Zé do Poço, um artista autodidata, quer voltar a expor no Palácio das Artes

Elemara Duarte e José Antônio Bicalho/Hoje em Dia
02/09/2014 às 07:55.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:02
 (CARLOS RHIENCK)

(CARLOS RHIENCK)

A história do multiartista – músico, pintor, videomaker, escritor, ilustrador e blogueiro, entre outros – Zé do Poço é longa e parece que recomeça diariamente em sua casa, no bairro Landi, Ribeirão das Neves.

Um dos artistas populares mais queridos pela nova geração de “criativos” da capital mineira, Zé do Poço agora prepara um filme baseado na vida de um personagem sertanejo típico do leste mineiro. Quem seria? “Por enquanto não vou divulgar. Ele já ficou sabendo e não gostou. Não falem quem é”, pede. Uma câmera que cabe na palma da mão foi comprada para este fim com prestações a perder de vista. O filme será postado no YouTube, onde José Jacinto Neto, nome de batismo do comunicador, soma milhares de visualizações.

Comunicador, sim! Na pequena casa em que mora há mais de 30 anos com a esposa e “assistente”, Maria Joana de Oliveira Jacinto, brotam as ideias de “Poço”, hoje, com 59 anos. Na base do improviso e da reciclagem – outro ofício dele – ele montou um micro-estúdio. Do notebook, contata os fãs que aguardam suas crônicas. “Agora estamos modernos. Tem computador”, comemora.

Estas “crônicas” podem vir como textos no Facebook, no Twitter, em músicas gravadas em vídeos e CD. Zé também escreve e ilustra seus livros. “Isso daqui é a matriz. Quando alguém quer um exemplar, tem o recurso do xerox”, diz, mostrando um de seus vários cadernos amarelados, cheios de textos escritos a mão, ilustrações e recortes. São seus livros, produzidos quando ainda não tinha computador. As crônicas são publicadas em posts do “Jornal Jarotocrimiaijam”, nos quais assina como o repórter “Jam Kalhal”.

Mas, Zé do Poço é mesmo mais conhecido como músico. Tem clipes artesanais na internet e já participou de diversos discos de grupos da capital. A banda mineira Graveola & o Lixo Polifônico, por exemplo, conheceu Zé do Poço em 2008. “Acompanho diariamente o Jarotocrimiaijam, sua coluna online de diversidades psicodélicas”, diz o vocalista do Graveola, Luiz Gabriel Lopes.

Além disso, ano passado, Zé participou da exposição e do livro “Escavar o Futuro” (na Fundação Clóvis Salgado), junto a mais de 80 artistas mineiros. “Não Tem Coisa Mais Feia do Que Mudança de Pobre Num Caminhão Chevrolet” (1997), clipe de cinco minutos, foi exibido no Palácio das Artes, para onde o artista garante que vai voltar com sua arte.

Sabedoria musical de Zé do Poço

Assistir aos clipes do Zé do Poço no YouTube e ouvir seus CDs “artesanais” é uma grande viagem. Engraçadas e nonsense, sem qualquer trava moral, as músicas e, principalmente, as letras do artista são de uma ingenuidade tocante. Mas, também, de grande sabedoria popular. Lembram pinturas naïf ou poesia de cordel.

A onda musical de Zé do Poço começou por volta do ano 2000 (ele mesmo não sabe ao certo), em parceria com “Sarieiro”. A dupla se desfez há anos. Desde então, foram vários parceiros, mas o nome da dupla continua o mesmo. “Quem entra passa a ser Sarieiro”, diz.

Hoje, quem acompanha Zé do Poço, além do amigo e sanfoneiro Bidu (o atual Sarieiro), é uma turma de garotos da Zona Sul, a banda Sucatas. Juntos, funcionam muito bem. Zé do Poço mais recita do que canta e atravessa todas as marcações de ritmo. A banda de bons músicos (guitarra, baixo, bateria e sanfona) corre atrás. E é essa falta de acabamento e espírito de improvisação que dá graça ao show.

A última vez que tocaram foi no Festival de Inverno da UFMG, com uma recepção “pra” lá de calorosa da plateia universitária, principalmente para os dois maiores hits de Zé do Poço, “Não tem coisa mais feia do que mudança de pobre num caminhão Chevrolet” e “Gostoso”.

Em “Gostoso”, o poeta diz: “Tô me sentindo tão gostoso/Que eu mesmo tô comendo eu/Não vou dar, não vou vender/Não vou dar nem pra você/A coisa de dar de graça é coisa de comunista/Pois eu sou capitalista/Eu me tenho no estoque/E sobrou só uma peça e agora só tem eu/E só tem só eu gostoso/Decidi não me vender”. De onde veio a inspiração? “Do Zé Bonitinho, da ‘Praça é Nossa’. É tudo dele. Eu só encaixei nos versos e na música”.

Após a visita da reportagem, Zé do Poço postou no Facebook: “o sorrriso nos rosto deles foram radiantes de uma alegria so em estar estes momentos com zé do poço” (sic). E foi mesmo, Zé.

Música para ‘jogar pedra’ nos outros

Além de artista, Zé do Poço é catador de materiais recicláveis, furador de cisternas, pedreiro, serralheiro, soldador e “consertador” de computadores, aparelhos de som e televisores que encontra pela rua.

Mora na periferia de Ribeirão das Neves, numa rua sem calçamento ou esgoto, e que não passa carro. Está construindo sua casa há mais de 30 anos – a obra não está acabada, mas o local é espaçoso para ele e a esposa. O quintal é tomado por papelão, latinhas e garrafas PET. Já o sótão é a sua oficina de equipamentos eletrônicos. E um dos quartos da casa é seu escritório e estúdio de gravação.

Casado há 38 anos, Zé do Poço é só carinho e atenção com a sua Dona Maria: “Fiz esse banheiro para a dona Maria ficar mais confortável”; “O colchão Ortocrim é presente para a dona Maria”; “Não gosto de novela, mas assisto para a dona Maria não ficar sozinha”, vai desfiando ao longo da conversa.

Já o artista Zé do Poço foi descoberto, lembra ele, pelo professor da UFMG, Augustin de Tugny, que desenvolvia projetos em Ribeirão das Neves. “Falei com ele que estava sozinho e não podia dar mais show (apresentações de rua em Neves). Foi aí que ele me arranjou a banda Sucatas”, diz.

Quando perguntamos sobre sua motivação para a música, Zé do Poço não hesita: “É para jogar pedra nos outros. Eles humilham a gente e eu respondo com a música”.

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