Roteiro inteligente ao abordar descoberta da sexualidade na adolescência

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
26/08/2021 às 20:17.
Atualizado em 05/12/2021 às 05:46
 (ANAGRAMA FILMES/DISTRIBUIÇÃO)

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Menina trans de 17 anos muda-se para uma pequena cidade mineira e sofre discriminação

Na mão de outros realizadores, “Valentina” correria um sério risco de ser inundado com narração em off, inserções gráficas com conversas de whatsapp, pais que parecem pertencer a um universo paralelo e sequências silenciosas em que a protagonista adolescente vê refletida as suas questões numa edição poética.

Essa não é a proposta do diretor mineiro Cássio Pereira dos Santos, que marca a sua estreia na direção de longas-metragens com “Valentina”, em cartaz nos cinemas de Belo Horizonte. Ele não quer fazer da personagem central mais do que ela é, abusando de recursos para fortalecer o seu papel diferenciado e mal compreendido.

Não está em debate a escolha sexual de Valentina, mas o que transcorre de forma adjacente e, que, muitas vezes, diz respeito mais ao modus operandi de uma sociedade. A partir dessa premissa, vemos se transformar numa bola de neve algo simples: a assinatura do pai para a adoção do nome social dela na escola.

O filme constrói essa “saga” de maneira singela e eloquente, estabelecendo uma expectativa sobre a chegada desse pai, a ponto de se imaginar os efeitos dela na vida de Valentina. O que acontece é inusitado, ajudando a reforçar a frase-emblema do filme: “Por que a minha liberdade lhe incomoda?”.

Assim entendemos aonde o roteiro espera chegar, acompanhando uma garota que não quer ser o centro dos holofotes, mas sim levar uma vida normal como qualquer outra pessoa. É aí que nos identificamos com ela, com seu jeito meio enfastiado ao ver a necessidade dos outros em querer dizer o que deve ou não fazer.

O movimento que o filme faz é contrário ao que normalmente é produzido no audiovisual sobre a temática: Valentina não  quer ser porta-voz de nada. Quer tão somente uma vida comum numa cidadezinha do interior mineiro. Isso já basta. Parte dos outros a intenção de expô-la, em estabelecer uma espécie de aberração.

Mesmo com essa força puxando-a constantemente para o centro de polêmicas e preconceitos, a personagem se mostra digna até o fim, sem arredar pé de seus desejos. Essa determinação é fundamental para se lançar uma questão que hoje é chave para compreender um país fincado na violência e no desrespeito.

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