Rapper Emicida fala sobre primeiro disco físico e polêmicas

Cinthya Oliveira - Hoje em Dia
05/09/2013 às 09:34.
Atualizado em 20/11/2021 às 21:40

Emicida, 28 anos, é um dos artistas mais comentados na imprensa nacional há três anos, mas só agora o rapper paulista lança um disco físico, o ótimo "O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui".

O trabalho conta com participações variadas (Tulipa Ruiz, Wilson das Neves, Fabiana Cozza e outros) e dialoga com diferentes sonoridades, como black music e samba. Confira trechos da entrevista sobre música, empreendedorismo e polêmicas.

O que há de diferente entre "O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui" e as mixtapes que lançou anteriormente?

Artisticamente falando, quis muito colocar em um único disco minha vivência entre vários gêneros, meus passeios musicais. Quis fazer rap próximo da forma tradicional, porém visivelmente é uma amálgama que faz justiça à música brasileira atual. Todas as texturas e as emoções flertam com nossa riqueza poética, de "Crisântemo" a "Trepadeira", cada um tem uma pesquisa totalmente diferente que visa mostrar todos os campos que me enviam inspiração de alguma forma.

"O Glorioso Retorno" não está disponível para download em seu site. Você acredita que o brasileiro está aprendendo a pagar pelos discos? Para você, que já vendeu disco de mão em mão a preço baixíssimo, qual é a melhor forma de divulgar a música?

O fato de não estar disponível para download gratuito foi proposital. Tudo que faço em meus lançamentos tem caráter experimental, sempre, em todos os casos estou estudando plataformas e estratégias. Nesta em especial quis transformar o YouTube em plataforma principal do trabalho, depois o iTunes. Links piratas apareceriam tendo ou não um download oficial gratuito disponibilizado por mim, então meu foco foi estudar outras maneiras de distribuir músi-ca aliando digital e analógico, off line e on line. Até então tem dado bons frutos, melhor até do que esperávamos. Acho que uma quantidade maior de pessoas tem aceitado pagar pelos discos. É um processo de re-educação. Acho que estudamos pouco esse campo no Brasil, aguardamos diretrizes americanas e europeias e tentamos adaptá-las à nossa realidade. Meu sonho é um centro de estudos que consiga fazer uma análise complexa e profunda da realidade brasileira e da América Latina para a difusão do entretenimento conhecendo as bases dos mercados internacionais, mas respeitando as culturas locais, sintetizando ambas para obter o melhor resultado.

A sua empresa, Laboratório Fantasma, tem se tornado uma referência no mercado nacional. Quais são os segredos para ser empreendedor no universo da música independente?

Não existe segredo. Existe trabalho. Estamos onde estamos por coragem e disposição. Tínhamos – eu particularmente –, o sonho de ver os pretos donos do que produziam e hoje somos isso. Sabe a imagem dos escravos carregando as carroças para os senhores de engenho? Queria muito fugir disso, e existem poucos jovens pretos na minha geração que têm resultados tão bons quanto os nossos. Enfim, sou de uma família de camelôs. Embora pareça clichê, aprendi muito sobre negócios nas ruas.

Como sua música tem sido recebida em países de línguas diferentes? Como foram suas passagens por países como Estados, Unidos e Alemanha?

Nossa última tour, nos Estados Unidos, foi impressionante. No Brooklyn Bowl, que foi o local da última apresentação, foi fantástico. Acredito que hoje tenho maturidade suficiente pra conseguir ler os diferentes contextos onde insiro minha música. Ficamos um mês rodando no interior da Europa – Alemanha, Suíça, Portugal. Foi bem educativo para eu subir num palco num país onde não entendiam nada do que eu estava falando, e me fazer entender. Foi enriquecedor até mesmo para as apresentações do Brasil.

A música "Trepadeira" rendeu uma polêmica na imprensa (por causa do verso "merece uma surra de espada-de-são-jorge"). Qual é a sua posição sobre uma mulher promíscua? Que avaliação faz dos textos que o acusaram de misoginia?

"Trepadeira" é uma música de dor de cotovelo, de um homem decepcionado porque foi traído por uma mulher que ele queria só para si, e ela não queria o mesmo. Ponto final. Quem condena a vida promíscua de homens ou mulheres não sou eu, nem a música – aliás, a mulher vai embora bem feliz no final, e a imagem que tenho ao fim da música é a de um homem sentado na calçada amaldiçoando a garota sozinho pra um amigo porque ela foi ser feliz sem ele. As incertezas sobre esse tipo de comportamento estão muito mais em quem me acusa do que em mim.

Sobre os textos, em um primeiro momento fiquei triste, hoje minha leitura é que "jornalismozinho" canalha nós temos neste país. Vários veículos de comunicação que nem me procuraram pra falar do assunto saíram dando destaque a essa situação como se eu tivesse me assumido machista, o que é uma esquizofrenia. Acho que minha história deveria ter um pouco de peso dentro dessa discussão. Mas enfim, a tinta que encobriu a ditadura ainda é fresca.

A história da prisão em Belo Horizonte (em maio do ano passado, após show no "Palco Hip Hop", por desacato à autoridade) já teve um ponto final? Você mudou ou avaliou a sua postura no palco após aquele episódio?

Está em aberto, correndo na Justiça. Aliás, quase tive um visto de trabalho negado por causa disso. Eu não mudei nada na minha postura. Na verdade, se houve alguma mudança foi no sentido de estar mais próximo dos temas que creio serem importantes para a realidade brasileira e não abdicar de lutar por eles em momento algum. Sou um estudioso da arte da comunicação, da arte de utilizar palavras para transferir uma informação, isso me fascina e me dedico mais a isso para utilizar em prol do meu povo, das quebradas e das favelas do Brasil.

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