"Sangue Azul" aborda uma melancólica paixão proibida

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
04/06/2015 às 08:47.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:20
 (Imovision)

(Imovision)

Na primeira sequência de “Sangue Azul”, um barco segue para Fernando de Noronha. Vemos a ilha ao longe, mas a imagem não traz nenhum elemento paradisíaco, “enfeiada” não só pelo uso do preto e branco como também pela entrada em cena do protagonista, que, enjoado, emporcalha as águas do mar.   Não se trata propriamente de uma tentativa de desglamurização, pois o filme de Lírio Ferreira exibirá, mais tarde, várias cenas de bela composição. A primeira informação é de estranheza, portanto. A viagem para um lugar que proporcionará várias evocações, principalmente no sentido místico.   Tragédia Grega   O retorno de Zolah (o mineiro Daniel de Oliveira) para a sua terra natal é como um chamamento, o inevitável cumprimento de um destino, como numa tragédia grega. Mas menos culposo e psicanalítico que a história de “Édipo Rei”, escrita por Sófocles, da qual extrai seu maior conflito.   Lírio está menos interessado em falar sobre convenções e mais sobre a pulsão sexual, como se a ilha ativasse essa energia. Ela é viva, misteriosa e perigosa. O veterano diretor moçambicano Ruy Guerra aparece como um narrador, destacando os genitais que ela esconde em suas belezas naturais.   Apesar de criarem impacto na comunidade pelas suas características mais livres e por suas habilidades, os integrantes do circo viram uma “ilha dentro da ilha”, como um personagem chega a observar. Essa inversão é muito curiosa, porque geralmente o que se espera do circo é o roubo da nossa ingenuidade.   Presas fáceis   Aos poucos os artistas são seduzidos por aquela aparente singeleza e beleza e, embora o diretor adote uma narrativa mais elíptica, é possível identificar elementos caros a filmes de suspense e terror, quando um grupo bastante heterogêneo se transforma em vítima de uma casa ou local sombrio.   A diferença é que não há um libertador (um herói) para fazer valer a vitória do bem sobre o mal, até porque essa dicotomia não existe no filme. Quanto mais tentam se refugiar na razão, mais se tornam presas fáceis desse “vulcão” que só faz expelir todos os sentimentos (bons e ruins) que escondemos.   Entrevista Lírio Ferreira   “Fazer cinema em Pernambuco é uma grande suruba. Por isso que a gente gosta e, às vezes errando, dá certo”   Próximo ao final do filme, o personagem de Paulo Cesar Pereio defende que a certeza plena gera covardia, enquanto a dúvida e o risco provocam movimento. Como “Sangue Azul” realiza algumas referências ao cinema, comparando-o ao circo na busca por aberrações, podemos dizer que essa frase também sintetiza a sua condução no filme? Seria uma preocupação em todos os seus trabalhos?   O cinema é mais do que a maior diversão. É a pergunta, é a dúvida, é a distância da obviedade. É a maior de todas experiências invasivas de transformação, de movimento, de sentidos. Mas é também afeto, alteridade e sonho. Como vivemos uma época de caretice, de coisas politicamente corretas, de atitudes que, pensei eu na minha inocência, já haviam sido superadas, o cinema se torna a minha ferramenta contra essa falsa facilidade contemporânea.   Cada vez mais observo, no cinema pernambucano atual, a busca de um entendimento do homem não só por sua cultura popular e situação sócio-econômica. Esse olhar também passa pelo sexo, no que há de mais misterioso e incontrolável, como um motor que também faz a trama girar. Concorda que ele está presente em “Sangue Azul”?   Pernambuco faz cinema desde o tempo em que o mesmo era silencioso. O sexo, o amor e as verdades sempre estiveram escalados pra gente contar nossas mentiras. Fazer cinema em Pernambuco sempre é uma grande suruba. Por isso que a gente gosta e, às vezes errando, dá certo.   O elenco de “Sangue Azul” tem ainda outros dois nomes de Minas: Rômulo Braga e Glicério Rosário, que fazem parte do núcleo “nativo” de Fernando de Noronha

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