Sarabanda estreia na Mostra "Ingmar Bergman - Instante e Eternidade"

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
22/04/2014 às 07:11.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:14
 (RICARDO PORTILHO/DIVULGAÇÃO)

(RICARDO PORTILHO/DIVULGAÇÃO)

Com carta branca para escolher o título de sua preferência entre as dezenas de filmes de Ingmar Bergman, o diretor Ricardo Alves Júnior driblou a tentação de adaptar para o palco do Grande Teatro do Palácio das Artes clássicos como “Morangos Silvestres” e “O Sétimo Selo” para apresentar o texto que ele considera a síntese da obra do realizador sueco: “Sarabanda”.


Cartaz desta terça-feira (22) e nesta quarta-feira (23) como uma livre transposição assinada ao lado de Grace Passô, um dos pontos altos da mostra “Ingmar Bergman – Instante e Eternidade”, o texto chamou a atenção de Alves Júnior por, aliado ao fato de ter sido o último longa-metragem do mestre, estar justamente mergulhado na questão da morte. “Existe uma relação dos personagens com a morte que atravessa todo o filme”, observa.


De criação fortemente religiosa, Bergman nunca escondeu o medo da morte, exposto em vários trabalhos (ganhou forma de personagem em “O Sétimo Selo”), chegando a afirmar, no documentário “A Ilha de Bergman”, que foi um dos seus grandes “demônios”. Em “Sarabanda”, levado às telas em 2003, a falecida esposa de Henrik é constantemente lembrada para refletir sobre uma atormentada relação familiar.


Quadro que é apresentado à advogada Marianne, primeira mulher de Johan, pai de Henrik, no momento em que ela resolve repentinamente visitar o ex, 30 anos após a separação dos dois. O papel que foi de Liv Ullmann no cinema, assume Rita Clemente. Gustavo Werneck ocupa o posto que foi Erland Josephson, como Johan. E Rômulo Braga entra em cena como Henrik.


Não foi apenas o tema fúnebre, porém, que fisgou a dupla mineira de diretores. Alves Júnior põe na balança ainda a estrutura teatral presente no filme, que conta com uma narrativa dividida em dez capítulos, com prólogo e epílogo. “No cinema, Marianne triangulariza muito com a câmera, falando diretamente com o espectador. É um aspecto muito próprio do teatro”, destaca.


“Sarabanda” – Nesta terça-feira (22), às 19h, e nesta quarta-feira (23), às 19h e 21h30, no Grande Teatro do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1537, Centro – fone: 3236-7400). R$ 20 e R$ 10 (meia).


Adaptação ganha um toque latino


Grace Passô e Ricardo Alves Júnior transcreveram palavra por palavra do filme “Saraband”, de Ingmar Bergman, e repassaram o texto para seus atores durante os ensaios iniciados após o Carnaval.


“Os diálogos foram trabalhados de uma forma muito orgânica, a partir das necessidades do elenco. Cada ator tem uma contribuição importantíssima nessa adaptação”, confirma Alves Júnior.


Ele não arrisca dizer que a peça ganhou um sotaque mineiro nesse ato de modificar frases, preferindo a palavra latinidade. “Tem algo de afetado na composição dos personagens que é muito nossa”.


PASSIONAL


O diretor pondera que a frieza característica dos dramas apresentados por Bergman no filme recebe “uma força latina, mais passional talvez”.


A mineiridade está expressa mais na escolha do elenco, representativa, de acordo com Alves Júnior, “dos vários lugares da cena teatral mineira” e que, até então, nunca havia trabalhado junto.


“É muito interessante ver essa junção, por exemplo, de um Rômulo Braga, que também vemos muito no cinema, como a figura dissonante de ‘Mutum’, e uma Marina Viana que pertence à nova cena, que é dramaturga, diretora e atriz da Primeira Companhia”, registra.


Uma das ousadias da adaptação mineira foi inverter as posições do palco e da plateia. A trama transcorre entre as cadeiras do Grande Teatro enquanto o público assiste seus desdobramentos numa arquibancada instalada no fundo do palco.


INTIMISMO


“Ao jogarmos a plateia para um lugar em que passa a ter toda a profundidade de campo de um teatro, estabelece-se um outro espaço, uma inversão do olhar, começando de dentro para fora”, destaca Alves Júnior.


O público terá a perspectiva de quem está na coxia e no maquinário e o que era um espaço gigantesco, de 1.700 lugares, gradualmente vai se fechando, valendo-se da iluminação e dos vídeos.


“Ele vai se tornando mais intimista quando passamos a adotar elementos que são próprios do cinema, como realizar um plano aberto e, em seguida, adotar um plano fechado durante um diálogo”, adianta.


Ele ainda não sabe se as apresentações ficarão restritas ao Grande Teatro. “Claro que gostaríamos de dar continuidade, mas é um projeto da Fundação (Clóvis Salgado), uma ousadia da curadoria da mostra de cinema ao reverenciar a dedicação de Bergman ao teatro”.


Câmeras atuam como espiãs, vendo e ouvindo


Outra atração de “Sarabanda” é a utilização de duas câmeras de vídeos que, ao terem suas imagens projetadas numa tela, ajudam a adensar os diálogos a partir de uma maior nitidez dos rostos dos atores.


Ricardo Alves Júnior afirma que nada foi filmado previamente e que todas as imagens são captadas e editadas ao vivo. “O que fizemos foi definir algumas posições de câmera e planos”, assinala.


A intenção da dupla de diretores é criar sensações que só o cinema pode oferecer. “Com o close, que é impossível de se fazer no teatro, podemos ver os rostos em transformação”, compara o realizador.


ESPIÃ


Esse é um dos aspectos que mais chamam a atenção de Alves Júnior na filmografia de Ingmar Bergman. “Foi o meu grande aprendizado com ele. A recepção é outra quando o rosto se torna maior que a pessoa”.


A função das câmeras também é a de apresentar cenas que estão fora do quadro. “Criamos um atrito entre o que está fora e dentro da cena. Muitas vezes, é como se fosse uma espiã, vendo uma outra e ouvindo outra”, detalha.

 

CORPO DO ATOR


Alves Júnior já tinha realizado experiências semelhantes em sua primeira investida no teatro, “Discurso do Coração Enfartado”, monólogo com a atriz gaúcha Silvana Stein apresentado no ano passado, quando também se valeu de recursos cinematográficos.


“É muito legal promover o cruzamento entre essas duas linguagens. No cinema, também recorro muito ao teatro, como o tempo da cena. Meus filmes são menos calcados na montagem e mais baseados no corpo do ator no espaço”, analisa.
 

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