Mutuário no sufoco

Caixa Econômica já tomou mais de mil imóveis de devedores mineiros em apenas dois meses

Hermano Chiodi
hcfreitas@hojeemdia.com.br
Publicado em 20/03/2023 às 07:15.
Legislação garante aos bancos e financiadores leiloar imóveis com três meses de atraso nas parcelas (Maurício Vieira)

Legislação garante aos bancos e financiadores leiloar imóveis com três meses de atraso nas parcelas (Maurício Vieira)

Em apenas dois meses, a Caixa Econômica Federal leiloou 6,2 mil imóveis no Brasil, número equivale a 70% dos 8,9 mil imóveis tomados pelo banco em todo ano de 2022. Apenas em Minas Gerais, mais de mil famílias tiveram suas residências levadas a leilão em janeiro e fevereiro. À primeira vista, parece simples execução contratual, uma punição prevista para quem não paga as prestações do imóvel. Mas por trás de cada leilão tem uma história, um sonho que se desfaz.

Sonho cultivado durante anos por Carla Vieira, moradora de Visconde do Rio Branco, na Zona da Mata mineira. Mãe, responsável por cuidar da família sozinha, viu na oportunidade de comprar uma casa a oportunidade de realizar um sonho, se livrar do aluguel e deixar um patrimônio para os filhos. “É uma casa de telha, pequena, com dois quartos. Do jeito que eu sempre quis”, conta. 

Mas nesta semana chegou à casa uma correspondência avisando que as prestações estavam em atraso e que o imóvel seria leiloado no próximo 13 de abril. “Eu chorei, me desesperei. Tenho um filho de dois anos, uma filha de 16, que está grávida e não tem apoio do pai. Sou eu sozinha. Não sei o que fazer”. 

CEF confirmou a aceleração na retomada de imóveis, mas afirmou que o objetivo é facilitar as negociações com clientes

De acordo com Silvio Saldanha, presidente da Associação dos Mutuários do Brasil (Amubra), não há muito o que ser feito. A legislação garante aos bancos e financiadores leiloar os imóveis que tiverem três meses de atraso no pagamento das parcelas. “A execução é rápida. A lei atual permite a execução extrajudicial e muitas vezes deixa o consumidor de mãos atadas”, destaca.

O ideal, avalia o representante dos mutuários, seria ter uma maior flexibilidade. “Em contratos de 25, 30 anos, um atraso de quatro meses por uma dificuldade qualquer...deveria ter maior tolerância, mas não é isso que a lei prevê”, diz.

Legalidade
Atualmente, duas legislações regulam esse processo de retomada de imóveis, as leis 9.514/97 e 13.465/17. Segundo a norma, após o consumidor ficar inadimplente em três parcelas, o banco pode fazer um primeiro leilão, pelo valor venal do imóvel e, caso não exista interessados, em 15 dias pode ser realizado um novo round com vencedor para o maior lance. 

Em contato com a reportagem, a Caixa Econômica confirmou a aceleração na retomada de imóveis financiados, porém afirmou que o objetivo da instituição é manter o financiamento e facilitar as negociações com clientes. “O objetivo da Caixa, como banco da habitação, é que o mutuário mantenha o imóvel financiado, resguardando o direito à moradia, sendo a retomada do imóvel a última alternativa usada para garantir o retorno do valor emprestado”, afirmaram em nota.

6,2 mil imóveis foram ‘confiscados’ pela caixa econômica nos meses de janeiro e fevereiro no país. unidades vão a leilão com celeridade

Para Kênio Pereira, diretor da Netimóveis, o aumento ainda é uma conse-quência das restrições econômicas provocadas pela pandemia. “Sem renda, aumentou a inadimplência e como consequência a retomada de imóveis. Muitos bancos optaram por retardar essas execuções e agora estão vindo números mais elevados”, destacou, avaliando que a solução plena só chega com a recuperação econômica. 

Silvio Saldanha, por sua vez, reforça que não existe perspectiva de mudança na legislação e por isso cabe ao consumidor ficar atento e se adiantar a qualquer sinal de que vai ficar devendo. “É possível negociar. Percebeu que vai atrasar uma prestação, procure o banco antes de ficar inadimplente. As chances são sempre maiores”.

Com risco de ficar sem o imóvel financiado, Carla Vieira tentou esta negociação. Mas não tem condições de arcar com o valor das parcelas. Ela ainda tenta uma solução com o banco, mas com poucas esperanças.

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