Cortem os barbantes!

Publicado em 24/03/2016 às 20:12.Atualizado em 16/11/2021 às 02:38.

Enfim, a temperança. A carta do procurador Rodrigo Janot aos membros do Ministério Público, divulgada na última terça-feira, traz alento e alívio. Vencer uma guerra a qualquer custo, lembrou ele, não pode ser um objetivo sensato porque o país precisa sobreviver a ela. A liberdade será a primeira sacrificada se prevalecer um rompimento irreconciliável entre irmãos. “Não sairemos dessa crise melhores como país se escolhermos o caminho da radicalização. Essa estrada só tem curso para nos levar ao ódio e à desintegração do sentimento de unidade essencial que deve permear o nosso povo, para além das divergências políticas”.

A sabedoria de Janot nos oferece o regaço para descansarmos nossas cabeças, exaustas do mau combate. A guerra pelo poder, e exclusivamente por ele, interessa a muito poucos. A massa disforme que se digladia pelas redes sociais o faz movida por barbantes, puxados aqui e ali pelos príncipes das sombras. Antes que seja trágico, é preciso abrir os olhos e jogar no lixo as camisetas do enfrentamento, sejam quais forem suas cores.

Sob a luz da temperança, é possível enxergar melhor o que precisamos. Em primeiro lugar, dar combate sem descanso à corrupção. É ela que destrói a pessoa, na medida em que a faz crer que seu ganho se dá pela subtração do que é de todos. A disseminação dessa cultura perpetua os desequilíbrios sociais, inviabiliza a igualdade de oportunidades, encarcera a democracia. Em nome dela abre-se mão da qualidade da gestão pública para abrigar afilhados em cargos públicos, superfaturar contratos, desviar verbas da merenda escolar, da compra de ambulâncias, da restauração das estradas. Em nome dela, atribui-se a tolerância com os maus feitos às necessidades da governabilidade. Cobre-se o que é indecente com o manto da luta política, tornando-a tão imunda quanto o que deseja esconder.

Não há governo honesto que consiga justificar resultados tão pífios nas políticas públicas mais fundamentais: saúde, incluindo saneamento, educação, segurança e transporte. Seja sociólogo, ex-operário ou mulher torturada nos porões da ditadura militar, seja um pássaro ou uma estrela, social-democracia ou socialismo, não há desculpa para tanto atraso. A contradição entre a pureza das intenções e os resultados colhidos revela o vínculo do fracasso dessas políticas com o modelo político-eleitoral vigente, complacente com a corrupção, podre na raiz. Mesmo sublinhando a linha da evolução histórica do país, mesmo respeitando os avanços de cada mandato, é necessário destacar também que o modelo esgotou-se. É o que precisa ser visto, é a oportunidade a ser aproveitada.

Ou olhamos para os fatos com coragem ou atrasaremos o passo. A realidade não avaliza a guerra política. Não há golpe em curso. É o Brasil que pede passagem. Ao contrário do que defende Lula, o prejuízo econômico não é dado pela “Lava Jato”, mas pela perpetuação da cultura que ela combate.

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