Página 2 Entrevista: Rodrigo Pederneiras, coreógrafo do Grupo Corpo

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
03/02/2014 às 07:53.
Atualizado em 20/11/2021 às 15:45
 (Flávio Tavares/Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/Hoje em Dia)

Uma das peças fundamentais do sucesso do Grupo Corpo, o belo-horizontino Rodrigo Pederneiras é um dos coreógrafos brasileiros mais aclamados no exterior. A forma particular com que trabalha os movimentos a partir de uma música instigante, a interação entre bailarinos e a ocupação do palco foram importantes para que tivesse reconhecimento nacional e internacional.    Coreógrafo do Corpo desde 1978, Rodrigo possui uma carreira bastante profícua. Além de ter desenvolvido mais de 30 espetáculos na companhia que comanda ao lado de Paulo e Pedro Pederneiras, já coreografou para dezenas de grupos importantes, como Ballet do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, São Paulo Cia. de Dança, Les Ballets Jazz de Montreal, no Canadá, Companhia do Stadttheater Saint-Gallen, na Suíça, Ballet de l’Opéra du Rhin, na França, e Deutsche Oper Berlin, na Alemanha.    Em entrevista ao Hoje em Dia, Rodrigo fala sobre “Triz”, espetáculo que o Grupo Corpo estreou em 2013, sobre criação, trajetória, influência sobre o trabalho de outros grupos de dança contemporânea e o patrocínio da Petrobras – que hoje não é mais exclusivo.    O que “Triz”, último espetáculo da companhia, tem de diferente em relação às outras montagens do Corpo? Eu não sei exatamente o que tem de diferente. Uma série de coisas foram diferentes na feitura, pelo fato de eu não estar podendo me mover na época. Geralmente, eu mostro com meu corpo os passos e tive que me adaptar e criar um novo processo. Então, durante esse processo de criação, tive que verbalizar os movimentos. O que eu nunca tinha feito. Existe aí uma mudança na dinâmica, mesmo no tratamento espacial e também uma limitação proposital. Houve uma ideia do Paulo (Pederneiras, diretor artístico, cenógrafo e iluminador do Corpo) de limitar o palco. Uma coisa que já venho fazendo desde o “Sem Mim” (2011) e radicalizei de uma certa forma no “Triz”. Comecei a criar dificuldades para mim mesmo, e eu tive resolver isso sem apelar. Mudou a forma de ver e de fazer. Isso gerou uma série de outras propostas.   Por que você teve que passar a verbalizar os movimentos em vez de mostrá-los? Eu tinha sofrido duas cirurgias, uma no ombro e outra no joelho. Não estava podendo me mover. Comecei a criar o “Triz” sem caminhar, me locomovia com muita dificuldade. Então tive que fazer tudo falando, dizendo essa perna vem aqui, muda para essa perna... o que não é muito fácil. Além do mais, foi um trabalho muito presente dos próprios bailarinos do Grupo Corpo. Sem eles, talvez eu não tivesse feito essa peça. Tomaram para eles a responsabilidade de finalizar essa peça, o que foi de uma ajuda fundamental.    No próximo espetáculo, como será? Você volta a verbalizar os movimentos ou vai mostrá-los no palco? Não tenho a menor ideia. Estou procurando não pensar muito. Provavelmente, vamos descobrir uma outra maneira de fazer. Depois não foi mais tão difícil para mim (verbalizar os movimentos), porque eu engrenei e a coisa funcionou. Talvez eu faça uma mistura das duas coisas, porque houve uma chamada muito maior dos bailarinos para trabalhar nessa criação, que era uma coisa que nunca tinha feito.   E vocês pretendem trabalhar o “Triz” até quando? Agora o “Triz” está no repertório do Grupo Corpo. Temos hoje 14, 15 peças no repertório, desde 1992.    Mas é o espetáculo que vocês vem trabalhando na atualidade, não? No Brasil, sim. Mas não necessariamente no exterior. O Grupo Corpo está agora nos Estados Unidos e vai para o Canadá, levando “Imã” (2009), “Sem Mim” (2011) e “O Corpo” (2000). O “Triz” não foi apresentado lá, mas será apresentado na Europa pela primeira vez. São espetáculos contratados há três anos.   