'Star Trek': otimismo sobre o futuro e respeito à diversidade

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
31/07/2016 às 21:46.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:05
 (Arquivo Pessoal)

(Arquivo Pessoal)

A formação de César Augusto em Matemática é uma influência direta de “Star Trek”. Atual presidente do Star Trekkers – Fã-Clube Brasileiro de Jornada nas Estrelas, um dos maiores do país, com 12 mil seguidores no Instagram e 2.600 no Facebook, ele escolheu as Ciências Exatas devido à paixão pela ficção científica.

Mas é a filosofia da série que mais impulsiona esse analista de sistema, que periodicamente realiza eventos para arrecadação de mantimentos e de fraldas e para doação de sangue. “A gente promove o Natal Trekker, passando um dia no asilo, vestidos a caráter. Tentamos viver esse espírito de fraternidade e diversidade”, registra.

“Star Trek’ sempre me fascinou enquanto fenômeno não apenas televisivo e cinematográfico, mas cultural”Sylvio Gonçalves, roteirista

Ele já tirou fotos com os principais atores da franquia, mas é um fã mesmo de “Enterprise”, a última série levada ao ar. “Gosto de saber a origem das coisas e ‘Enterprise’ mostra os primórdios, com uma tecnologia mais próxima à nossa, explicando porque a testa dos klingons é daquele jeito, o porquê dos vulcanos serem lógicos”.
 Reprodução 

'Star Trek' exibiu primeiro beijo inter-racial, entre Kirk e Uhura

Uma das razões para a longevidade da série, segundo César, é a sua visão otimista do futuro. “Mostra que é possível conviver com as diferenças. É diferente de outras, como ‘Star Wars’, em que o mundo será um lixo e as pessoas se matam. ‘Star Wars’ tem um pé mais na fantasia, enquanto ‘Star Trek’ é mais científico”, compara.

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BEIJO INTER-RACIAL
O roteirista Sylvio Gonçalves destaca a capacidade de “Star Trek” de falar sobre o mundo atual. “A série original usou o disfarce do futurismo para tratar das questões raciais que abalavam os EUA de fins dos anos 1960. A série não apenas foi uma das primeiras a ter uma mulher negra no elenco de protagonistas, como lhe conferiu ensino superior e patente militar. Também mostrou o primeiro beijo inter-racial da TV americana”, assinala. 

No cinema, Sylvio salienta que o quarto longa é um dos melhores libelos ecológicos já feitos. “O quinto discorre sobre fanatismo religioso. ‘Insurreição’ fala sobre os riscos da engenharia genética. Já os dois primeiros ‘Star Trek’ de Abrams abordam o terrorismo”, descreve. Para ele, o reboot é mais focado na ação, mas consegue ser melhor que a média do atual cinema americano. UNIVERSAL/ DIVULGAÇÃOREBOOT - "Sem fronteiras" estreia em setembro, com direção de Justin Liu

LIVRO TRAZ GUIA COMPLETO DE TODOS OS EPISÓDIOS

Outro presente de aniversário para os fãs é o livro “Jornada nas Estrelas: o Guia da Saga”, que será lançado em agosto. Escrito por Salvador Nogueira e Susana Alexandria, tem como um de seus atrativos a análise da tecnologia usada na franquia e que teria influenciado a criação do celular, por exemplo.

“Em quase tudo na série, havia uma ciência por trás. Naquela época, a Enterprise já fazia a dobra espacial, que é viajar acima da velocidade da luz. Hoje já há estudos sobre uma forma de propulsão semelhante”, destaca Salvador, jornalista especializado em Ciência, que fez o livro pensando nele primeiramente.

"Geralmente, quando uma editora faz um livro, pensam na questão mercadológica, tentando adivinhar o que o público quer. Com a gente aconteceu o seguinte: fizemos o livro que gostaríamos, como fãs, de ter em mãos”, explica o jornalista, que adicionou informações de bastidores.

Mas o must do livro, em sua avaliação, é a relação dos mais de 700 episódios lançados pela seis séries. Segundo ele, nenhum livro do mundo teve essa ousadia. “Essa foi uma de nossas brigas com a editora, no bom sentido. Eles queriam 250 páginas e nos precisávamos de 320. Felizmente, conseguimos”.

Para o autor, “Star Trek” não pode estar no mesmo lugar de ficções científicas que são mais escapistas. Ele cita “Star Wars”, que seria mais voltado para a fantasia. “Ultimamente, essa fronteira está meio embaçada. O livro ajuda a realçar essa pegada mais ficção científica, de especulação sobre o futuro”, avalia.

