Resgatados em 2011, 21 poemas de Pablo Neruda chegam em edição bilíngue

Elemara Duarte - Hoje em Dia
13/09/2015 às 10:17.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:44
 (Hoje em Dia )

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A preciosidade que chega às livrarias brasileiras se chama “Teus Pés Toco na Sombra e Outros Poemas Inéditos”, do escritor Pablo Neruda (1904-1973). Editado pela José Olympio, o livro traz 21 poemas inéditos deste chileno que venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 1971.   A publicação (144 páginas, mais encarte com fac-símiles de manuscritos e datilografados, R$ 35) foi organizada pelo diretor de Biblioteca e Arquivos da Fundação Pablo Neruda, Darío Oses. Ele falou ao Hoje em Dia que o Neruda encontrado nestes textos é o mesmo que os fãs conhecem: reflexivo e satírico diante do mundo, viajante, um trabalhador da poesia e, como sempre, amoroso.   Os textos começaram a ser reunidos a partir de 2011. “A descoberta não foi como desenterrar um tesouro. Isso porque os poemas não foram encontrados juntos em um único momento. Na biblioteca, fizeram a catalogação do arquivo de originais da obra de Neruda, que é preservada na Fundação”, lembra.   Em seguida, no balanço do que foi ou não publicado resultaram textos que pareciam inéditos. Oses explica que tais textos foram catalogados temporariamente como “possíveis inéditos”. Após o estudo de toda a obra, garantiu-se que os poemas não eram as primeiras versões de outros já publicados.   “Pela sua qualidade literária, estão no auge da melhor poesia de Neruda”, considera o diretor, informando que outros textos foram descartados. São “rascunhos fragmentários” ou alguns “poemas ocasionais” dedicados a amigos.   Febre amorosa   Basicamente, o livro é dividido em duas partes: “Poemas de Amor” e “Outros Poemas”. No primeiro, cujo verso inicial inspira o título do novo livro, Neruda se declara sensualmente à mulher e principal musa, a cantora Matilde Urrutia (1912-1985): “Teus pés toco na sombra, na luz as tuas mãos/ e no voo me guiam os teus olhos de águia/ Matilde, com os beijos que aprendi de tua boca/ meus lábios aprenderam a conhecer o fogo”.   Daí em diante, Pablo Neruda é pura febre amorosa, detalhando êxtase, medos e alegrias diante do afeto primordial à vida, como no “Poema 3”: “Aonde foste Que fizeste/ Ah meu amor/ quando por esta porta/ não entraste, só a sombra,/ o dia/ que se gastava, tudo/ o que não és,/ fui buscando-te/ em todos os lugares,/ me parecia/ que estavas no relógio, que talvez/ te escondeste no espelho”.   Neruda cultivou amizade com vários escritores brasileiros, como o amazonense Thiago de Mello, o baiano Jorge Amado e o carioca Vinicius de Moraes. Com o “Poetinha”, viajou pelo Brasil, passando por Rio de Janeiro, Belo Horizonte e as históricas mineiras Ouro Preto e Congonhas. Nesta, lembra Darío Oses, observou sobre Aleijadinho: “É o nosso Michelangelo americano”.   Conheça alguns dos manuscritos de Neruda e a capa do novo livro:     Íntegra da entrevista com Darío Oses, diretor de Biblioteca e Arquivos da Fundação Pablo Neruda, no Chile:   Hoje em Dia - Será que há outros poemas inéditos de Pablo Neruda perdidos por aí? Darío Oses - Sempre há chances de que haja algum outro poema inédito, mas não sei onde. Por exemplo, Neruda escreveu muitos poemas ocasionais e em circunstâncias festivas e esses escritos eram usados para entregar aos seus amigos em uma reunião social. Alguns poemas deste tipo påodem estar espalhados ou perdidos entre livros e papéis pelo mundo. Mas é improvável que ainda existam poemas inéditos da qualidade literária destes que foram encontrados nos arquivos da Fundação.   Como é o trabalho da Fundação Pablo Neruda? A Fundação Pablo Neruda mantém as três casas que o poeta tinha: uma em Santiago ("Casa Museo La Chascona"); outra em Valparaíso, em um porto no século 19 ("Casa Museo La Sebastiana"); e a terceira em Isla Negra, no litoral central do país ("Casa Museo Isla Negra"). Estas casas são preservadas como museus e mostram os ambientes em que o poeta viveu e criou. Nelas há coleções de objetos como conchas, figuras, garrafas, mapas antigos, borboletas, etc. que Neruda colecionou em suas viagens pelo mundo. Para visitar estas casas é preciso pagar um ingresso. Afinal a Fundação é uma entidade privada e precisa se manter. As portas estão abertas de terça-feira a domingo e a manutenção é feita na segunda-feira. A Fundação também realiza muitas atividades gratuitas culturais, oficinas de poesia, publica revistas literárias, e oferece bolsas de estudo para os participantes. Todo ano há também distribuição de prêmios para a criação poética.   Os poemas do novo livro "Teus Pés Toco na Sombra", descobertos entre 1950 e 1973, mostram um Neruda diferente? Em geral, estes poemas não costumam mostrar um poeta diferente daquele que já conhecíamos. Os temas são os mesmos: o amor; o mundo; as viagens; a reflexão sobre a poesia como um trabalho tão digno e humilde como os demais ofícios; a visão lúdica e satírica de certos aspectos da vida moderna; e a recapitulação poética de sua própria biografia.   