Trilha sonora do filme 'Faroeste Caboclo' chega às plataformas digitais

Paulo Henrique Silva
phenrqiue@hojeemdia.com.br
05/09/2020 às 21:52.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:28
 (MATEUS MONDINI/DIVULGAÇÃO)

(MATEUS MONDINI/DIVULGAÇÃO)

Vocalista e fundador da banda Plebe Rude, Philippe Seabra lembra de uma fita K7, gravada no fim dos anos 70, que foi parar nos Estados Unidos e “repatriada” por ele em 1983, com várias músicas de Renato Russo que se transformariam em sucesso pouco depois, com o Legião Urbana.

Entre as canções presentes na fita, assinala Seabra, estava “Faroeste Caboclo”, uma fábula de fim trágico sobre as aventuras de João de Santo Cristo por Brasília e seu amor por Maria Lúcia. “É interessante observar que a música foi gravada em disco dez anos depois tal como estava naquele K7”, registra o cantor.

Ao aceitar compor a trilha sonora do filme “Faroeste Caboclo”, há sete anos, Seabra se imbuiu de um “senso de responsabilidade com a música e com a memória de um amigo”. Ambos são protagonistas da história do rock’n’roll em Brasília, que contagiou o país na década de 80.

O álbum está sendo disponibilizado no site do integrante da Plebe Rude, aproveitando, segundo ele, o momento de pandemia, já que o público estaria “sedento de material novo”. Para Seabra, estava já na hora de “mostrar o lado compositor de trilhas, que pouca gente conhece”. 

“Renato não era o nosso provedor. Era o nosso amigo, tanto que, quando começou a ficar mais maluco, eu preferi me afastar porque não consigo ver um amigo se matando. Estava muito destrutivo, né? Tinha muita gente em volta, lucrando”

“Eu já trabalhei com orquestrações, produzi muitos discos, mas nunca tive realmente que parar e compor para outra pessoa. Você não sabe se vai acertar, se a pessoa vai gostar”. No site, as 11 músicas são acompanhadas de cenas do filme que foram enviadas, à época, para Seabra compor a trilha.

“São aquelas cenas mais cruas, que têm um numerozinho em baixo, o chamado time code. É curioso porque você acaba conseguindo ver o filme sem os diálogos e os ruídos, só com a música. Muita coisa da trilha some quando se coloca vozes e efeitos especiais”, destaca.

Filme é inspiração
Para quem acha que o trabalho de Seabra emula a música do poeta do rock, está redondamente enganado. Para início de conversa, todas elas são instrumentais. “Eu aproveitei as frases do Renato para pôr título nas músicas, mas, na verdade, foram as imagens do filme que me inspiraram e não a música, até porque ela não aparece”, assinala.

O compositor diz ter optado por usar teclado dos anos 80 e guitarras para representar o amor de Santo Cristo, vivida por Ísis Valverde. E violão, viola e rabeca para o personagem de Fabrício Boliveira. “Havia um choque entre os dois, o que é algo esperado para quem conhece a música, que termina de forma trágica”. 

Para Seabra, “Faroeste Caboclo” é a versão made in Brasília para “Domingo no Parque”, clássico de Gilberto Gil, que também exibe uma narrativa amorosa de final dramático. “Renato sabia muito bem como adaptar estas coisas à nossa realidade”, elogia.

Seabra se recorda da potência da música durante os shows. “Depois que saiu do Aborto Elétrico, o Renato passou a abrir os shows da Plebe. Ele competia com o peso da música da nossa banda apenas com voz e violão. Já tinha essa visão, essa segurança. Desde então lembro desta música e da reação das pessoas”.

 EUROPA FILMES/DIVULGAÇÃO / N/AÍsis Valverde e Fabrício Boliveira fazem o casal Maria Lúcia e João de Santo Cristo na produção lançada em 2013

 Guitarra e microfone como armas na cidade ‘setorizada’

Se não fosse pela pandemia, com o filho de 9 anos tendo que assistir aulas de forma remota, Philippe Seabra não teria ouvido a pergunta de uma professora, em forma de quase de afirmação, sobre qual é o patrimônio histórico imaterial de Brasília.

“Eu comecei a rir e quase levantei a mão para dizer ‘eu aqui’. O rock de Brasília é um patrimônio imaterial. Por decreto. Foi ele que colocou a Capital no mapa cultural brasileiro”, registra Seabra, que virou cidadão honorário da cidade, assim como seu parceiro de banda, André X.

“Brasília empurrava a gente nesta direção. Somos de uma geração, a turma da Colina, que representa um momento ímpar na história moderna no mundo. A gente estava crescendo numa cidade que era praticamente da nossa idade. Ela tem sete anos a mais do que eu”, destaca. 

Seabra observa que Brasília apresentava uma “engenharia social louca”, em que tudo era setorizado. “Era muito esquisito você crescer nisso, dentro de um pensamento stalinista de colocar as pessoas nos seus devidos lugares”, pondera o artista. 

Foi essa sensação de inadequação que gerou a revolta naqueles jovens e alimentou a criação da cena local de rock. “Renato cantava “Tédio com U” e eu dizia que era “urgência com u”. A arma que a gente tinha era a guitarra, o microfone e o caderno de escrever músicas”, afirma.

Passados mais de 30 anos, Seabra é da opinião que aquelas canções não envelheceram. “Estão atualíssimas. O lado bom, como compositor e artista, é que ficamos lisonjeados e agradecemos a preferência. Mas como cidadão e pai, fico meio zangado”.

“O mais triste da pandemia é que, na semana passada, teríamos feito o primeiro na Inglaterra e, provavelmente, desceríamos para Espanha, França e Itália. O cartaz já estava impresso. Também em setembro estaríamos lançando o volume 2 de ‘Evolução’”

Em março, Seabra já estava prestes a colocar um ponto final em sua autobiografia quando a pandemia de Covid-19 chegou ao Brasil. Para ele, é impossível não incluir um capítulo sobre o enfrentamento ao coronavírus, que tem como lado positivo um “apressamento” da História.

“Os governos populistas serão desmascarados mais rapidamente”, sublinha Seabra, que, “meio americano”, já vislumbra uma queda de Donald Trump nas eleições deste ano nos Estados Unidos. “A pandemia mostrou o quão incompetente ele é”.

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