'Webpoetas' arrebatam milhares de seguidores nas redes sociais

Paulo Henrique Silva
Publicado em 08/04/2019 às 19:58.Atualizado em 05/09/2021 às 18:08.
 (FOTOS FLÁVIO TAVARES)
(FOTOS FLÁVIO TAVARES)
 
“Se você observar o modo como escrevem, parece que estão botando a própria vida naquelas poesias. Eles não estão ligando para a métrica, se está correta semanticamente. Escrevem de uma forma que todo mundo possa entender e se identificar”.
 
O depoimento de Laura Ferreira, de 18 anos, resume o fenômeno do crescente interesse por poesia na internet, especialmente no Instagram. Perfis como os de Rupi Kaur, Ryane Leão, João Doerdelein, Zack Magiesi e Pedro Salomão acumulam milhares de seguidores.
 
Em comum, todos esses webpoetas abdicaram completamente de regras poéticas como rimas, métricas e estribilhos. Algo que não é novo na história do gênero, mas que se potencializa quando se considera a busca por identificação nas redes sociais.
 
“Antigamente, os poetas se preocupavam em falar de amor, de coisas sentimentais. A poesia contemporâneo foca no que os olhos veem, mas não enxergam”, salienta Laura, estudante do primeiro período de Letras no Cefet.
 
Autoajuda
Amanda Martins, doutoranda em Estudos de Linguagem no Cefet e que trabalha numa tese sobre poesia digital, observa que boa parte destes perfis trabalha questões como autoajuda, relações e empoderamento. 
 
“São temas universais, que têm um apelo visual e de autoidentificação. O leitor se identifica com aquele conteúdo e quer compartilhar. As redes sociais são exatamente isso: a busca de proximidade com o público”, analisa, evitando avaliar a qualidade das poesias, mas ressaltando que há pouca complexidade.
 
“Falta um trabalho estrutural com o meio, tirando partido das possibilidades que as redes sociais e a web oferecem como componentes de linguagem da poesia”
Mário Vinícius
Poeta que pesquisa técnicas alternativas de publicação
 
O visual é trabalhado, segundo Amanda, para facilitar uma identificação, diferentemente de poetas de renome que também vêm recorrendo às redes sociais como plataforma de trabalho, como Augusto de Campos e o ex-Titãs Arnaldo Antunes.
 
“A diferença é que Augusto de Campos trabalha um jogo enunciativo, propondo uma questão de materialidade virtual e exibindo uma capacidade de organizar signos que os leva a sair do lugar. Não é uma leitura simples. Um poema exige entendimento vários”, assinala Amanda.
 
“A poesia tem muitas dinâmicas. É como se fosse um monte de órbitas diferentes. Onde há uma tecnologia nova, os poetas estão. Eles sempre empregam a ferramenta que tiverem para publicar, criando grandes comunidades”
Ana Elisa Ribeiro
Poetisa
 
Pazes com a vida
Para o poeta e cantor Pedro Salomão, que tem 123 mil inscritos em seu canal no YouTube e 99 mil no Instagram, a internet é uma ponte de distribuição e de conexão entre pessoas. O canal de vídeo foi criado em 2016, diz ele, como forma de extravasar o luto pela perda de um amigo.
 
“Foi a forma que me reencontrei, através da arte, fazendo as pazes com a vida. As pessoas foram se identificando com o que escrevia, ganhando proporções nacionais”, afirma Salomão, que transformou em ganha-pão a atividade na internet. 
 
No ano passado, ele lançou o livro “Eu Tenho Sérios Poemas Mentais” e já prepara um segundo, para 2020. Esse, aliás, foi o caminho de vários webpoetas, como Doederlein (“O Livro dos Ressignificados”) e da canadense Rupi Kaur (“Outros Jeitos de Usar a Boca”). “Não é questão de (o livro) legitimar. A poesia não exige uma legitima-ção. Não serei mais poeta por ter lançado um livro”, reflete Salomão.
 
