Bordado alinhava laços e tecidos: grupo de BH transformou arte manual em afeto e amizade

Patrícia Santos Dumont
pdumont@hojeemdia.combr | @patriciafsdumont
16/01/2020 às 10:42.
Atualizado em 27/10/2021 às 02:19
 (Maurício Vieira)

(Maurício Vieira)

Simone, que conhecia Wânia, que conhecia Tetê, que conhecia Wilma. Assim nasceu o Senhoras dos Bordados, grupo que dedica horas a fio – com o perdão do trocadilho – ao ofício de bordar. Mais que reunião de palpites e ideias criativas, é oportunidade para o encontro de histórias, que, novelo a novelo, vão sendo tecidas e fortalecidas dia após dia, há quatro anos.

Inusitada, a história do encontro, despretensioso, entre as quatro integrantes “oficiais”, parece ter saído de um livro – onde, por artimanha do destino, acabou indo parar. Atualmente, as colegas de ofício, que se tornaram amigas, encontram-se religiosamente às quintas-feiras, no ateliê de uma delas, no bairro Castelo, região da Pampulha, em Belo Horizonte.

Assista ao vídeo com um pouco da história do Senhoras dos Bordados e o que o encontro representa para cada uma das integrantes:

Como surgiu

“Matriarca” do grupo, a professora de artes Simone Almeida Prado, de 54 anos, conta como tudo surgiu. “Publicava alguns trabalhos no Facebook e a Wânia, com quem já havia trabalhado, curtia. Convidei-a para participar de uma aula com um grupo da terceira idade e ela logo se lembrou da Tetê, que, segundo ela, era a pessoa perfeita para bordar”, conta. 

Dali em diante, a história das três não foi mais a mesma. “A Tetê havia perdido duas filhas de forma muito trágica e não tive como não lembrar dela ao pensar, junto com a Simone, em criar um grupo de bordado”, acrescenta Wânia Lúcia Martins Abreu, de 63 anos.Maurício Vieira / N/A

CRIATIVO - Trabalho delas é chamado de bordado livre, pois permite a mistura de linhas, estilos, cores e texturas variados, que podem ser utilizados e executados com diferentes agulhas

Presente de Deus

Mais velha da turma, Tetê Bones, por sua vez, não titubeou diante da oportunidade de integrar a equipe que, mal sabiam elas, deixaria de ser só de bordado para virar uma grande irmandade. “Presente de Deus”, resume a veterana, que completa 90 anos em breve. Foi por intermédio dela que Wilma Microni da Silva foi parar na história. 

Caçula do Senhoras dos Bordados, como se denomina, enxergou no grupo a oportunidade de ressignificar a própria vida. “Elas têm um papel muito importante para mim. Depois que aposentei, a casa ficou vazia e passei a sentir falta de coisas que, agora, encontro lá. Preenchem meu tempo”, diz, aos 71 anos. 

Para arrematar a amizade, o quarteto deu vida, recentemente, ao segundo projeto do grupo. Em “Caminhos Poéticos Bordados” – livro lançado em BH e que pode ser adquirido pelo Facebook –, as quatro bordadeiras amigas falam, por meio de poesias escritas por elas mesmas, do significado do bordado nas próprias vidas.Maurício Vieira

IRMANDADE - Mais do que bordarem tecidos, as amigas, trocam experiências e compartilham as dores e delícias de teram atingido a maturidade. "Não abro mão de jeito nenhum", diz Wânia (ao centro)

Além disso:

Embora não tenha participado da reportagem, devido a um problema de saúde que a deixou acamada, no fim de 2019, a aposentada Tetê Bones, de 89 anos, é a quarta integrante “oficial” do Senhoras dos Bordados. Lembrada a todo tempo pelas amigas de grupo, é a mais velha do quarteto, mas também a mais habilidosa, criativa e animada – garantem as colegas. “Amiga de mais de 40 anos, com um significado enorme na minha vida”, reforça Wilma Microni, convidada por ela para ingressar na equipe, em meados de 2018.

Por telefone, Tetê contou da alegria e satisfação que sente em fazer parte do grupo ao lado das três amigas. “Havia sofrido a perda de duas filhas e estava muito triste. A vida estava bem complicada. Foi a Wânia, que conhecia a Simone, que me convidou. Falei que ia tentar, mas estava mesmo precisando de algo que me levantasse. Foi justamente o que encontrei”, relata a aposentada, que completa 90 anos em fevereiro.

Lançado em novembro do ano passado, o livro “Caminhos Poéticos Bordados” reúne três poesias e três bordados de cada integrante e capa feita pela mãe de Simone, Adélia de Almeida Prado. Mais informações sobre como participar do grupo ou adquirir o livro podem ser obtidas no Facebook.com/senhorasdosbordados ou no Villaggio Saúde e Bem-Estar, centro de convivência localizado no bairro Santo Agostinho, em BH, onde alguns dos trabalhos das amigas estão expostos. O telefone do local é (31) 2115-2420. Maurício Vieira

A Wânia surgiu em minha vida quando havia acabado de me separar. Era um momento difícil, de recomeçar sozinha. Foi um estímulo, uma força muito grande. Eu via a Tetê, uma pessoa de 89 anos, com uma energia contagiante, com aquele pique todo, e aquilo me dava ânimo. Deixei de ser simplesmente uma professora. De repente, estava dentro da casa delas. Passei a fazer parte da família. Criamos um círculo de amigas. Quando estamos juntas, conversamos muito. Sozinhas, com nosso bordado, é uma conversa interior da qual ninguém tem ideia.Simone de Almeida Prado - professora de artes e uma das fundadoras do grupoMaurício Vieira

Participo de outros grupos, mas nenhum tem a energia desse. O único lugar para onde vou e que fico louca para o dia chegar é o de encontrar as meninas, às quintas-feiras. Não tenho filho pequeno mais, o marido trabalha fora, então só ficamos eu e meu papagaio em casa. Às vezes, nem ele me aguenta. Adoro ficar com elas. O bordado, pra mim, é um alimento diferente. Me dá um alento. O encontro com elas é o encontro com elas. Não abro mão de jeito nenhum.Wânia Lúcia Martins Abreu - aposentada e uma das fundadoras do grupoMaurício VieiraEstou com 70 anos e, nessa idade, começamos a sentir cercas carências. Já passei por várias perdas, já tive um círculo grande de amigos no trabalho, mas que acabou diminuindo. Nos deparamos, então, com o tal do ninho vazio, que não é moleza. De repente, você tem sua casa para dar conta, mas os filhos voam, vão construir suas vidas. Fica uma casa vazia. Neste contexto, a coisa da amizade, desses encontros, têm um significado sem tamanho. Chego a me arrepiar. Tenho nas amigas um suporte. Uma vai completando o que a outra perdeu. A falta que uma faz é a mesma da outra.Wilma Microni da Silva - aposentada e uma das integrantes do grupo

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