'Tizumba é meu mestre': Sérgio Pererê fala sobre parcerias, novos trabalhos e política

Thiago Prata
@ThiagoPrata7
25/05/2020 às 09:54.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:35
 (Patrick Arley)

(Patrick Arley)

Os dois últimos anos do belo-horizontino Sérgio Pererê foram dedicados à muita produção e ao lançamento de trabalhos em várias frentes, como o álbum “Cada Um” e o livro “A Morte de Antônio Preto”. Neste ínterim, fazendo jus ao lema “ao mestre com carinho”, ele criou um roteiro para shows ao lado de Mauricio Tizumba, que, por sua vez, promovia sua biografia, “De Camarões: Veredas de Mauricio Tizumba”. Essas apresentações, calcadas no afeto e na emoção, podem ser conferidas em “Mauricio Tizumba e Sérgio Pererê: Ao Vivo”, disco lançado recentemente.

Este não é o único material a ser disponibilizado por Pererê, de 44 anos, neste período de isolamento social. Nesta entrevista, o músico, escritor e ator fala a respeito de outras empreitadas, além de dissecar seus mais novos rebentos e emitir sua opinião sobre o cenário artístico atual.

Gostaria que nos falasse primeiramente sobre “Mauricio Tizumba e Sérgio Pererê: Ao Vivo”, lançado neste ano.
Nos anos de 2018 e 2019 me dediquei a produzir muitas coisas. E gravei todos os shows. Esse trabalho com o Tizumba foi um show que simplesmente havia sido gravado no lançamento do livro sobre ele. A princípio, queria ouvir no estúdio o resultado daquela experiência, que mostra um Tizumba mais intimista e eu também mais intimista. É algo que exalta mais a afetividade da gente. Não é um disco baseado no primor técnico, é muito mais emoção. Faríamos o show de lançamento em março, mas aí teve a questão da pandemia. Só que ele já está nas plataformas, e estamos tendo um feedback muito bacana. Está registrada a emoção do encontro. Sendo eu mais novo, acho que esse disco tem um caráter de homenagem minha a ele (Tizumba). Ele é um mestre para mim. E há um cuidado dele comigo; é meio que de um padrinho a um afilhado.

É interessante essa troca no show. Apesar de eu ver muitas qualidades neste disco a nível técnico, acredito que realmente é algo mais emocional. Esta foi uma característica que você notou logo de cara, algo que percebeu no show e que também ficou claro no álbum?
O Tizumba e eu somos muito amigos. E quando as pessoas nos veem no palco, aquilo representa uma parte muito pequena de tudo que a gente vivencia junto, de ajudar um ao outro. Algo que era também com o Vander Lee (1966-2016) em relação a mim e ao Tizumba. Nossa relação era muito mais fora do palco, de cuidar um do outro. Na época do show, o Tizumba estava fazendo muitas coisas, incluindo o Tambor Mineiro. Era um show de baixo orçamento. Falei para fazermos um show assim. Criei um roteiro em que não precisava ensaiar muito, e fomos criando o show, com canções que fizeram parte da carreira dele no início e outras. O que levamos ao palco foi muito de nós dois, desse cuidado, dessa energia, da liberdade da experimentação. Falei ainda para não tentarmos ganhar o público, mas, sim, vivenciarmos uma experiência e deixarmos as pessoas virem com a gente. No estúdio, senti essa emoção, da parte mais interna, que vazou no som.

De que forma você analisaria o atual cenário em que a arte, realmente, vem sendo deixada de lado?
É algo impressionante. Aquilo que estava muito ruim, conseguiu ficar ainda pior; houve um salto. Acho importante falar sobre isso até para ajudar o público a se situar na realidade dos artistas. Tivemos, recentemente, as mortes do Flávio Migliaccio e do Aldir Blanc. Foi uma tristeza, o Flávio cometeu suicídio, e o Aldir Blanc morreu em condições precárias. O que tenho a dizer é que isso, infelizmente, é normal. As pessoas têm que ver que a situação do artista no Brasil é de fato precária. Falo do artista em geral. Olha o que aconteceu com o Aldir Blanc, que, para mim, está entre os três maiores artistas do Brasil. E muita coisa nem sequer chega ao nosso conhecimento. Estamos vendo mortes de vários artistas, há artistas morrendo de depressão, porque não há perspectiva. A perspectiva que antes não havia, agora tem um saldo negativo. Acho importante que hoje o grande público possa entender o artista enquanto pessoa e cidadão, alguém que tem uma vida comum e família, não aquela coisa mítica. Temos visto artistas fazendo lives, e há pessoas dizendo: ‘Eles estão salvando a gente em nossas casas’. Só que os artistas também são pessoas que estão em casa, com menos perspectivas talvez que outras pessoas. Vale a pena a gente ficar atento a isso. Dizem que o artista precisa se reinventar neste período. Só que nem todo mundo tem tato para redes sociais ou didática para dar aula. Conheço grandes aristas no palco, mas que não se dão tão bem (de frente) para a câmera. Acho que é muito importante ter um cuidado e uma solidariedade entre pessoas que são admiradoras da arte. É uma situação muito difícil. 

