Por razões que já não consegue mais se lembrar, Renata Sorrah atravessava (mais) uma crise de adolescência quando o pai, alemão de Berlim, lhe recomendou o trabalho, tentar criar sempre, como remédio para as desilusões, para trazer sentido profundo à vida. E acatar o conselho paterno teria lhe garantido o ar disposto, jovial, a solicitude com a qual a atriz carioca pauta sua vida e carreira.
É novamente o trabalho o que traz Renata a Belo Horizonte, onde encabeça "Esta Criança", de sexta (4) a domingo (6), no Teatro Bradesco. Não perca.
Nesta primeira parceria da grande atriz (de teatro, TV e, mais esparsamente, do cinema) com a Cia Brasileira de Teatro (PR), Márcio Abreu dirige um texto do ator, diretor e dramaturgo francês Joël Pommerat, apontado como uma das principais referências do teatro contemporâneo.
"É um texto lindo, radical e condensado", avalia Renata, frisando que seria "o que mais nos tocou", entre todos os textos de Joël Pommerat, desde as leituras que ela e o pessoal da Cia Brasileira realizaram em Curitiba. "Cada cena nos tocava um lugar, muitas vezes me deixava sem ar. Por isso, não tivemos dúvida", garante a atriz.
Estruturada em dez cenas, esta obra de Pommerat não dá nome aos personagens, não persegue curva dramática ou psicologismos: "É uma escrita muito interessante, muito exata e essencial. Lança luzes sobre relações familiares, quando elas já estão no seu ápice", adianta Renata, aconselhada por Ariane Mnouchkine, do Teatro du Soleil, a montar o autor. Antes até de Márcio Abreu abrir seu interesse em tê-la na Cia.
"Um dia, no Rio, fui ver ‘Vida’ (um dos trabalhos mais premiados da Brasileira), achei maravilhoso, e uma amiga me falou do interesse do Márcio em trabalhar comigo", revela Renata. Este primeiro encontro desdobrou-se em muitos outros, em amizade. E no desejo de produzir uma peça. Começaram por ler "Incêndios" (peça de Wadji Mouawad, depois transposta ao cinema, e agora em cartaz no Rio, com Marieta Severo à frente do elenco dirigido por Aderbal Freire Filho), depois se limitaram a Pommerat.
Foram três meses de ensaios, de trabalho pesado para erguer "Esta Criança". Renata mais Ranieri Gonzales, Giovana Soar e Edson Rocha interpretam os 22 personagens do texto. Outros parceiros da Cia completam a ficha: Nadja Naira (luz e assistência de direção), Fernando Marés (cenografia), Márcia Rubin (movimentos) e a mineira Babaya (preparação vocal).
Um sucesso, unânime, de público e de crítica
Criada há 14 anos, por Márcio Abreu, a Cia Brasileira de Teatro chamou atenções além do Paraná ao participar do Festival de Curitiba de 2003 com "Volta ao Dia". Foi eleita, na ocasião, como a melhor do Fringe – e o Hoje em Dia frisava este surgimento tão alvissareiro.
Fruto, sobretudo, da parceria que estabeleceu com o grupo Espanca!, a Cia trouxe "Volta ao Dia" à cidade. Depois "Suíte", "Vida", "Oxigênio" e "Esta Criança", mais recente das suas 11 montagens.
A Brasileira afirmou sua estética, novos autores, e gerou um público que a aguarda, ansioso. Se aliar a Renata Sorrah só fez ampliar todo este interesse.
Conhecida e respeitada pelos muitos trabalhos que realizou na TV (quem não lembra de Heleninha Roitman e Nazaré Tedesco?), Renata é sempre associada à intensidade que imprime aos seus personagens, por oferecer o máximo de si a todos eles.
Menos lembrada pelo cinema – causou forte impressão em "Matou a Família e foi ao Cinema", de Júlio Bressane, mas tem se contentado com pequenas, mas marcantes participações em filmes de jovens diretores talentosos –, seus trabalhos em teatro pouco chegam a BH.
"Esta Criança" é uma oportunidade ao espectador local. Parte do que anima a significativa procura antecipada pelos ingressos. Além disso, a peça é aplaudida por público e crítica, quase que unanimemente – apesar da máxima de Nelson Rodrigues contra os consensos.
Embora não tenha levantado um prêmio sequer, "Esta Criança" já recebeu 14 indicações: cinco do Shell/RJ (direção, música, cenário, luz e atriz), quatro do APTR/RJ (espetáculo, direção, atriz e cenário) e outras cinco do site Questão de Crítica (espetáculo, elenco, ator, atriz e cenário).