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Crônicas: este território sagrado da escritura literária que, ainda bem, sempre manteve relações diplomáticas e arteriais com o jornalismo. Aliás, pode-se, sim, pensar na crônica como um gênero especial para tornar ainda mais saborosa tanto a práxis quanto o consumo noticioso; ambos se encontram no kronos, na relação com as temporalidades de onde, muitas vezes, a reportagem, a nota, a notícia, quer capturar o tempo e a crônica quer simplesmente vê-lo passar.
E rico é um país que teve como habitantes históricos deste território nomes como Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis, e, como mostra este “Todas as Crônicas” recém editado pela Rocco, Clarice Lispector.
O lançamento apresenta pela primeira vez em volume único toda a obra cronística da autora ucraniana radicada no Brasil, trazendo as colaborações de Clarice para veículos como Jornal do Brasil, Última Hora e revista Senhor. Grande chamativo, a seleção ainda inclui 120 textos inéditos em livro, além das crônicas anteriormente publicadas em coletâneas. A organização da coletânea ficou a cargo do editor Pedro Karp Vasquez, a partir de pesquisa textual de Larissa Vaz, e o livro traz ainda prefácio da escritora Marina Colasanti.
Como pede o formato, tratam-se de texto curtos, por vezes curtíssimos, mas que atestam, no caso de Clarice, uma potência sintética pouco vista na literatura nacional. Em muitos casos, o leitor terá em mãos pequenas pérolas narrativas, onde sorve-se cada frase deliciosamente. Afinal, trata-se da autora que talvez melhor traduziu, na prática, o que o teórico francês Barthes cunhou como o “prazer do texto”: a rota sensual e sedutora pela qual a literatura conduz o leitor. Assim, nos vemos novamente (ou pela primeira vez, para toda uma geração de novos leitores, os clariceanos pós-redes sociais) diante de obras magistrais, que vêm, disfarçadamente, em doses pequenas, e que não temem encarar os chamados grandes temas, como “A Descoberta do Mundo” e sua elegia ao afeto e ao sexo e as possibilidades do feminino e do masculino; “O Milagre das Folhas” e (toda e qualquer) possibilidade do Divino; a religião católica em “Na Manjedoura” e a lista é longa, longuíssima.
E como crônicas cotidianas é uma obra que pode ser adicionada no dia a dia do leitor? Doses homeopáticas de sabor contra um mundo tão destemperado.