
O professor Mário Neto Borges chegou à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) em 2004 e assumiu, em 2008, a presidência, onde está até hoje. De lá até agora, viu o orçamento anual da instituição ser multiplicado por 14 e a responsabilidade de deixar um legado para a sociedade crescer na mesma proporção. Prestes a transferir a sede da agência de fomento à pesquisa para o mais moderno imóvel que abriga uma instituição tecnológica no país, no Horto, em Belo Horizonte, o professor que um dia contou com financiamento da Fapemig para seus projetos, analisa a conjuntura atual para o setor de Ciência, Tecnologia e Inovação CT&I. Uma ampla reforma na legislação do segmento está em tramitação no Congresso, com a promessa de desatar amarras que impedem a proliferação de uma cultura inovadora no país. Nesta entrevista, Borges também avalia a política do Brasil e de Minas para o setor. Apenas nos primeiros 16 dias do ano, os editais lançados pela Fapemig somam financiamentos a projetos e pesquisa de R$ 88 milhões.
Professor, qual a situação do Código Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação, em tramitação no Congresso?
A expectativa era a de que já tivesse sido votado. O projeto original era um texto único com cerca de 90 artigos. Entregamos em 2011 e aí começou a tramitar. No avanço dele, tivemos algumas dificuldades. Para ser um Código deveria ser apresentado o projeto pelo Executivo, e eles não quiseram apresentar.
E o que foi feito, então?
Hoje ele é uma proposta parlamentar e foi fragmentada em algumas iniciativas. Uma delas é a PEC para incluir o setor de inovação na Lei. Outra é o Projeto de Lei que trata basicamente das regulamentações ligadas também a inovação. Há ainda outra iniciativa que são alterações na Lei de Inovação vigente.
Dado o tempo que está no Congresso e as modificações já realizadas, o texto inicial mudou para melhor ou pior?
Primeiro, a divisão de um texto único em vários retira celeridade da tramitação e trará dificuldades após a vigência. Estando em um único Código, um só instrumento legal, é mais fácil para quem concede recurso, pra quem recebe e faz o projeto, e para quem fiscaliza. Mas sobre as alterações, elas foram para pior. Retirou-se do Código original tudo o que foi apresentado como proposta de formas de aquisição, de compras por parte do setor. Um dos grandes vilões do processo é a lei do capeta, a Lei 8.666 (lei das licitações). Uma Lei feita para regulamentar obras públicas, construções físicas, e que é usada na ciência, o que não faz sentido algum. Incluiu-se o Regime Diferenciado de Compras (RDC), e ainda não tivemos acesso ao texto final de como serão regidas as compras.
E qual o receio do setor?
O Código trazia um modelo de compras que considerava uma composição de técnica e preço como uma coisa primordial para o setor. Ainda temos a expectativa de um modelo próximo a isso. Algumas vezes para comprar um equipamento de grande porte, importado, um fornecedor te dá o melhor preço, mas não te dá garantia, enquanto outro de te dá preço um pouco maior, mas dois anos de garantia e manutenção. Se é importado e compra sem garantia se corre um risco muito grande.
Fora essa discussão ainda em curso sobre o modelo de compras, a reforma da legislação trará avanços significativos?
Um deles é sobre a importação, com isenção de Imposto de Importação para o setor de ciência e inovação. Também haverá facilitação das importações, do desembaraço nos aeroportos. Isso ficou muito bem resolvido no texto, inclusive com a indicação de dois aeroportos para serem usados nessas importações. Eles terão escritórios especiais da Receita e Anvisa com pessoal treinado para chegar e despachar. Outro avanço, que usou Mina Gerais como referência, é acabar com as rubricas no financiamento de projetos. Hoje você tem lá a divisão: x reais para bolsa, x reais para passagens, x reais para diária, x reais para compra de equipamento, e assim vai. Qualquer alterações nos valores de alguma rubrica dessa o pesquisador demora até três meses para conseguir. Agora teremos uma rubrica única, chamada “apoio à pesquisa”. Dentro disso, o pesquisador pode fazer alterações nos itens financiáveis pelo órgão de fomento.
Há incentivos à criação de centros de tecnologia também?
Isso. É uma tentativa de fortalecer os Nits (Núcleos de Inovação Tecnológica), que são o elo de elemento entre a pesquisa de bancada, do cientista, e a empresa, o setor industrial, quem vai fabricar o produto. Hoje isso é muito frágil, não tem incentivo. A facilitação prevista no Código é via desburocratização e financiamentos, inclusive indicando as fontes.
Quando foi inaugurado o BH-Tec, o governo estadual estudava a possibilidade de levar centros de tecnologia para o interior. Como está isso hoje?
