Teatro dos Sentidos chega a BH com som, cheiro e sabor

Elemara Duarte - Hoje em Dia
11/12/2014 às 08:05.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:20
 (Flávio Tavares/ Hoje em Dia )

(Flávio Tavares/ Hoje em Dia )

Vá ao teatro e não veja nada. Sinta! Esta é a regra do Teatro dos Sentidos, que traz para Belo Horizonte nesta quinta-feira (11) a domingo (14) este jeito diferente de fazer teatro. A trupe é formada por atores mineiros comandados pela diretora carioca Paula Wenke, idealizadora da técnica. Eles levam para o Espaço Aberto Pierrot Lunar a peça “Feliz Ano Novo”.

A técnica de encenação foi criada para os cegos, mas a maior parte dos lugares na plateia acaba sendo ocupada por gente que enxerga. Para estas pessoas são oferecidas máscaras afim de que fiquem em condições semelhantes às dos cegos.

Paula Wenke começou a procurar bases para a técnica em 1997. Hoje, o Teatro dos Sentidos utiliza-se de textos adaptados para a compreensão da história e a máxima estimulação dos sentidos que não são “barrados”: audição, olfato, paladar e tato.

“Na época não se falava em inclusão. Entendi que o cego era o único que não entendia totalmente uma obra encenada. Especialmente quando o texto não tinha diálogo. Comecei a ouvir leituras dramatizadas. Nelas, as indicações de ação eram lidas. Pensei que se eu colocasse essas informações na fala de um narrador, talvez o cego entendesse totalmente a obra”, lembra a diretora.

Com a proposta começando virar realidade, a diretora incluiu efeitos sonoros nas peças que eram encenadas no Instituto Benjamin Constant, voltado para o ensino dos cegos, no Rio de Janeiro. Até hoje, quatro peças já foram montadas pelo Teatro dos Sentidos.

“Feliz Ano Novo” chega pela primeira vez em BH, mas para a sétima temporada no país. Na última semana, o grupo fez os primeiros laboratórios para a encenação que começa nesta quinta-feira. Esta foi a primeira vez que os mineiros entraram em contato com a técnica.

A peça mostra a história de amor entre um comandante da Marinha e uma contadora de histórias. “Eles são diferentes. Mas eles se apaixonaram em um baile de máscaras no réveillon. Um olhou para a fantasia do outro e eles se interpretaram por meio desses personagens. Ela era uma dama antiga e ele, um capitão da marinha, o papel dele mesmo”, explica Paula.

A diretora explica que ele passou por situações nas quais as mulheres o machucaram, então, ele passa a ficar na retaguarda no momento dos relacionamentos, sem se envolver. Mas o que a mulher tem da dama antiga é apenas a nobreza das ideias, no comportamento, ela é moderna. “Eles se aproximam por causa da fantasia. Nisso, já estamos falamos dos preconceitos, do olhar para o outro”, acrescenta.

O amor fica guardado e um dia, o filho do militar descobre a história e o provoca o pai para mudar. “Com o texto, falamos do poder das percepções”, resume.

Hora do ensaio “cego”

Para cada sete pessoas na plateia, a encenação precisa de uma pessoa – no caso, o ator – que vai provocar os sentidos. O público fica em circulo e há mesas com objetos usados para provocar os sentidos.

E lá vêm os referidos atores vendados descendo as escadas do Galpão Cino Horto, onde o primeiro treino para essa “provocação” foi realizado. Eles estão amparados por um “anjo” - outros atores que os auxiliam – assim como a plateia será auxiliada no dia do espetáculo.

“Quem senta na ponta, paga a conta”, anuncia uma das atrizes. “Tem jiló aqui???”, questionou um dos atores vendados durante o lanche. “Tem vinho, Nutella, limão, jabuticaba, mas jiló também? Seu 'anjo-Judas', cadê você?”, brincou. Uma atriz, para tirar uma onda, diz: “Meu anjo trouxe castanha com Nutella para mim”. “Como sou um 'desanjado', ninguém me deu nada”, reclamou o ator Oscar Capucho, este realmente cego, desde a infância, o único do elenco.

A tarefa é participar de um peque-nique. Em outra sala há duas mesas cobertas com um pano. Os vendados entram e começam a comer, auxiliados pelos anjos. Depois, quem era anjo vira “cego” e vai experimentar o lanche da outra mesa.

Todos estão de preto. Não precisa de cenário, não precisa de figurino. Afinal, ninguém vai ver mesmo. Só sentir e entender. O lanche termina com um baile – fora do script – com a turma vendada e sem vendar cantando à capela, no improviso a apoteótica “O que é, o que é?”, de Gonzaguinha.

A letra de Lupicínio Rodrigues também entrou na dança: “Esses moços pobres moços/ Ah! Se soubessem o que eu sei/ Não amavam/ Não passavam aquilo que eu já passei”. Parece que o comandante, personagem central da peça, poderia aparecer cantando aquilo a qualquer momento.

Assim, um ensina ao outro como se portar numa mesa, na dança, no convívio. Tudo às cegas. “Neste momento em que estamos vendados, nos vemos sozinhos”, diz a atriz Cida Alves. Capucho aproveita a deixa e explica: “Para o cego, em um lugar sem som é que ele se sente sozinho. Aqui, eu não estava sozinho”. Percepções e mais percepções...

A peça tem no elenco os atores Paula Wenke (que também dirige), Roberta Chaves, do Rio de Janeiro. Elenco mineiro, Ana Martins, Cida Alves, Danillo Carvalho, Daniela Abreu, Flaviana Léo, Fabrício Júnior, Filipe Magalhães, Glauce Leonel, Kícila Sá, Marco Fugga, Menotti Orlandi, Oscar Capucho, Rodrigo Estevão e Sharon Princy.

Serviço

“Feliz Ano Novo”, de quinta-feira (11) a domingo (14), no Espaço Aberto Pierrot Lunar (rua Ipiranga, 137, Floresta). Quinta à sábado, às 21h, e domingo, às 19h. Classificação: 12 anos. Ingressos: R$ 24 e R$ 12 (meia). Deficientes físicos têm ingresso gratuito e acompanhantes pagam meia entrada. Informações: (31) 3658-9743.

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