Em 1992, John Ulhoa decidiu formar uma nova banda. O guitarrista mineiro, que já tocava há dez anos com o Sexo Explícito, um dos primeiros grupos a carregar a bandeira do indie em BH, chamou dois amigos para a empreitada. Conheceu ambos na loja Guitar Shop, que montou com o irmão na época. O baixista Ricardo Koctus era vendedor e a cantora Fernanda Takai, cliente. Os dois também tinham trabalhos autorais e o trio, que a princípio se chamava Sustados por 1 Gesto, logo mostrou que tinha uma mistura potente. John queria um nome que não revelasse o estilo que tocavam, para que pudessem passear sem amarras por diferentes ambientes musicais. E ali nascia o Pato Fu, instituição da cultura pop brasileira, que completa 25 anos em 2017.
A banda, que hoje conta também com os integrantes Richard Neves (teclado) e Glauco Mendes (bateria), já soma dez álbuns de estúdio, um ao vivo e diversas canções e clipes que marcaram gerações. Mas no começo, o Pato Fu chegou mineirinho, apostando na força dos shows, como lembra John. “Queríamos que o show fosse divertido, mesmo sem termos hits. Não tínhamos muita pretensão de termos sucesso radiofônico, mas achamos que os shows poderiam ser muito bons se as músicas tivessem uma dinâmica bem maluca. Foi o que fizemos”, conta o guitarrista, em entrevista ao Hoje em Dia.
John lembra que na época do lançamento do debut “Rotomusic de Liquidificapum” (1993) a banda era influenciada pela efervescência do pop, do rock e do grunge. “Uma influência específica daquele tempo acho que foram os Pixies. E o Mano Negra, que conhecemos num show em BH. Eles tinham essa dinâmica ensandecida que procurávamos. A cena indie local nessa época certamente nos influenciou, tocamos juntos com muitas bandas, aquele som pesado dos 90 estava à solta, captamos um pouco daquilo também”, ressalta.
Primeiros gols
Foi com o álbum “Gol de Quem” (1995) que o Pato Fu começou a ganhar os holofotes, emplacando clipes na MTV, capas de revistas e shows pelo Brasil. “Foi nosso primeiro disco por uma grande gravadora, produzido por um produtor experiente, Carlos Savalla”, pontua John. Na época, o Brasil vivia uma profusão de bandas que configuravam o ch<CS9.3>amado pop-rock nacional–como Chico Science, Raimundos, Planet Hemp e O Rappa–e o Pato Fu logo instalou-se como um nome inventivo e consistente. “Acho interessante que essas bandas formavam uma cena coesa, bem típica dos 90, apesar das diferenças estéticas entre elas. É mais fácil perceber isso agora, com um certo distanciamento¨, relembra John. “Éramos companheiros de estrada, fazíamos muitos shows e festivais juntos, algumas pessoas dessas bandas se tornaram amigas de verdade, foi uma fase muito legal”.
INÍCIO– Banda nasceu do encontro entre John, Ricardo Koctus e Fernanda Takai em uma loja de instrumentos
UM ‘PATO’ FAMILIAR: CRIADO E CRESCIDO EM CASA
Uma característica dos profícuos anos 90 –década em que o Pato Fu lança outros dois discos cheios de hits, “Tem Mas Acabou” (1996) e “Televisão de Cachorro” (1998) -–era o poderio das gravadoras e o frescor da MTV, que chegou abrindo novas possibilidades. “As gravadoras eram poderosas, mesmo que muitas vezes fosse difícil fazê-las usar esse poderio em prol de uma banda de rock. Mas funcionou muitas vezes, assim como já funcionava pra outros gêneros”, diz John.
Ao longo dos anos, o Pato Fu foi experimentando, passeando por diferentes sons, entre o indie, o rock e o pop, e driblando muito bem o fato de não serem uma banda do eixo Rio-São Paulo. “Isso pode ter dificultado alguma coisa sim, mas facilitou outras. O dia a dia, a rotina de ensaios, a proximidade da família. Ter uma vida mais estruturada ajudou a gente a ter essa carreira longa que temos”, pondera. “A opção de ir morar no Rio ou em São Paulo era algo que eu já tinha feito com minha outra banda, e é algo meio “vai ou racha”. Nessa época começamos a fazer longas turnês, de modo que ficávamos muito tempo na estrada, e isso diminuía a diferença que faríamos estar ou não nesses centros”, relembra John.
