Brasileiros versus estupro

Hoje em Dia
06/04/2014 às 07:53.
Atualizado em 18/11/2021 às 01:58

Uma boa notícia divulgada há dois dias pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ligado ao governo federal. Não é verdade que 65,1% dos brasileiros concordam inteira ou parcialmente com a frase “Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas”. O próprio Ipea descobriu o erro divulgado por ele e corrigiu: o percentual dos que de certo modo apoiam o estupro é de 26%. A divulgação da pesquisa do Ipea, com esse grave erro, no dia 27 de março, teve grande repercussão na imprensa mundial. Tanto, que a presidente Dilma Rousseff se julgou obrigada a comentar no Twitter e admitiu que o país tem “muito o que avançar no combate à violência contra a mulher”.    Segundo o Ipea, o diretor de Estudos e Políticas Sociais, Rafael Guerreiro Osório, pediu exoneração assim que o erro foi constatado. Foi um gesto digno e não muito comum na burocracia brasileira. O engano proveio da troca de dois gráficos. Dos 3.810 entrevistados pelo Ipea há um ano, 42,7% concordavam totalmente e 22,4% parcialmente com esta frase: “Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar”. Enquanto os que concordavam com a outra frase – a do estupro – eram, respectivamente, 13,2% e 12,8%.    Menos mal que o erro tenha sido divulgado uma semana depois. O brasileiro custou a se livrar do “complexo de vira-lata” que, segundo o dramaturgo Nelson Rodrigues, o atacou depois da derrota para o Uruguai, em pleno Maracanã, no final da Copa do Mundo de 1950. E não merecia agora, quando o país termina os preparativos para a segunda Copa do Mundo em seu território, ser identificado como um povo que, em sua maioria, de certo modo concorda com esse grave crime contra a mulher.   Pelo menos, o erro mostrou que as mulheres sabem reagir com firmeza ao conceito errado do qual são vítimas. Se não mais por 65,1%, ainda por 26% dos brasileiros. Não é a maioria, mas o percentual continua inaceitável. Essa reação deve prosseguir enquanto houver um único, neste país, que ache que merece ser estuprada a mulher que mostra o seu corpo.   É longa a história da luta da mulher por seus direitos. Uma das mais importantes foi o do direito de votar e ser votada em igualdade com os homens. É extremamente difícil mudar a mentalidade machista. Como constatou a escritora paulista Nana Queiroz, de 28 anos, casada. Logo após a divulgação da pesquisa, ela iniciou na internet um movimento de grande repercussão: “Eu não mereço ser estuprada”.    Observou que são os adolescentes que estão fazendo o clima de ódio na internet. “Eles são as pessoas que passam a mão nas baladas, eles são os caras que beijam a mulher à força”, disse ela, em entrevista a um blog mineiro. “Essa molecada tá achando que estupro é piada, e eu não sei qual é a graça”.    Não tem, mesmo.

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