“Semaninha de Arte Moderna”: a semana que dura 70 anos

Clarissa Carvalhaes - Hoje em Dia
04/05/2014 às 13:07.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:25
 (Catálogo Oficial/divulgação)

(Catálogo Oficial/divulgação)

Na quinta-feira de 4 de maio de 1944, Belo Horizonte adormeceu inquieta à espera da inauguração do que adiante seria a mais importante exposição de arte moderna do país. Nos 28 dias que viriam, a capital, que tinha como prefeito Juscelino Kubitschek (1902–1976), hospedaria os principais nomes da vanguarda da arte nacional que, sob odes de amor e fúria, apresentou obras provocadoras e polêmicas.   Artistas, historiadores, professores e críticos afirmam hoje que a apelidada “Semaninha de Arte Moderna” foi, não apenas a consolidação da Semana de 1922, como o próprio alicerce da história da arte moderna no Brasil.   Entre o amor e a fúria   Há exatos 70 anos Belo Horizonte abria as portas para a maior exposição de arte moderna realizada no país e a primeira oportunidade oferecida ao público de conhecer obras dos maiores nomes da arte modernista brasileira.    Era maio de 1944, quando Alberto Guignard (1896–1962), Burle Marx (1909–1994), Cândido Portinari (1903–1962), Di Cavalcanti (1897–1976), Lasar Segall (1891–1957), Tarsila do Amaral (1886–1973), Volpi (1896–1988) e outros 36 nomes da vanguarda desembarcaram na capital convidados a expor seus trabalhos, participar e promover debates.    Dela foram reunidas pinturas, gravuras e uma escultura de Brecheret, totalizando quase 140 obras. Desde a Semana de 1922, em São Paulo, o movimento modernista não ganhava tamanha atenção.   Evidentemente, o encontro de nomes tão polêmicos provocou odes de amor e fúria: oito telas foram retalhas com gilete, pichações foram feitas no antigo Banco da Lavoura em alusão aos “rabiscos modernistas” e uma multidão tentou, em vão, impedir os debates do ciclo de conferências que acompanhavam a exposição.   Simultaneamente, os acontecidos ocupavam as páginas dos principais jornais do país e levavam ao desatino a tradicional sociedade mineira que, acostumada com a arte academicista e clássica, absorvia, com resistência e indigestão, o modernismo na arte plástica.    Participantes de peso   Na plateia, críticos do mais alto calibre marcavam presença: Oswald de Andrade, Lourival Gomes Machado, Valdemar Cavalcantti, Décio de Almeida Prado, Sérgio Milliet; além de escritores como Jorge Amado e José Lins do Rego; o romancista Geraldo de Freitas, o físico Mário Schenberg, o historiador Caio Prado Júnior e o jornalista Samuel Weiner.   “Quando Sérgio Milliet iniciou a série de conferências falando de pintura, o salão da Biblioteca Municipal tinha relativamente mais gente do que o estádio do Pacaembu nos grandes jogos”, registrou Oswald de Andrade.   Em menção aos manifestos, o então prefeito Juscelino Kubitschek afirmou que, pela primeira vez, à sombra das velhas tradições mineiras, se organizava um movimento cultural que estabelecia raízes na substância nova e revolucionária dos espíritos modernos.    “Na rua, não garanto, mas no interior da biblioteca a palavra é livre”, disse, segundo relato do jornalista Cláudio Bojunga, no biográfico “JK – o artista do impossível”.   No catálogo da mostra, impresso nas máquinas da Imprensa Oficial, o curador José Guimarães Menegale assinou o texto de apresentação onde afirmava que “o conjunto de trabalhos reunidos na Exposição de Arte Moderna, qualquer que seja o critério dos observadores, corresponde a uma soberba documentação da crise dramática da história das belas artes no Brasil” e completou:   Faz-nos pensar que a pintura brasileira (não qualquer pintura do Brasil, mas a brasileira) chegou a uma afirmação. Isto não é uma questão de critério; é um fato histórico”.   É inegável reconhecer, portanto, que a apelidada “Semaninha de Arte Moderna” foi fundamental não apenas para o processo de modernização de Belo Horizonte – que estava às voltas com a transformação da Pampulha e a criação do Instituto Belas Artes, mais conhecido como Escola Guignard – como também para o futuro panorama artístico no Brasil.   Discutir e recordar os 28 dias de exposições e debates que se deram principalmente no Edifício Mariana e na Biblioteca Municipal é fundamental para reconhecer a capital mineira como abrigo percussor da arte moderna no país.    Mais ainda: faz-se necessário enxergar Belo Horizonte como a cidade que resistiu ao conservadorismo abrindo espaço e fomentando a arte e os artistas de uma geração que dava os primeiros passos para o modernismo brasileiro.

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