Primeiro disco de Bélico, '#Bandido' é afronta poética e eletrônica ao racismo velado

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
27/05/2018 às 22:47.
Atualizado em 03/11/2021 às 03:18
 (Zadô Luz/Divulgação)

(Zadô Luz/Divulgação)

“Ser negro é tornar-se negro”, categorizou a escritora Neusa Santos Souza. A reflexão vai ao encontro do primeiro trabalho solo de canções de Diogo Henrix, intitulado “#Bandido”. Sob a alcunha de Bélico, o mineiro de Ipatinga assume seu lugar de fala enquanto artista negro, queer e independente, em nove faixas carregadas de elementos eletrônicos que transbordam potência lírica por meio do deboche e do terrorismo poético. 

Nascido em 2011, o Bélico caminhou despretensiosamente ao longo dos anos, paralelamente a outros projetos de Henrix. Além de fazer parte das bandas Absinto Muito e Swing Safado, o artista se enveredou pela música eletrônica e hoje, assinando como O PALA, é DJ residente da festa Mientras Dura.

Em “#Bandido”, Henrix costura suas influências musicais e “rachaduras sociais” em letras contundentes como as de “Taurino” e “Autotune Trapstar” – que tem participações de Zadô Luz e Dedé Santaklaus. “Sou eu me colocando no meu lugar, sem abaixar a cabeça. Lugar de pessoa negra, que já passou por muita coisa e ainda não tinha tido o estalo dos motivos velados, mas que não quer mais ficar calada”, ressalta.

Gravado no homestudio Caramelo 47 (que divide com Santaklaus e Vinícius Rodrix), o álbum foi masterizado no Estúdio Minotauro. Já as vozes foram gravadas por André Xina, em um processo curioso. “Gravamos dentro de um armário, para chegar ao timbre que eu queria. Com os anos, fui assumindo minha voz, que é muito feminina. E eu trago esse feminino comigo, o que nunca foi motivo de não aceitação, pelo contrário”, sublinha. 

As faixas, cujas letras foram escritas majoritariamente por Henrix, conduzem o ouvinte a um passeio por diferentes ambientes, texturas e gêneros musicais. “Com a Mientras Dura, comecei uma pesquisa forte na música eletrônica e étnica, o que trouxe muitos ritmos para o meu universo”, afirma, citando estilos como o zouk e o kuduro. “Pego essas e referências e misturo de um jeito próprio, com a música brasileira intrínseca”, afirma. 

O contraste rítmico e estético marca todo o álbum – a começar pela capa, que traz Henrix com uma maquiagem forte e feminina, junto ao título escrito em uma tipografia agressiva, semelhante à das bandas de black metal. “Musicalmente, o disco não é agressivo. A agressividade está, talvez, nas letras, na forma como são colocadas. Essa coisa da violência como alegoria poética sempre me inspirou”, diz, citando a influência de Roberto Piva. 

Ao fim da audição, ecoam os versos de “Mú”, faixa que abre o disco: “Depois do susto / sorrir e cair”. “O susto é perceber as diferenças de tratamento por causa da pele. E sorrir e cair diz do desespero que leva à luta”, crava.
 

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