
O desemprego fomentou tanto a massa de motoristas na Uber, 99 Pop e Cabify que, agora, segundo os próprios condutores, é difícil encontrar alguém em Belo Horizonte que não tenha um amigo ou parente ganhando a vida por meio dos aplicativos de mobilidade. De olho neste universo de trabalhadores e até como forma de driblar a crise, empresários de diferentes portes e setores decidiram oferecer condições especiais para os profissionais do transporte de passageiros.
A estratégia é abocanhar a maior parcela possível dos mais de 30 mil motoristas dos apps em BH, segundo estimativa de condutores que prestam o serviço. O resultado são preços com redução de até 50% em vários produtos e serviços consumidos pelos motoristas de aplicativos.
“Trata-se de uma boa economia no fim do mês”, conta Vítor Alves, de 40 anos. “Veja um exemplo: lavo o carro seis vezes no mês. Quem não é de aplicativo paga R$ 25 no lava-jato. Eu desembolso R$ 15. Economizo R$ 60 por mês. Ou R$ 720 no ano”.
O lava-jato a que ele se refere pertence a Igor Teodoro, de 23. “Cerca de 75% de minha clientela dirige para aplicativos”, conta Teodoro. Ele aproveita o crescimento do mercado para oferecer também produtos que, inicialmente, não têm vínculo com lava-jatos: “Vendo água, refrigerante, sucos...”.
O número oficial de motoristas de aplicativos é uma incógnita: os apps não revelam a quantidade de parceiros, mas estima-se que eles somem mais de 30 mil pessoas na capital mineira.
Desta forma, tanto empresas pequenas quanto médias e grandes querem fisgar uma parcela deste universo.
É o caso da Localiza Hertz. Uma das maiores empresas de aluguel de veículos do planeta firmou parceria com a Uber para que condutores aluguem veículos a preços mais baratos. Dependendo do contrato, a diária sai a R$ 49.
“Os aplicativos surgiram como solução eficiente e acessível de mobilidade que foi abraçada pela população. O Brasil é o segundo mercado da Uber no mundo, com 600 mil motoristas cadastrados e faturamento de quase R$ 4 bilhões”, explicou Rodrigo Bastos, diretor da Localiza.
Vantagens
Christiano Rossevelt, de 43 anos, fez as contas e concluiu que era melhor abrir mão de rodar com o carro próprio para atender as chamadas de aplicativo e alugou um veículo na empresa. “Não me preocupo com a manutenção, pois levo o carro para que a própria empresa faça o serviço a cada 10 mil quilômetros rodados. E a empresa substitui o meu carro a cada 12 meses ou quando rodo 40 mil quilômetros antes de um ano. E não pago IPVA”.
“Usando o Localiza Driver, os motoristas de aplicativo podem alugar o carro sem data de devolução determinada, tem acesso em tempo real aos dados de locação do carro (quilometragem rodada, valores pagos etc) e aos dados de faturamento da Uber”, disse Bastos.
Os próprios aplicativos firmam parcerias com empresas para beneficiar os condutores. A 99, por exemplo, tem convênios com empreendimentos de diversos setores em Belo Horizonte, com benefícios que se estendem também aos familiares dos empregados que utilizam o aplicativo.
A plataforma oferece ainda, desde 2018, uma modalidade especial de plano de saúde, em que os motoristas pagam um valor de adesão e têm descontos para consultas e exames.
Estratégia é reduzir margem de lucro para ganhar no volume
A estratégia de atrair um público grande como motoristas de aplicativos por meio de preços mais em conta é uma forma de economia compartilhada, também chamada de colaborativa, que ajuda a manter o consumo e empregos no Brasil, como avaliam economistas.
Ana Paula Bastos, da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), destaca que o comerciante reduz a margem de lucro ao reduzir o preço do produto ou serviço, mas ganha em quantidade de volume.
“Diante da crise, é uma excelente saída. É um mercado ajudando o outro. Desta forma, concedendo descontos, o lojista sempre terá público”, reforça a especialista da CDL-BH.
Isso porque os descontos são propagandeados por meio dos próprios condutores, numa espécie, como avalia Bastos, “de uma rede no boca a boca”.
Da mesma forma, Mafalda Ruivo Valente, das Faculdades Promove, considera que a estratégia de reduzir preços aos motoristas é uma das características de uma economia que não anda “bem das pernas”.
“É a mesma lógica dos grupos (de WhatsApp) de desapego: é melhor vender 10 produtos a preços baixos do que apenas dois (a valores normais)”, disse a economista.
A professora do Promove acredita que a ideia dos descontos a determinados grupos pode até permanecer mesmo com a recuperação da economia. E explica o porquê: “Cria-se o hábito do desconto”.
Desemprego
Mas Mafalda Valente pondera que o crescimento da massa de condutores de aplicativo se deve, em boa parte, ao grande desemprego no país.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o país perdeu 3,4 milhões de empregos formais desde 2014, segundo o último balanço, referente a abril passado.
Ana Paula Bastos também avalia que o crescimento dos parceiros dos apps deve-se ao desemprego: “As pessoas não estão se inserindo no mercado. Desta forma, enxergam nos aplicativos uma forma de trabalhar e migram”.
Projeto que limita serviço
em BH preocupa condutores
Motoristas de aplicativos não estão atentos apenas a descontos oferecidos à categoria. Eles também estão de olho no Projeto de Lei 490/18, de autoria do Executivo, que prevê limitações no uso da modalidade de transporte em Belo Horizonte. O texto já foi aprovado em primeiro turno na Câmara Municipal e pode retornar ao plenário nos próximos dias.
Entre as mudanças, está a previsão de que todos os veículos sejam sedãs, com motor acima de 85 cavalos (gasolina), e com capacidade máxima para quatro passageiros.
Nas redes sociais, condutores se articulam para pressionar os parlamentares municipais e o prefeito Alexandre Kalil (PSD) a desistirem da ideia de levarem o assunto adiante.
Uma mensagem divulgada por boa parte dos motoristas diz que, caso as mudanças sejam implantadas, “da noite para o dia vai reduzir drasticamente a oferta do serviço para os mais de 1,5 milhão de usuários e eliminar a fonte de renda para 25 mil motoristas parceiros de BH”.
O vereador Orlei (Avante), autor de algumas emendas ao projeto, diz que ninguém ficará desempregado, pois, se aprovado, haverá um período de transição para as adequações: “Os carros novos, abaixo de cinco anos e que não são sedãs, terão três anos de transição. Os táxis também tiveram transição (alguns ainda estão neste prazo) para se adequar”, argumenta o parlamentar.