Quantos espetáculos você já coreografou? Já fez essa conta? Para o Corpo, em 39 anos, foram 32 espetáculos. Mas já trabalhei muito fora também, na França, Suíça, Alemanha, Canadá, Estados Unidos. Há pouco fiz um trabalho para a Limon Dance Company, em Nova York, com música feita pelo Paquito D’Rivera especialmente composta para o grupo. Também trabalhei com todas as maiores companhias do Brasil, como a Companhia de Dança do Palácio das Artes, o Ballet do Rio de Janeiro e São Paulo Cia. de Dança.    E qual é a principal diferença entre trabalhar com o Corpo e para essas companhias que te contratam? É uma diferença muito grande. Não posso querer fazer o que faço para o Grupo Corpo, no mesmo espaço de tempo que faço para o Corpo, com outra companhia. Seria possível se tivesse um tempo muito maior, mas normalmente é impossível, porque as companhias têm cronogramas já planejados. Aqui no Grupo Corpo existe uma relação muito próxima entre eu e os bailarinos, os bailarinos já conhecem o meu tipo de trabalho, a minha forma de trabalhar, a maneira de lidar com eles. Eles também têm uma maneira especial de lidar comigo. Quando você chega numa companhia, até você se encaixar e fazer com que as pessoas entendam os tipos de movimentos, por onde passa, isso leva um tempo. Então nas outras companhias tenho que lançar mão do que eles têm de mais palpável, que é a técnica clássica.    Você tem medo de se repetir? Não. Não tenho medo nenhum. Às vezes a gente acaba se repetindo mesmo, o que não acho ruim. Você acaba criando certas referências para o seu trabalho. Acho isso até importante. Com essa coisa de querer fazer uma coisa nova toda vez, você pira e acaba não tendo base, não tendo raiz nenhuma. Aqui no Grupo Corpo, ao longo dos 39 anos, eu venho fazendo a maioria dos trabalhos, e tem sempre umas pessoas que são muito próximas e me chamam a atenção quando me pegam quando passo a querer me repetir. É legal escutar outras pessoas. Mas se repetir é importante, porque as referências pouquíssimas companhias têm, aquela coisa que você vê e diz essa é a companhia tal. O Grupo Corpo tem isso, tem uma assinatura. Só tem isso aquelas que possuem o mesmo coreógrafo, que faz a maioria dos trabalhos. Aí você tem tempo para ir desenvolvendo uma linguagem.   Várias pessoas que passaram pelo Corpo hoje comandam respeitadas companhias de dança, como Rui Moreira (SeráQuê?) e Inês Bogéa (São Paulo Cia. de Dança). Consegue enxergar a influência do Corpo nos trabalhos dessas companhias? Na parte artística, não, porque são companhias que trabalham de forma completamente diferente. Mas, sim, na forma de conduzir a companhia, na maneira de fazer, sem dúvida nenhuma. Agora, acho o Grupo Corpo tem uma influência artística, de maneira geral, no país inteiro. Quando começamos a trilhar essa linguagem, obviamente isso se espalhou pelo país de tal forma que mobilizou muito as pessoas a olharem para dentro e pararem de querer imitar os grandes criadores. Foi uma enorme contribuição do Grupo Corpo.   Você falou que o Corpo se tornou uma referência nacional. Quais são as principais características artísticas que fazem com que o Corpo seja um dos principais grupos, se não o mais importante, do país? São várias. A primeira coisa é que o trabalho é feito em equipe. Na criação de uma peça, todos estão voltados para a finalização dessa peça. O que interessa é o trabalho que está sendo feito naquele momento. Então, é diferente de você chamar um cenógrafo que vai fazer aquele trabalho. Tudo é feito, pensado, para se encaixar. Outra característica é não abrir mão de nada que seja de qualidade. Independente de dinheiro ou capacidade, a peça tem que estrear da maneira com que foi programada. Nós não abrimos mão de fazer exatamente como queremos fazer. Há também um trabalho de equipe com pessoas com uma qualidade artística rara.   Quais características tem que ter o bailarino que vem para o Grupo Corpo? Primeira coisa que nós olhamos é a técnica clássica. Tem que ter essa técnica muito apurada. Depois fazemos testes com repertório da companhia, para ver como ele se insere nesse tipo de linguagem e também a força que esse bailarino tem individualmente. Se é uma pessoa carismática. Isso é fundamental. Não temos primeiro bailarino, costumo dizer que todos são primeiros bailarinos. Em diferentes trabalhos, diferentes pessoas se sobressaem. Mas não é porque dei um papel, mas porque elas se deram melhor naquele trabalho.    