Umberto Eco volta ao romance, em tom crítico

Patrícia Cassese - Hoje em Dia
16/08/2015 às 11:41.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:22
 (Divulgação)

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Em Milão, um homem habituado a atuar como ghost-writer – Colonna – é contratado para escrever um livro sobre o processo de criação de um novo jornal. O mais bizarro de toda essa história: a ideia é que o periódico – batizado de “Amanhã” – não circule. Embora os jornalistas contratados não saibam desse “pequeno detalhe”. Esse é o ponto de partida de “Número Zero” (Editora Record, 208 páginas, R$ 35), o novo romance do italiano Umberto Eco.    “Amanhã” é o mais novo empreendimento do comendador Vimercate, empresário que já atua no ramo de hotéis, casas de repouso, emissoras locais e publicações sem muito vulto, entre outros negócios. Ele e o grupo por trás do jornal querem, na verdade, rodar edições-piloto, limitadas, que, ao caírem na mão das pessoas certas, vão causar polvorosa – particularmente no chamado “clube de elite das finanças e da política”.   O objetivo? Vimercate quer ser forçosamente convidado a integrar esse círculo seleto. Em suma, o “lançamento” configura-se uma extorsão: apresentando-se como isento, o jornal, “independente”, não cederia a pressões políticas e que tais. Estaria a serviço da verdade, que, como todos sabem, pode ser muito, muito incômoda para alguns.   Cumpre lembrar que Eco embute, aí, uma crítica ao papel do jornalismo em seu país de origem, onde notícias de corrupção pipocam. Mas, óbvio ululante, a Itália não está sozinha neste cenário desalentador.   Como já dito, os redatores, convidados pelo testa de ferro Simei (diretor de redação) a dar vida ao periódico, trabalharão sem saber o que de fato está em curso. Jornalistas que, ressalta Colonna, não têm “experiências empolgantes” no currículo.    DESDOBRAMENTOS   A justificativa para o nome do periódico é um capítulo à parte. Projetando desdobramentos, o jornal sai da linha de confronto com a televisão – a história se passa no início dos anos 90, portanto, ainda não havia a concorrência ainda mais “tempo real” com os sites de notícia. Aliás, os celulares, na história, estão ainda incipientes, e há inclusive um prognóstico interessante, de que seria um modismo fadado a não vingar.   Na redação, Colonna se aproxima particularmente de dois jornalistas: Braggadocio e Maia, com quem se envolve. O esqueleto do jornal começa a ser montado com tudo o que tem direito, horóscopo incluso – mas com a ressalva de que as previsões atendam a todos os perfis.   Mas eis que Braggadocio passa a investir na teoria – e na reportagem investigativa – de que Benito Mussolini não morreu em 1945, e sim seu sósia, dono do corpo exposto. O ditador teria, sim, se refugiado no Castelo Sforzesco. E... Bem, passar desse ponto, claro, implicaria em revelar pistas do final – e estragar o prazer que o encadeamento de palavras particular a Eco sempre suscita no leitor, seja na esfera da semiótica, seja na da ficção. Temos, aqui, um livro de leitura “fácil”, não no sentido depreciativo, mas na indicação de prazeroso e convidativo.

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