Temos três Centros Tecnológicos operando em Minas – BH-Tec, Itajubá e Viçosa – e três em fase de projeto: Juiz de Fora, Lavras e Uberaba. Todos terão os investimentos realizados ainda em 2014. Aliás, o BH-Tec tenta sua expansão. A primeira licitação foi deserta porque existe uma insegurança com o Código, uma vez que ainda não foi votado.
Quanto custa construir um centro tecnológico?
O custo é infinito, porque o objetivo é que sempre cresça. Mas a criação e implantação varia entre R$ 20 milhões e R$ 100 milhões, dependendo do tamanho e do foco. No BH-Tec só o Estado colocou R$ 32 milhões. Nesses três em fase de projeto, só na elaboração do projeto, cada um já deve ter recebido R$ 1 milhão.
O balanço das atividades da Fapemig aponta desde 2004 uma perda de participação relativa no número de projetos induzidos (o governo escolhe as áreas) e universais (o pesquisador escolhe a área) enquanto os projetos chamados de especiais e estruturantes ganham relevância. Qual a estratégia por traz desses dados?
Isso ocorreu a partir de um momento que foi divisor de águas na Fapemig, em 2007, que foi quando começamos a receber nosso orçamento integral. Embora esteja assegurado na Constituição que temos direito a 1% da receita líquida corrente do Estado, nunca tínhamos recebido isso. Ciência, Tecnologia e Inovação não são vistos como um valor pela sociedade. Se a sociedade não vê assim, os políticos não se interessam, mas deveriam. Todos que têm mais de 50 anos de idade devem isso à ciência e inovação. Na década de 50 a expectativa de vida era de 50 anos, hoje é de 75 anos a média nacional. Isso é ciência. Nesse período, o Brasil passou de importador de alimento para exportador; de comprador de soja para maior produtor do planeta. Isso graças à Embrapa, Universidade Federal de Viçosa e Epamig. Duas das instituições responsáveis são de Minas. Mas voltando ao centro de sua questão: desde 2007, quando passamos a ter mais recursos, passamos a desenvolver projetos especiais, aproximando a pesquisa das estratégias políticas do governo.
A Fapemig também conseguiu aumentar consideravelmente a captação de recursos externos (fora dos repasses estaduais). De R$ 56 milhões em 2011 para R$ 78 milhões em 2013. Como foi possível esse salto?
Esse ano vai aumentar mais. Com o 1% que temos da receita corrente líquida do Estado conseguimos fazer parcerias diversas, com CNPq, Capes e Finep, que são agências federais. Mas se eu não tiver condições de dar contrapartida eu não consigo os recursos deles. Então uso o recurso público do Estado para trazer dinheiro federal e internacional. Temos projetos em andamento com 11 países. Depois da Lei Mineira de Inovação, em 2008, fizemos parcerias com empresas. A Fiat foi pioneira, mas temos projetos com Vale, Ericsson, Algar, Cemig e Embraer. Por exemplo, para cada um real que eu (Fapemig) coloquei, a Cemig Distribuição colocou um e a Cemig Geração mais um. Com um real atraio dois. Isso aumenta a captação externa. Aumentou também um pouco a percepção dessas empresas para a ciência. Hoje só não fazemos mais parcerias porque não temos caixa. Nosso orçamento anual é de cerca de R$ 300 milhões. Tem que pagar bolsa, tem que manter a máquina, o que sobra já está comprometido com as parcerias.
As empresas estão mais abertas a essas parcerias ou elas ocorrem pela obrigação legal de investirem parte do faturamento em pesquisa e inovação?
De maneira geral, a cultura empresarial ainda é muito tradicional, as empresas preferem comprar uma tecnologia já testada, que já funciona, para não correr riscos. Muitos não investem nem o obrigatório. Mas, de certa forma, a obrigação por Lei do investimento ajudou a abrir o caminho em alguns casos. Algumas empresas perceberam que além do investimento dela, a Fapemig também coloca dinheiro, e consegue várias alternativas de solução para o problema na empresa. Na verdade, a subvenção econômica neste caso é o governo dando dinheiro para a empresa para desenvolver soluções inovadoras para um problema que é da própria da empresa.
E por parte da classe política, ainda há muita resistência cultural?
Infelizmente também não há reconhecimento do que a ciência proporciona. Estamos em briga com o governo federal, que no final de 2013 transferiu para o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) a obrigação de custear o programa Ciência sem Fronteiras. É um programa que tem seu valor, não é ruim, mas foi criado por um rompante da presidente que agora empurrou a conta para o FNDCT pagar, tirando recursos de financiamento de bolsas de pesquisa. Já estivemos em Brasília, manifestamos nossa insatisfação e não podemos aceitar isso. Se for mantido, a comunidade científica vai se rebelar.