Você disponibilizou no início deste mês a música “Juízo Final” (de Nelson Cavaquinho). Como se deu a escolha dela? 
Este trabalho, esse single, faz parte do “Revivências” (lançado no último dia 23), em que ‘revivo’ compositores que sempre admirei e alguns com quem convivi muito. Só que trouxe as músicas para um universo meu, uma sonoridade de pesquisa minha. Neste trabalho, trouxe as músicas para minha linguagem, misturando com sonoridades africanas, mas situando na música brasileira. “Juízo Final” foi a primeira música que gravei deste trabalho. Passei a manhã inteira estudando-a em casa, sempre significou muito na minha infância. Com essa coisa da pandemia, acho que a música (“Juízo Final”) surge com uma letra de esperança. Ela fortalece a fé. Meus produtores e parceiros toparam a ideia de lançar um vídeo da música, mostrando o que as pessoas estão fazendo (durante o período de isolamento social). Quis partilhar um pouco do que imagino, do que estou sentindo neste momento.Netun Lima/Pedro Furtado 

"Tenho feito várias coisas por agora. Quero terminar essa pandemia com, ao menos, 30 composições novas", disse Sérgio Pererê 

Quando foi que você percebeu em sua trajetória que tinha a característica de transitar por várias áreas artísticas?
Não sei. Acho que tem a ver um pouco com meu contato com a cultura popular. A riqueza da cultura popular é muito maior do que se imagina. Quando era bem novo, treinei capoeira por muito tempo. Quem entra no meio da roda e joga é a mesma pessoa que canta, que toca berimbau, que toca pandeiro... Essa multiplicidade de funções é muito da cultura popular. A mesma pessoa que faz uma coisa, faz outra também. Alguém que toca um instrumento é também um poeta, um produtor. Trouxe isso para dentro da minha arte. Estou no show, mas dirijo esse show, cuido do show do outro... Se estou pensando na música, ao mesmo tempo penso no texto. A arte tem algo bonito. Ela é mestre, nos ensina a ser artista. Se alguém me convida para fazer algo do cinema, vou com a disposição de experimentar o que o cinema está me oferecendo. O mesmo vale para a literatura, a dança... Sempre vou estar exposto ao que arte me oferece.

Completam-se 15 anos do álbum “Linha de Estrelas” (2005). Quais as memórias que você guarda daquela época e qual a importância daquele trabalho para você atualmente?
Aquele disco veio em um momento em que eu fazia parte do Tambolelê. Muitas pessoas me perguntavam se eu estava saindo do grupo. E eu não estava saindo, fiquei por mais um tempo. O que acontece é que foi um momento em que (o disco solo) me abriu um norte muito grande. O Tambolelê foi uma coisa muito rica na minha vida. Era focada no tambor, em que se trazia a percussão para a frente. Quando veio o “Linha de Estrelas”, as pessoas viram o Pererê focado na canção, talvez menos performático. E o disco abriu esse caminho. Acho que o primeiro disco solo sempre tem uma grande importância. O Vander Lee me falou que o primeiro disco solo é a abertura de um portal. Impressionante que cada disco meu que veio depois pega uma vertente do meu primeiro. Falar dele me traz uma emoção.

Para finalizar, queria saber o que você tem lido durante este período.
Uma coisa muito curiosa. Dias antes de o Vander Lee falecer, estávamos na casa dele. E ele me emprestou um livro chamado “As Intermitências da Morte”, do Saramago. Ele me passou esse livro, e o guardei. Passou um tempo, o Vander Lee fez a partida dele. Um dia falei para mim mesmo que precisava achar o livro na minha casa, mas me esqueci até mesmo do nome do livro. Aí um dia eu estava procurando uma outra coisa e, ao abrir uma gaveta, acabei achando o livro. Um livro que traz uma reflexão muito interessante. Um livro difícil de se ler, pela forma como é escrita, as vírgulas estão em um lugar diferente, às vezes se perde a noção de quem é o personagem que está falando no momento... Mas é impressionante, é muito simbólico neste momento. Eu leio, paro, componho músicas, faço uns desafios... Tenho feito várias coisas por agora. Quero terminar essa pandemia com, ao menos, 30 composições novas.

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