Taquinho Oliveira: O amor

10/10/2015 às 08:17.
Atualizado em 17/11/2021 às 02:00


O amor entra na vida da gente como uma iluminação. Pode ser, por exemplo, na forma de uma Heloiza – que depois virou Iza – no começo de uma noite de sábado, num bar do Malleta, em meio à algazarra de amigos, cervejas, esperanças e promessas de que alguma coisa boa poderia acontecer, antes que a madrugada arrebentasse. E aí o amor te flecha num breve encontro de olhares. Simples assim – Cupido não tem hora para aprontar das suas. Você tenta se aproximar da moça, conversar, “saber a dela”. Não dá. Ela está acompanhada. Pior, o namorado é seu conhecido. O jeito é deixar pra lá não deixando. Sempre tem outro dia, pensa o coração flechado.

O amor nos faz audazes e sempre traz sorte para os amantes intrépidos. Você consegue saber o nome, o número do telefone e o endereço da moça. E chega chegando na outra vez em que se encontram. Deu certo. Muitos papos, coisas em comum, beijos, amassos e encontros de réguas e compassos. Mãos e lábios se encontram no escurinho do cinema, nas escadarias do prédio que ela mora, conversas rolam, os corações descobrem epifanias conjuntas, iluminações.

Depois o amor prossegue. Agora como revelação. Estar junto é um descobrir constante, uma surpresa contínua. Um bem, um mal. Até porque não existe a tal alma gêmea – ninguém é cara metade de ninguém. Cada um é cada um. Pleno, íntegro, inteiro. E aí a gente aprende que amor, mais que um ócio, um sacrifício, prazer, vício ou sacerdócio é um exercício. Porque, como diz o poeta, há que penar no amor para se ganhar no amor. Nada é de graça neste mundo. Tudo é fruto do trabalho. E dá trabalho reconhecer os desencontros, encará-los, superá-los. É um sacrifício iluminar as dores para, depois, substituí-las pelas alegrias e prazeres de construir uma vida juntos. O que significa compartilhar projetos de vida, sonhando trilhar caminhos que nos levem a semear filhos, ideias e desejos de contribuir para tornar o mundo mais decente.

O amor, como a vida, é sempre um risco. De acontecer e de desacontecer. O tempo passa, as coisas mudam rapidamente e os caminhos podem tomar outros rumos. Viver é mesmo perigoso. Mas, quando a contabilidade apresenta mais ganhos do que perdas, e se está disposto a trabalhar para manter o que vale a pena, não há que penar para manter acesa a chama, manter viva a planta tenra do amor. Assim é amar. Um desafio imenso depois que os filhos nascem e que se multiplica com a necessidade cria-los com carinho, fraternos, alegres e amorosos e com valores dignos. Depois o amor fica difícil, quando a chama da paixão e o fogo da juventude não são mais o que dá liga entre a gente.

Tempo, tempo, tempo, tempo. Senhor dos destinos o tempo – quando a gente se abre para entender seus recados – lhe convida a substituir o fogo da paixão pela tranquilidade serena da sabedoria. Os cabelos vão ficando cinza e ralos, a voz já não é a mesma, rugas tomam conta dos nossos corpos, assim como as doenças que, um dia, nos levarão para outro lugar. Os filhos começam a tomar seus rumos, vivem suas iluminações. E amor vira amor amizade, transforma-se em paciência, bom humor, calma. Chega o outono, e com ele mais, e muitas surpresas... E ameaças da morte. Mas amor resiste firme e amigo, apesar dos cansaços, das tribulações e dos medos das doenças, da visita daquela senhora. Ele nasceu iluminado. Iluminado permanecerá.

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