ENTREVISTA / SYLVIO GONÇALVES

Como é sua relação com a franquia? Você curte a série e os filmes ou é um daqueles que se fantasiam, colecionam objetos e estuda a língua klingon? Fale um pouco de seu envolvimento com ST.

Star Trek sempre me fascinou enquanto fenômeno não apenas televisivo e cinematográfico, mas cultural. Inclusive um dos primeiros textos que tive publicado, em 1991, foi um ensaio sobre os 25 anos da série, na revista Isaac Asimov Magazine. Assisti à série original várias vezes desde que era criança, vi cada um dos filmes quando foi lançado nos cinemas, tenho um grande respeito por Jornada Nas Estrelas A Nova Geração, e pertenço à minoria que considera Enterprise a segunda melhor série de TV da franquia, depois da original. Por outro lado, assisti a pouco mais que a primeira temporada de Deep Space Nine e nunca consegui terminar um único episódio de Voyager. Acompanhei várias séries de quadrinhos e li um ou dois romances da franquia. Não sinto a menor vontade de comparecer a um evento fantasiado, mas tenho um modelo da Enterprise na estante.

São 50 anos de uma franquia que se desenvolveu em várias séries e filmes. A que você atribui essa longevidade?

À capacidade de falar sobre o mundo atual, sempre. A série original usou o disfarce do futurismo para tratar das questões raciais que abalavam os EUA de fins dos anos 1960. A série não apenas foi uma das primeiras a ter uma mulher negra no elenco de protagonistas, como lhe conferiu ensino superior e patente militar. A série também mostrou o primeiro beijo inter-racial da TV americana. Jornada Nas Estrelas IV é um dos melhores libelos ecológicos já feitos pelo cinema. Jornada Nas Estrelas V discorre sobre fanatismo religioso. Jornada Nas Estrelas Inssurreição fala sobre os riscos da engenharia genética. Já os dois primeiros Star Trek de Abrams abordaram o terrorismo.

Quais são os seus programas/filmes favoritos? Por que?

Da série original, “The City At The Edge Of Forever”, não apenas uma das mais eficientes histórias de viagem no tempo já escritas, como também um dos clímaces mais comoventes da História da TV. De Jornada Nas Estrelas A Nova Geração, “Who Watches The Watchers”, que aborda questões muito interessantes em antropologia e mitologia. Outro de que gosto muito é “The Expanse”, uma reflexão de Star Trek Enterprise sobre o 11 de setembro.

Como você vê esse reboot capitaneado por J. J. Abrams?

Star Trek foi criada não apenas por Gene Roddenberry, mas por um imenso número de escritores, e como tal, possui uma enorme variedade de temas e estilos. A série original alternava episódios filosóficos com episódios focados na ação. Para falar a uma platéia jovem, Abrams escolheu o viés da ação. Gostei dos dois primeiros filmes e achei os personagens originais muito bem retratados. Imagino que o rebbot de Star Trek seja o melhor que o atual cinema americano, com sua obsessão por bilheterias monumentais, pode nos oferecer dentro do amplo espectro de possibilidades de Star Trek.

Qual é o melhor filme de todos já realizados? Por que?

Jornada Nas Estrelas II A Ira de Khan é o filme que até agora melhor conseguiu balancear os temas mais importantes da série original: exploração de novos mundos, metafísica, questões existenciais, suspense, ação e principalmente, a integração entre as personalidades díspares do trio Kirk/Spock/McCoy.

Em breve estreará uma nova série, "Discovery". Se você assistiu a todas, gostaria que falasse um pouco da importância de cada uma.

Star Trek, a série original, fez história ao se tornar a primeira série de TV de ficção científica respeitada tanto por fãs do gênero quanto pelo grande público. E fez isso apresentando protagonistas de várias etnias e temáticas que nunca haviam sido tratadas antes na TV, com metáforas sobre religião, conflitos raciais, sociedades totalitárias e questões atualíssimas na época, como a Guerra do Vietnã.

Realizada duas décadas depois, Jornada Nas Estrelas A Nova Geração pode explicitar ainda mais as questões da série original. Porém, a partir daí as séries de Star Trek passaram a operar cada vez mais numa espécie de zona de conforto, porque cada nova tripulação dispunha de mais recursos tecnológicos e desenvolvimento social. Assim, diluíram-se os conflitos e o espírito de pioneirismo da série clássica. Jornada Nas Estrelas Enterprise recuperou essa atmosfera ao ambientar suas histórias num período em que cada contato com uma nova civilização era necessariamente um primeiro contato. 

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