Qual foi a reação de vocês ao descobrir estes poemas? A descoberta não foi como desenterrar um tesouro. Isso porque os poemas não foram encontrados todos juntos em um único momento. Em 2011, o diretor da biblioteca e seu assistente começaram um trabalho de catalogação detalhada do arquivo de originais da obra de Neruda, que é preservada na Fundação. Uma das fases desta documentação identificou a que poema ou prosa correspondida cada manuscrito ou datilografado original, e em qual livro tinham sido publicados.   E os inéditos? Assim, chegamos a estes textos que não haviam sido publicados em nenhum dos livros de Neruda, nem mesmo em compilações de seus escritos ou em qualquer uma das edições das obras completas dele. Estes textos foram catalogados temporariamente como "possíveis inéditos". Posteriormente foi feita uma revisão de todo o trabalho do poeta, para garantir que esses poemas não seriam as primeiras versões de poemas que já tinham sido publicados. De todo o material novo que conhecemos, estes 21 poemas inéditos foram selecionados para possível publicação, considerando que eles tinham um desenvolvimento interessante e que pela sua qualidade literária estavam no auge da melhor poesia de Neruda. Outros textos foram descartados como rascunhos fragmentários ou alguns desses poemas ocasionais, que me referi na resposta à primeira questão.   Estamos em Minas Gerais, um estado do Brasil, país onde Neruda teve amigos e hoje possui muitos fãs. Poderia relatar alguma curiosidade ou história sobre Neruda em relação aos brasileiros? Um dos grandes amigos de Neruda foi o escritor baiano Jorge Amado (1912-2001). Em 1957, eles se reuniram em uma conferência de paz no Ceilão. A partir daí, eles viajaram pela Índia em aviões precários e enfrentaram turbulências, pois chovia em todos os lugares. Neruda lembra que enquanto voava a 10 mil metros de altitude, um monge abriu um guarda-chuva dentro do avião, por causa do vazamento de água, para continuar a ler seus textos sagrados tranquilamente. Enquanto isso, Neruda observava o rosto de Jorge Amado, que passou de branco para amarelo e de amarelo para verde. Amado, por sua vez, olhou as mesmas mutações de cor no rosto do poeta. Finalmente, eles chegaram na Birmânia, onde trinta anos antes Neruda escreveu o livro “Residência na Terra”.   E sobre a viagem deles para a China? De lá, eles voaram para a China. Subiram o rio Yang Tsé em um barco com mil passageiros. Nesta viagem, o romancista e o poeta viajavam com suas esposas, Zélia Gattai (1916-2008) e Matilde Urrutia (1912-1985), respectivamente. No barco, todos os dias eles recebiam uma requintada comida chinesa, mesmo assim, começaram a se cansar dela. Foi então que Neruda quis comemorar seu aniversário a bordo comendo um frango assado simples. Então pediram ao poeta Ai Qing (1910 - 1996), que foi o anfitrião deles, e ele disse que tinha de consultar uma comissão, mas fez todos os tipos de objeções. A última foi que não havia um forno no barco, mas Zélia e Matilde tinham localizado um, assim, Ai Qing e seu comitê não puderam recusar o pedido. Em suas memórias, Neruda observa: "Aquele 12 de julho, a data do meu aniversário, tivemos em nossa mesa nosso frango assado, prêmio de ouro desse debate. Um par de tomates com cebola brilhavam na pequena bandeja. Além da grande mesa, cheia, como todos os dias, com as ricos pratos de comida chinesa”.   E a amizade de Neruda com escritor Thiago de Mello? Igualmente próxima foi a amizade com Thiago de Mello com Neruda, o grande “poeta da Amazônia”. Eles se conheceram no Brasil no início dos anos 1960. A amizade se estreitou quando Thiago se radicou em Santiago, como adido cultural da Embaixada do Brasil. Era uma amizade frutífera. Eles traduziram uns aos outros para serem conhecidos nos seus respectivos países. Thiago traduziu para o português cinco livros de Neruda, e preparou a primeira antologia do poeta chileno publicada neste idioma. Ele fez também uma edição espetacular do livro de sonetos “Los Intimos Metales”, do poeta chileno Homero Arce (1901-1977), com ilustrações de Neruda.   O "Poetinha" apresentou Minas para Neruda. Teria alguma passagem interessante desta viagem para contar? Em outubro de 1968, em uma de suas reportagens em jornais, o Neruda narra a viagem feita pelo Brasil com Vinicius de Moraes, passando por Ipanema (bairro carioca), Belo Horizonte, Ouro Preto, entre outras cidades. Nestas, Neruda expressou sua admiração que sentiu ao ver a obra de Aleijadinho, em Congonhas: "O nosso Michelangelo americano". Na curiosa e engenhosa história de Pablo Neruda, Vinicius também recordaria esta visita a Congonhas, onde viu uma procissão com uma multidão de pessoas infelizes que vinha de todos os cantos. "Observou a todos seriamente", pontuação de Vinicius. "As pessoas por quem tanto lutou. Ali vivendo apenas da esperança por um milagre e nada mais. Eu senti nascer um grande poema em você. Cheio de profunda piedade. Mas isso, talvez por dar tempo ao tempo, deixou de cumprir" (relatou Vinicius). Naquele momento de amizade e de proximidade, Vinicius viu dentro de Neruda o germe de um poema que poderia ser, mas não foi. Somente Vinicius poderia lê-lo, obscuro, mal delineado nos gestos do poeta. Isso porque Neruda não teve tempo de escrever sobre todas as coisas que o deslumbraram. E uma delas foi o Brasil.

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