À margem do sistema financeiro

Empreendedoras e chefes de família, mulheres têm baixo acesso ao capital

Hermano Chiodi
hcfreitas@hojeemdia.com.br
19/09/2022 às 07:21.
Atualizado em 19/09/2022 às 07:21
Para montarem o próprio negócio, as sócias Poliane e Letícia precisaram recorrer à ajuda de familiares para conseguir empréstimo em banco (Arquivo Pessoal)

Para montarem o próprio negócio, as sócias Poliane e Letícia precisaram recorrer à ajuda de familiares para conseguir empréstimo em banco (Arquivo Pessoal)

A dificuldade em acessar produtos financeiros, como empréstimos, financiamentos, investimentos e consórcios coloca muitas mulheres à margem do sistema de capitais. Apesar de serem importantes empreendedoras e chefiarem famílias, a representatividade delas nessa área é muito baixa. Isso gera uma exclusão financeira que dificulta ainda mais a caminhada das brasileiras que se esforçam na árdua tarefa de serem empreendedoras.

Segundo o relatório mais recente de cidadania financeira do Banco Central (BC), com dados de 2021, durante a pandemia houve ampliação de benefícios sociais pagos às mulheres, aumentando a participação feminina entre correntistas. Porém, elas ainda são minoria na hora de acessar os recursos disponíveis no sistema financeiro. 

Apenas 38% de todos os valores emprestados pelos bancos às pessoas físicas foram parar nas mãos das mulheres, aponta o Banco Central. Enquanto os homens tomaram como empréstimos aproximadamente R$ 1,388 trilhão, elas pegaram R$ 854 bilhões, 38,5% a menos que eles. Aliás, com exceção do cartão de crédito, em que elas têm uso um pouco maior que o dos homens, as mulheres são minoria no acesso a todos os serviços financeiros.

Essa exclusão financeira é tema da série de reportagens que o Hoje em Dia publica a partir desta segunda-feira (19), mostrando a dificuldade que as mulheres encontram para acessar vários produtos financeiros.

Dificuldades sentidas na pele por Poliane Teixeira, de 31 anos, e Letícia Idalina, de 23. As duas se conheceram trabalhando e resolveram que era hora de investir no próprio negócio. Porém, com pouco histórico bancário, não conseguiram atender a todas as burocracias e documentações exigidas pelas instituições e tiveram que utilizar a ajuda de parentes para conseguir os empréstimos necessários à instalação de uma esmalteria, que fica na região do Barreiro, em Belo Horizonte.

“Não tínhamos crescimento onde estávamos e queríamos mais. Hoje, empregamos seis pessoas. Ainda estamos investindo para chegar onde queremos, mas está dando tudo certo”, comemora Poliane.

Peso da história
A exclusão financeira é o tipo de obstáculo que dificulta às mulheres não só alcançar a independência econômica, mas também realizar sonhos comuns a todos. Uma pesquisa do Sebrae, com dados de 2021, mostrou que “ter o negócio próprio” é o terceiro maior desejo de todos os brasileiros, ficando atrás apenas de "Viajar pelo Brasil" e "Comprar uma casa própria". E não tem uma razão simples para essa exclusão, conta a professora de economia do Ibmec, Vivian Almeida. 

Segundo ela, a justificativa é histórica. No passado, afirma Vivian, mulheres mais “elitizadas” não podiam de fato trabalhar e as que tinham uma atividade fora de casa o faziam pela necessidade de subsistência. “O acesso a serviços financeiros que faça com que você tenha acesso a créditos e essa liberdade de tomar a decisão de abrir uma empresa e ter as suas vontades garantidas pelo seu esforço tem uma barreira histórica na participação feminina no mercado de trabalho”, destaca.
 
Para Vivian, já passou da hora de romper com essas barreiras e o primeiro passo é reconhecer que as mulheres não estão onde estão porque querem, mas porque “há todo um sistema de passado e presente que limita essas escolhas”. Para ela, é necessário dar “crédito”, dinheiro mesmo, às ideias das mulheres.

“O aumento de mulheres em serviços financeiros – tanto como ofertante, trabalhando no mercado de capitais, ou como demandante – eleva seu potencial de renda e aumenta sua cidadania, com toda certeza, porque a gente vive em um mundo em que o acesso ao bem-estar depende do acesso à renda. A boa notícia é que isso está mudando”, acredita Vivian.

Futuro
Uma iniciativa importante nesse caminho tem sido tomada pelos próprios bancos. A Caixa Econômica Federal, que neste ano enfrentou problemas de imagem por causa do envolvimento do ex-presidente da instituição com casos de assédio moral e sexual contra funcionárias, escolheu uma mulher para comandar a instituição e lançou um programa específico para atrair o público feminino.

A lista de vantagens anunciada pelo banco na segunda-feira (12) inclui isenção de três meses na cesta de serviços da conta corrente; desconto de 5% na taxa de juros do Crédito Direto Caixa (CDC) para pessoa física; isenção no aluguel da maquininha Azulzinha para faturamentos a partir de R$ 100; Letra de Crédito Imobiliário (LCI) com rentabilidade até um ponto percentual acima do CDI; melhores condições no penhor, consignado e consórcio de veículos leves. 

Nas palavras da presidente da instituição, Daniella Marques, o objetivo é trazer as mulheres para perto do banco. “O que a gente quer é ser um banco parceiro preferencial das mulheres em suas dúvidas, em seu planejamento financeiro, para abrir o seu negócio, consumir produtos, crescer financeiramente e ser independente. A estratégia é permanente”, afirmou.

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