Shows reverenciam discos marcantes da MPB lançados em 1977

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
09/11/2018 às 18:33.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:45

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  A pergunta é inevitável: por que, ao produzir quatro shows que homenageariam discos importantes da MPB, a partir da interpretação de artistas de uma geração mais nova, a escolha do curador e diretor artístico Luís Filipe de Lima recaiu justamente por vinis lançados – todos eles – em 1977? “Foi um ano de uma fluência especial de trabalhos, que trazem uma assinatura muito forte. A MPB não é um gênero musical, mas sim um movimento que começou no final da década de 1960, com os festivais da canção. Esse caldo foi se adensando até chegar bastante maduro no final dos 70”, explica Lima.  O ano pode ser o mesmo, mas as sonoridades que ganharão o palco do CCBB, a partir de quarta, são bem distintas – das cores nordestinas de Alceu Valença (com “Espelho Cristalino”) ao funk do Black Rio (“Maria Fumaça”), passando pelo samba de João Bosco (“Tiro de Misericórdia”) e pelo experimental Egberto Gismonti (“Carmo”). 

Pedro Luís abre o projeto na quarta, seguido por André Mehmari e Antônio Loureiro (quinta), Verônica Ferriani (sexta) e Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz (sábado). O horário é sempre às 20h. Ingressos a R$ 30 (R$ 15, a meia)

 Lima observa que, apesar dos assuntos diferentes, os discos se completam, resultando num “painel muito eloquente, traduzindo a rica diversidade musical” daquela época de ouro para a música do país. “As gravadoras vendiam uma matéria-prima de qualidade, com trabalhos mais elaborados que faziam sucesso comercial”. SintoniaPara prestar essa homenagem no projeto que leva o título “Conexão 77 – 4 Discos Mágicos de 1977”, o curador convocou nomes sintonizados com os discos e que poderiam oferecer uma impressão de que todo o repertório teria saído da “caneta” deles, enfatizando um traço bastante pessoal, mas sem perder a fidelidade.  “A Verônica Ferriani, que ficou com o disco ‘Tiro de Misericórdia’, dedicou muito tempo ao samba, tem muito a dizer nos trabalhos dela, comunicando-se de maneira não muito óbvia, passeando por outras sonoridades e que, no show, dialogarão bem com as composições de Bosco e Aldir Blanc”, salienta Lima. Ainda na avaliação do curador, Pedro Luís, o primeiro a subir ao palco do CCBB, tem em comum com Valença, a ligação com os ritmos nordestinos. O músico carioca foi a primeira opção para um disco “de temas antológicos, com um tipo de música que não se faria hoje, sem a ditadura do metrônomo e de criação mais livre”. Ficou a cargo da dupla André Mehmari e Antônio Loureiro a tarefa de evocar “Carmo”, LP considerado um ponto fora da curva na trajetória de Gismonti, em que o multiinstrumentista evidencia mais a sua voz em canções que misturam funk, rock progressivo, erudito, experimental, baião, calipso, samba, entre outros ritmos.  “Grande nome da música instrumental brasileira na atualidade, Mehmari amadureceu muito como compositor e arranjador e tem transitado muito nesta fronteira entre o popular e o erudito. Estará ao lado do mineiro Antônio Loureiro, que tem dado muito o que falar”, salienta o curador. Para dar nova leitura a “Maria Fumaça”, ele convidou os baianos Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz, destacado pela fusão com os ritmos do candomblé. “Poderia ter chamado o Bixiga 70 ou o Mantiqueira, mas a Rumpilezz tem uma grande ousadia”, pontua Lima, revelando que os baianos já pensam em gravar o material do show. Ele acredita que, por estarem prontos, os shows deverão ganhar vida longa, com convites de apresentação em outras cidades e registros fonográficos. Lima também quer dar continuidade ao projeto, já imaginando outros anos fundamentais na discografia nacional. “A nossa música é um tesouro inesgotável”, assinala.  CCBB/DIVULGAÇÃO / N/A