FAMÍLIA– O casal Fernanda e John optou por criar raízes na capital mineira, onde mantém também ativa base de fãs
Grupo
O guitarrista defende que a criação coletiva e as influências distintas de cada membro foram dando o tom da mistura musical do Pato Fu, que se ressignificou com o tempo. “Penso que fomos soando cada vez mais como uma banda que representa uma mistura das influências dos membros. No começo era praticamente um projeto meu com a participação dos outros. E absorver a influência dos outros foi uma busca minha também, porque eu sabia que tinha muito mais riqueza ali”, afirma. (LB)
‘Música de Brinquedo’ terá segundo volume, revela John
Sobre o trânsito sem tropeços entre o indie e o mainstream que o Pato Fu conseguiu manter em seus processos criativos ao longo desses anos, John ressalta que foi preciso manter a postura. “Mesmo dentro de uma gravadora multinacional mantivemos nossa independência e liberdade de escolhas. Sinto que o Pato Fu é uma banda que pode chegar nas pessoas pela grande mídia, mas muitas vezes também chega através daquela descoberta pessoal, de uma de nossas vertentes, de musicas menos conhecidas”, afirma o guitarrista, para quem a aventura infantil de “Música de Brinquedo” (2010) foi a mais radical experiência da banda– e terá um volume dois, já em gestação.
“Ao construirmos nossas próprias famílias, começamos a conviver mais com o universo infantil, buscar músicas para os nossos filhos, procurar brinquedos musicais nas lojas. E sempre cultivamos o álibi para fazer o que desse na telha. É infantil, mas ao mesmo tempo, a coisa mais radical que já fizemos. Podia ter dado muito errado”, pontua. “Mas foi muito bem sucedido, virou turnê, ganhou Grammy, e é uma fonte muito preciosa de alegria e de contato com novos e velhos fãs”, destaca o guitarrista.
Atualmente, o Pato Fu segue mais ativo que nunca, circulando com três shows diferentes pelo Brasil: de “Não Pare Pra Pensar” (último lançamento da banda, de 2014), de “Música de Brinquedo” e da trilha ao vivo de “As Aventuras de Alice no País das Maravilhas”, com o Giramundo, em que a banda toca toda a música do espetáculo e Fernanda Takai faz a voz de Alice. “Fernanda também faz os <CW-25>shows da carreira solo dela. É bastante coisa. Além disso, cada um cuida de suas atividades pessoais”. <TB>Mas qual a diferença entre fazer rock com 20 e com 50 anos? “Ah, hoje em dia preferimos shows que acabam cedo”, diverte-se John, tentando desvendar os segredos para manter na ativa e com fôlego uma banda por tanto tempo. “Acho que nossas escolhas de carreira fizeram a diferença. Sempre fomos cuidadosos no que fazer ou não. Nunca deixamos de olhar pra carreira a longo prazo. Um início de carreira bem sucedido é uma coisa rara, e você tem que cuidar disso muito bem, pois é muito fácil de se perder”. (LB)
CRIATIVIDADE– Pato Fu chega aos 25 anos atravessando gerações distintas, como símbolo de ousadia no pop rock brasileiro
Além disso
Em maio deste ano, foi lançado um tributo aos 25 anos do Pato Fu, com versões de dezenas de bandas independentes de diferentes estados brasileiros. Com dois volumes, cada um com 15 gravações inéditas, “O mundo ainda não está pronto – Um tributo ao Pato Fu” traz releituras de clássicos do trio mineiro–como “Água”, “Me Explica” e “Deus” – feitas por nomes ainda pouco conhecidos do pop brasileiro.
“Achei incrível terem feito isso. E completamente na surdina, só ficamos sabendo quando lançaram!”, conta John Ulhoa. “Claro que tenho minhas preferências ali, mas no geral gostei muito de terem ‘desrespeitado’ os arranjos originais. É o que a gente mesmo sempre fez com nossos covers”, completa.
O disco tem produção de João Pedro Ramos e Rafael Chioccarello, e capas criadas pelo designer Pedro Gesualdi, com inspiração nos robôs gigantes do clipe da música “Made in Japan”, de 1999. Os dois volumes podem ser ouvidos no site oficial do projeto, que leva o nome da música escrita por John e Rubinho Troll, gravada pelo Pato Fu no primeiro álbum, “Rotomusic de Liquidificapum” (1993)