
À certa altura de “King Kong en Assunción”, o alcoolizado matador que protagoniza o filme de Camilo Cavalcante, chamado simplesmente de Velho, entra no quarto de um hotel no Paraguai onde se depara com quadros de vários presidentes e ditadores da América Latina. Do Brasil, aparecem Fernando Collor e Michel Temer.
“Ele está ali numa vingança contra o poder, contra quem ele sempre defendeu. O Velho era um braço armado, matando para defender a manutenção do poder, de certos interesses econômicos e políticos dos poderosos. Naquele momento, ele faz uma autocrítica, uma espécie de vingança embriagada”, registra o cineasta pernambucano.
Em cartaz no Cine Belas Artes, “King Kong en Assunción” é um road movie existencialista, em que o solitário personagem, já cansado de tanto matar, resolve que é hora de parar e retomar os poucos laços que lhe restam: uma filha que nunca conheceu. “Quando a gente está chegando numa fase da velhice, a vida lhe bate na cara”, destaca Cavalcante.
Longa recebeu os prêmios de melhor filme do júri oficial e do público no Festival de Gramado, no ano passado. Também foi agraciado com Kikitos na categoria de melhor ator trilha sonora
Colonização
O cineasta define o filme como “um grito poético, político e periférico sobre esse homem atormentado”, algoz e vítima de uma sociedade construída na base do ódio. “É vítima de disputas de terra, da questão agrária que até hoje nos assola. Na verdade, desde a nossa colonização violenta, nefasta e excludente se dizimou e vem se dizimando povos em busca de um lucro”.

CAVALCANTE – Realizador pernambucano concebeu um road movie existencialista
Nessa jornada em busca de redenção, Velho percorre estradas e lugares desérticos e abandonados. Cenário ideal para um homem carcomido por seu passado. “É uma estrada sem fim, que ele está condenado a vagar de forma errante”, afirma. A única paisagem que destoa é o deserto de sal na Bolívia, onde se dão as primeiras cenas do longa.
“Foi uma aventura fazer esse filme do ponto de vista da produção, realizá-lo com um baixo orçamento e equipe pequena. Ao mesmo tempo, (essa limitação) injetou uma relação de desafio, de cooperação, de uma integração muito grande da equipe, reunindo profissionais do Paraguai, da Bolívia e do Brasil”, assinala.
Elementos que ajudam a imprimir em “King Kong en Assunción”, segundo Cavalcante, um DNA genuinamente latino-americano, com “todo mundo pulsando numa mesma frequência, para cruzar essas fronteiras e percorrer esses caminhos muitas vezes de difícil acesso. O que permitiu que os lugares onde a gente andou entrassem no filme”.
Ator Andrade Júnior morreu antes de o filme ficar pronto