  PEDRO LUÍS Não é a primeira vez que o músico carioca se aventura numa homenagem a um álbum clássico lançado na década de 70. Ele está em excursão pelo país com o show “Pérolas Negras”, que traz o repertório do disco “Pérola Negra”, de Luiz Melodia. À essa nova incursão nostálgica em “Espelho Cristalino”, de Alceu Valença, ele prefere dar o nome de visita.  “É um prazer e um desafio prestar homenagem a um disco tão intenso, variado, psicodélico e livre, vendo a repercussão que teve nos anos 90 com artistas pernambucanos do mangue beat, que também misturaram o rock com ingredientes regionais”, assinala. Como “Espelho Cristalino” conta com pouco mais de 30 minutos de músicas, Pedro Luís irá fazer acréscimos ao setlist, enveredando por temas populares de Valença. Ele também abrirá espaço a composições próprias, próximas ao universo regional e à musicalidade dos anos 70. No palco, ele terá a companhia de Jamil Joanes, baixista do grupo Black Rio, outro homenageado do “Conexão 77”. Como o show está pronto, Pedro Luís não descarta a possibilidade de viajar com ele. “É só chamar!”, avisa. CCBB/DIVULGAÇÃO / N/A

  VERÔNICA FERRIANI A cantora paulista já conhecia algumas faixas de “Tiro de Misericórdia”, mas só ouviu o disco de João Bosco de cabo a rabo após o convite para o “Conexão 77”. Foi um grande impacto, revela. “Sempre me encantaram um timbre e balanço próprios na forma de tocar e cantar do Bosco, um ídolo que bebeu em muitas linguagens tradicionais e que as reinventa sem perder seus aspectos fundamentais, altamente brasileiros”.  Para Verônica, Bosco compõe boleros e sambas com força e personalidade impressionantes. Em “Tiro de Misericórdia”, se diz instigada pela atualidade das temáticas e a coragem das letras e harmonias. Para o show, a cantora afirma que ter uma voz feminina para histórias comumente associadas ao universo masculino, “invocando Malagueta e Bacanaço, passando pelas jogatinas e pela a boemia e clamando pela liberdade dos blocos de carnaval” é um desafio bonito de se ver”, ultrapassando assim as questões de gênero. No palco, ela faz questão de seguir a ordem exata do LP. “Apesar de vivermos um momento de escuta randômica no streaming, esta é uma boa oportunidade de preservarmos a construção do roteiro do disco”. CCBB/DIVULGAÇÃO / N/A

  LETIERES LEITE E ORKESTRA RUMPILEZZ Com um trabalho dedicado aos ritmos africanos, Leite considera “Maria Fumaça” um disco referencial para a música negra no país, colocando o Black Rio lado a lado com Gilberto Gil. “O LP é uma viagem muito brasileira dentro da black music, com músicas que têm um grande significado dentro da MPB”, observa o regente e compositor. O convite para o “Conexão 77” representa um novo capítulo do grupo baiano, que pela primeira vez usará o chamado “power trio” (guitarra, baixo e bateria) numa apresentação. “Isso é inédito para nós. Não queríamos perder o balanço do funk e convidamos esses músicos que saíram de dentro da Rumpilezz, a partir do projeto social que temos”, adianta Leite. Por conta desta releitura de “Maria Fumaça”, a Orkestra já outros dois shows agendados, no Rio de Janeiro e em Salvador. “Temos também a intenção de registrar essa nossa impressão de um disco e de um grupo que nos influenciou. A faixa etária da Rumpilezz corresponde exatamente a quem foi jovem nos anos 70 e curtia o Black Rio. Este projeto está sendo levado com uma alegria absurda por todos”. CCBB/DIVULGAÇÃO / N/A

  ANDRÉ MEHMARI E ANTONIO LOUREIRO Único representante mineiro entre os artistas convidados para o “Conexão 77”, Loureiro tem uma influência inegável de Egberto Gismonti em seu trabalho. Mas confessa que “Carmo” demorou um pouco a ser descoberto, até porque ele é da geração do CD e o álbum foi um dos últimos da lavra do instrumentista carioca a ganhar o formato. Para o artista, trata-se de uma obra singular na carreira de Gismonti, a começar pelas suas parcerias e escolhas. Namorada do instrumentista na época, (a mineira) Wanderléa põe a sua voz em uma das faixas, assim como Joyce. “Havia uma levada mais pop, mais funk americano, o que não se segue na carreira dele. Egberto é mais uma figura da música instrumental, compondo peças para orquestras”, destaca Loureiro. Integrante do grupo do jazzista norte-americano Kurt Rosenwinkel, o mineiro estará no palco com o pianista André Mehmari, dobradinha que já rendeu um disco, em 2017, que traz na capa o nome dos músicos. “Nós já temos uma intimidade musical e vimos nesse show a oportunidade de fazer uma leitura um pouco mais livre, transformando algumas canções em versões instrumentais”, adianta.

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