Qual é o espetáculo campeão de público? Depende. No Brasil, “Maria, Maria” (1977) foi um campeão de público evidente. “Missa do Orfanato” (1989) também. No exterior, os campeões têm sido “Parabelo” (1997), “Bach” (1996)... é difícil dizer... “Lecuona” (2004) foi escolhido pelo público em votação pela internet em 2010... No Brasil, sim... Mas lá fora não fazemos tanto “Lecuona” quanto fazemos “O Corpo”, “Parabelo”, “Bach”... É difícil dizer porque lá fora apresentamos o tempo todo peças do repertório.   Qual é o seu preferido? O preferido é sempre o último. Mas “21” (1992) foi um trabalho em que eu tive uma parceria muito boa com Marco Antônio Guimarães (do Uakti). A “Missa do Orfanato” também é um trabalho que eu adoro. Em “Lecuona” tive uma boa parceria com nosso cenógrafo Fernando Velloso. É um espetáculo que nasceu a partir das conversas que tive com o Nando a respeito das canções (de Ernesto Lecuona). Gosto muito de “Sem Mim”, de “Nazareth” (1993).   A música é muito importante para seu trabalho. Quando você encomenda uma trilha, o que busca nela? Como são os músicos convidados para criar para o Corpo? Primeiramente, não sou eu quem convida. Às vezes sou eu, às vezes, não. Diversas vezes, alguém sugere. Mas normalmente, como somos pessoas que convivem muito, temos gostos muito parecidos. E quando nós convidamos, são compositores pelos quais somos apaixonados pelo trabalho. Isso é o básico. O legal é nós chamarmos sempre compositores de música popular brasileira que não fazem música para dança. Os focos são diferentes. Existiu até um compositor que quis se enveredar para um lado mais clássico, mas a gente o chamou e disse: “nós queremos você, não você fazendo música para dança”. Essa novidade musical é sempre fundamental para mim, para criar. Como são músicos, eles vêm sempre com ideias muito diferentes, muito novas. Música e dança têm que ser uma coisa só.    Muitos grupos de dança do mundo todo têm investido em performances acrobáticas, em tecnologia multimídia. Você já pensou em aderir a algumas dessas tendências? De cara, uma coisa que nós sempre fomos contra no Grupo Corpo é ir atrás de tendências. Isso é básico. Não significa que um dia não utilizemos coisas de tecnologia, mas se o trabalho pedir, se houver uma necessidade artística para isso, mas não simplesmente para fazer algo a partir da tecnologia. Mas eu não sou muito fã de fogos de artifício. Cirque du Soleil é muito lindo, mas é outra coisa. Fogos de artifício são outra história.    O Grupo Galpão viu seu patrocínio da Petrobras decrescer ao longo dos anos e buscou outros patrocinadores. E o Grupo Corpo? Como está hoje a relação com a Petrobras? A relação com a Petrobras é muito boa, mas também decresceu. Nós estamos abrindo o leque também. A relação com a Petrobras sempre foi boa, quando começamos, tínhamos outros patrocinadores, mas eles pediram exclusividade. Eles tinham interesse por causa do nome do grupo que é forte no exterior. Bom, nos últimos anos, o patrocínio diminuiu, mas continua existindo a relação. A Petrobras está presente, mas estamos buscando outras alternativas, que são necessárias. O patrocínio não cobre todos os custos. Cobre de 40% a 50% dos custos e o resto temos de cavar todo ano. O restante vem principalmente de cachês no exterior, que cobre grande parte dos custos, e de venda de espetáculos aqui e ali. Tem gente que acha que a gente é milionário, essa é a maior balela. Temos que matar um leão por dia. São cerca de 60 funcionários de carteira assinada, só de bailarinos são 22. O grupo quando viaja pelo mundo inteiro são 32 pessoas, entre bailarinos e staff técnico. Custo disso, de passagens, hotel e mídia, é muito grande. Movimenta-se muito dinheiro, que é diferente de ganhar muito dinheiro. 

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