já lhe oferecerem dinheiro pelo café tomado ou reclamarem da falta de açúcar, os propósitos já são bem conhecidos.   “Fui para a rua como uma forma de trazer a memória da infância e compartilhá-la com as pessoas, pois a casa dos meus avós era aberta e eles cuidavam da rua. Nosso desejo é aproximar as pessoas nos centros urbanos, para compartilhar e escutar histórias. Como se fosse uma extensão da minha proposta de vida”, explica.   Mas Thereza só se deu conta que estava revisitando sua infância depois, ao relacionar a atividade com as visitas que seu avô, Geraldo, médico, recebia de pessoas doentes ou em busca de informação. “Para cada um que chegasse, minha avó tinha o costume de coar o café na hora. Essa era a forma como expressava seu agrado”, recorda.   Assistencialismo? Nem pensar, a ideia é unir pessoas   Um dos protagonistas dos cafés coletivos promovidos por Thereza Portes, dentro do projeto “Nessa Rua Tem um Rio”, são as xícaras coloridas e nos mais variados formatos. Desde que começou a pôr a mesa na rua, a organizadora não abre mão da peça de louça.   Copo descartável? Nem pensar. “Queria que a mesa tivesse uma dignidade, fosse bem posta, para que as pessoas tivessem a sensação de que estavam na casa delas, sem nenhum tipo de nojo, para que possam se aproximar. É um café de compartilhamento”, observa.   No início, lembra Thereza, era comum confundirem a ação com assistencialismo. “Já escutei várias vezes que era voltada para pobres. Nunca teve esse viés. O mais importante é aproximar as pessoas. É bonito ver um morador de rua ao lado de varredores, caminhoneiros, bazarseiros, artistas, vizinhos e até usuários de crack”.   Segundo ela, enquanto estão tomando o café com bolo ou biscoito, os que se dispõem a ficar ao redor da mesa são instados a exercitar a arte da convivência. “O que fazemos é, de certa forma, interromper o cotidiano. As pessoas são surpreendidas por uma ação que, na verdade, já faz parte do dia-a-dia delas – só que na rua”, salienta.   As xícaras, em sua maioria, são fruto de doação. A primeira que chegou às mãos de Thereza foi a de um lojista, que doou uma já encardida e com um pequeno buraco. Passados quatro anos, acredite, a peça continua indo à mesa, assim como as xícaras com temas que vão de futebol a personagens das histórias de “Amar é...”.   Vale ressaltar que boa parte delas tem uma história por trás – caso das peças que trazem a inscrição Alice e Norberto, e que são oriundas de Poços de Caldas. São, na verdade, os nomes de um casal já falecido. As xícaras – e a lembrança que emocionam – foram repassadas pelos filhos do apaixonado casal. “Um deficiente trouxe a xícara de um gatinho, que era de sua época de infância”.   A coordenadora do projeto já foi convidada para levar seus cafés coletivos a vários eventos, entre eles a “Virada Cultural”, realizada em agosto último. A experiência, no entanto, não foi avaliada como positiva. Na Praça da Estação, durante a “Virada”, não sobrou uma xícara (entre mais de mil disponibilizadas) para contar história.   O mesmo não acontece na rua. Para Thereza, a razão está no fato de que, nesse ambiente, as pessoas ficam mais sensibilizadas com a proposta, muitas vezes até participando do processo de coar o café. Outros chegam a levar produtos – mesmo os que são muito ligados a um café matutino, como refrigerante.   Apesar da falta de patrocínio (a Petrobrás investe R$ 70 mil anuais para todos os projetos da ONG), Thereza continuará servindo seu café quentinho feito no mancebo, como a sua avó ensinou, em frente à única casa do quarteirão, agora querendo estender a sua ação até o interior dos ônibus.   Reflexões sobre a sustentabilidade   O conceito de café coletivo já se espraia por outras regiões de BH, como Santa Tereza. Depois que um grupo de artistas alugou um galpão que servia de concentração a blocos carnavalescos, veio a ideia do Café Infinito, com guloseimas e bom papo.   Suspenso desde fevereiro, deve voltar em breve, aproveitando o “quintal gostoso e o café que parece de hotel chique”, como define a produtora Janaína Macruz.   “A gente não quer transformar só num lance cultural porque é a nossa casa também”, afirma, ressaltando que o espaço é dividido por mais quatro pessoas.   No Cabrália, no Santa Inês, os cafés coletivos são alternativa para aproveitar melhor o espaço, onde já são feitos cervejas artesanais e pão orgânico. “Desde que mudamos para lá estamos querendo sair do privado. A nossa ideia é provocar uma reflexão sobre a questão da sustentabilidade”, registra Claudia Magnani.   Para ela, o mais importante é a troca de conhecimento, especialmente sobre o slow food, movimento que busca promover a melhor qualidade das refeições. “Queremos usar os produtos que são plantados e feitos aqui, e um deles será o pé de café”, sublinha Claudia, que é italiana e mora há pouco tempo no Brasil.

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