“Os leitores veem nestes posts, que muitas vezes são apenas fragmentos de textos sobre coisas cotidianas, sobre o que estamos vivendo agora, uma maneira de clarear as ideias 
e melhorar o dia”
Camila Marques
Estudante do curso de Letras
 
WEB

A estudante Camila Marques indica o perfil de Rupi Kaur, por se identificar com os dramas relatados pela autora

 
Canal pioneiro no YouTube será reativado este mês
 
O “Toda Poesia” foi um dos primeiros canais de YouTube dedicados à divulgação da poesia. Criado em 2014, deixou de ser atualizado dois anos depois, mas o fenômeno da webpoesia levou à retomada do projeto, que terá novos vídeos a partir deste mês.
 
“Ficamos parados dois anos porque resolvemos nos dedicar aos projetos pessoais. Curiosamente, foi durante este tempo de inatividade que o canal mais cresceu”, destaca Diego González, um dos seis nomes à frente do “Toda Poesia”.
 
Quando o último dos 440 vídeos foi ao ar, o canal tinha dois milhões em visualizações e 20 mil inscritos. Depois saltou para quatro milhões de visualizações e 80 mil inscritos. “Na internet, a poesia acabou encontrando os seus receptores”, analisa Gonzáléz.
 
O retorno deverá seguir o mesmo formato de antes, com gravações em preto e branco de vídeos com pessoas declamando textos conhecidos e inéditos. Não são necessariamente poesias. “Nosso slogan é que tudo é poesia. Toda poesia nos interessa”.
 
Na visão do coordenador, o interessante do canal é que ele nunca teve uma preocupação com o texto declamado. “A pessoa não precisava necessariamente saber de cor os textos. Ela podia ler, podia errar o quanto quisesse”. 
 
Para Gonzáléz, o mais importante dos vídeos era captar a sensação de cada um em relação ao texto escolhido. “Muita gente reconhecia no canal uma forma de apresentar os seus textos. Nós tornamos uma vitrine para essas pessoas”, salienta.
 
O coordenador revela que, antes do “Toda Poesia”, não tinha muita afinidade com o gênero. Atualmente trabalhando como cineasta no Rio de Janeiro, explica que ficou fascinado pelo formato, com a possibilidade de as pessoas exibirem seus gostos.
 
E conta que o momento do país, com a avaliação de que a cultura vem sendo desmoralizada, também pesou na balança para a volta do canal. “Acreditamos que mais poesia neste momento seria bom para todo mundo, combatendo com mais cultura”, destaca.
WEB

Um dos grandes nomes no Instagram é Zack Magiezi, autor dos livros “Estranherismo” e “Notas sobre Ela”

CINCO DICAS

Especialista em estudos literários, Amanda Martins indica cinco perfis e páginas que merecem ser visitados:
 
Augusto de Campos
Poeta, ensaísta e tradutor, um dos precursores da poesia concreta no Brasil. Divulga projetos antigos e algumas poesias inéditas criadas exclusivamente para a rede social. 
 
Ciclope
É um ateliê de arte digital, de Belo Horizonte. Indico, principalmente, o último projeto, o livro audiovisual e interativo “Poemas de Brinquedo”, com textos e direção de Álvaro Andrade Garcia. 
 
Rupi Kaur
Poeta canadense, nascida na Índia, autora do livro fenômeno de vendas “Outros jeitos de usar a boca”. Rupi tem 26 anos e representa a geração de “instapoetas”, que tem grande repercussão no mundo digital, com mais de dois milhões de seguidores no Instagram. Tem como tema principal dos seus poemas o feminismo, abordado de uma forma muito universal. 
 
Zack Magiezi
Com 1 milhão de seguidores no Instagram, poeta brasileiro explora situações cotidianas e universo feminino com poemas curtos e notas ao estilo máquina de datilografia. Um dos jovens poetas mais influentes das redes sociais no Brasil.
 
Companhia das Letras 
A editora dispensa apresentação, mas o importante é observar como essas empresas marcam presença nas redes sociais, e adequam a interação com o público/leitores.
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