Argumentando não ser exatamente um especialista no assunto, Glicério Rosário se desobriga de ter alguma opinião fechada sobre a razão de o público da Campanha de Popularização preferir tão evidentemente as comédias em comparação aos dramas. "Mesmo quando os dramas se equiparam em qualidade de produção. Mas isso não acontece só aqui, não, em todo o Brasil é assim", diz o ator e diretor, autor de "Na Comédia de Edgar, Alan Põe o Bico", cartaz até domingo (4) no Galpão Cine Horto.
Embora não seja um especialista, Glicério levanta hipóteses sobre a vontade de rir, tão majoritária no público de teatro: "É que se diz que rir é terapêutico, e ao rir você consegue esquecer o peso do dia a dia, desafogar as preocupações. Rir parece melhor às pessoas", diz.
Antes de Cristo
Sem pretender negar a potência que o riso de fato possuiria, seu profundo consolo "à alma humana", Glicério quis ampliar as repercussões. Juntar o melhor de dois mundos, drama e comédia, caminhos que na Grécia (onde nasceu o teatro como conhecemos no Ocidente, cinco mil anos Antes de Cristo) não eram antagônicos. Pelo contrário, eram complementares: "No teatro grego o riso nunca era desvinculado dos fatos, da sátira, nunca deixava de ser crítico, politizado, sempre tinha um pé na atualidade", assegura Glicério, que decidiu por ajustar assim essa sua nova montagem.
Atendendo ao desejo de frequentar a comédia, depois de muitas montagens dramáticas, Glicério criou Edgar, que ele interpreta, como um personagem defasado, ultrapassado por abordar a tragédia com expressões grandiloquentes, patéticas de tão exageradas. Ex-ator do Cia Acômica, Cláudio Márcio interpreta o Corvo que lhe faz contraponto, apelando ao rigor. A um pensamento físico no sentido acadêmico, lógico, científico, filosófico.
Além da trama de "O Corvo", de Edgar Allan Poe (1809-1849), o editor e crítico americano no qual a peça buscou inspiração, esta segunda produção da Cia P’átuá também se inspiraria no pensamento do filósofo judeu Henri Bergson. Prêmio Nobel de Literatura em 1927, foi Bergson quem teria dito que toda percepção de humor resultaria da inteligência, na medida em que só poderia sorrir de alguma circunstância quem antes puder compreendê-la.
Coro de caipiras
Apesar da sátira evidente aos gêneros que põe em cena, Geraldo Octaviano, diretor da montagem, não quis abrir mão de utilizar o coro. Recurso obrigatório na tragédia, como elemento de comédia ele aparece numa dupla caipira interpretada pelos dois atores. Como os retardatários autores da trilha sonora da peça.
Contemplado com recursos do Fundo Municipal de Cultura para produzir "Na Comédia de Edgar, Alan Põe o Bico", Glicério ainda mantém em repertório o solo "São Francisco de Assis a Foz", que arrebatou os troféus de Melhor Ator, Direção e Espetáculo segundo o Prêmio Sesc/Sated de 2008. Inclusive, tem recursos do Banco do Nordeste para levá-lo a duas cidades do interior de Minas e a três cidades nordestinas de porte médio, em janeiro de 2013. Independente desde 2006, ator formado na prática, Glicério é ex-integrante dos grupos Trama e Reviu a Volta.
Saiba mais!
Prevista para estar em cartaz durante duas semanas, "Na Comédia de Edgar, Alan Põe o Bico" permanecerá só uma.
De 5 de novembro até meados de dezembro, Glicério vai integrar o elenco de "Sangue Azul", mais novo longa-metragem do pernambucano Lírio Ferreira (de "Árido Movie" e "Baile Perfumado").
Sobre uma trupe circense decadente que chega a uma ilha – para se referir à decadência vivida por toda a arte popular do país –, o filme terá locações em Fernando de Noronha.
Além de Glicério, mais dois atores mineiros estão no elenco: Daniel Filho, que interpreta o protagonista, e Rômulo Romeu (ex-Braga).
Além de atuar em curtas, Glicério obteve um papel em "A Hora e a Vez de Augusto Matraga", de Vinícius Coimbra, que deve estrear em 2013.